Por Valtemir Amler
Depois de liderar o cenário rock e metal por décadas, a Inglaterra quase perdeu o trem do thrash metal nos anos 80, mas se recuperou a tempo e mostrou alguns poucos e ótimos valores musicais ao mundo no então recém-nascido novo gênero musical. Mais do que apenas recuperar o terreno perdido, essa atitude de correr atrás das tendências acabou por garantir que os ingleses nunca mais ficassem para trás na corrida da música pesada, algo que se percebe na quantidade de grandes nomes do metalcore que nasceram por lá desde o início da popularização do estilo. Nascido em Southampton em 2006, o Bury Tomorrow é uma das forças principais desse cenário, e vem consolidando e fortalecendo o seu nome na cena com uma sucessão de álbuns louvados por seus fãs. A carreira começou humildemente, com o lançamento de Portraits em 2009, pelo pequeno selo local Basick Records. A mistura de melodias pungentes com um algo mais pesado advindo do heavy metal combinava a perfeição com as letras focadas em temas da psicologia humana, e embora o grupo não se tornasse um sucesso instantâneo, tratou de garantir os próximos passos do quinteto, que assinou com a gigante Nuclear Blast para o lançamento de seu segundo álbum, The Union Of Crowns (2012). Dali em diante, as coisas realmente começaram a decolar para o grupo, que com seu terceiro registro, Runes (2014) alcançou o topo das paradas no Reino Unido. Contando hoje com sete álbuns completos lançados, o grupo promove The Seventh Sun, o mais novo capítulo de sua jornada, e o primeiro com Tom Prendergast (teclado/vocal limpo) e Ed Hartwell (guitarra). Confira nosso papo com o fundador Daniel Winter-Bates.
Apenas para colocarmos nossos leitores a par de tudo o que tem acontecido com o Bury Tomorrow nos últimos anos, preciso falar sobre o período imediatamente antes do lançamento de Cannibal, de 2020. Pelo que li, a banda estava a beira do colapso naqueles dias. O quanto disso é verdade?
Daniel Winter-Bates: Infelizmente, não existe nenhum exagero nessa afirmação. Nós literalmente estávamos à beira do colapso, realmente chegamos a sentir que a banda acabaria em seguida. Foi o momento mais estressante para o Bury Tomorrow ao longo de toda a nossa carreira.
Como chegaram em tal situação?
Winter-Bates: Acho que as coisas foram acumulando com o passar dos anos. Todas as coisas, as boas e as ruins, mas as ruins pesam mais. Com o tempo visitamos muitos lugares e conhecemos fãs do mundo todo, e isso é o melhor, é uma das sensações mais revitalizantes que existem. Mas, tudo vem com um preço, e quanto mais o tempo passa, mais o cansaço começa a pesar, são muitas viagens, e nem falo apenas pelo aspecto físico, mas também pelo aspecto mental. Talvez, principalmente pelo aspecto mental. Chegou a um ponto em que realmente não sentia mais que havia uma saída, tudo ficou como um grande labirinto em que você anda, anda, mas nunca se aproxima da saída.
Imagino o quanto essa situação pode ser desgastante, afinal, montar uma banda e conseguir ser bem-sucedido com ela é um sonho, então, alcançar isso e de repente sentir que tudo está prestes a ir pelos ares…
Winter-Bates: Sim, é devastador, sinceramente. É como você disse, ter uma banda de rock bem-sucedida é viver um sonho, e nós literalmente sonhamos, e então lutamos contra tudo e todos para transformar essa banda em algo real, sólido. Mas, de repente, nada mais parecia funcionar como devia. Quer dizer, os dois anos até Cannibal simplesmente não foram bons. Não foi divertido. Não era algo que gostávamos de fazer. Se tivéssemos continuado em turnê e nada tivesse mudado, nossa banda teria terminado em um ano ou menos. Teríamos forçado a barra e terminado em nada, sem dúvida.
Sabe, isso é quase inacreditável, pois isso literalmente aconteceu enquanto trabalhavam em Cannibal, que no fim das contas se tornou um álbum muito louvado na sua discografia, um enorme sucesso. E, de fato, trata-se de um álbum muito bom.
Winter-Bates: Muito obrigado por dizer isso. Sabe, é muito difícil falar sobre certas coisas porque você pode ser mal interpretado, mas acho que posso dizer que tudo tem um lado positivo e outro negativo. Cannibal foi um período extremamente estressante para nós, e se o resultado tivesse sido outro, talvez sempre me lembraria daquele álbum como ‘o momento em que o Bury Tomorrow quase acabou’. Bem, talvez ainda vá me lembrar assim dele. Mas a verdade é que existe um lado muito bom naquele álbum, e acho que esse lado bom está na música. Existia muita tensão no ar, existia toda aquela aura de conflito, cansaço e frustração, mas ninguém de nós queria sucumbir sem uma boa luta, por assim dizer. Eu não sei, acho que toda essa situação colocou algum tipo de pressão extra sobre nós, tínhamos que lidar com isso enquanto buscávamos uma escapatória, e de alguma forma isso parece ter sido inspirador.
Como músicos, vocês instintivamente cativavam a energia do ambiente e sabiam como colocar isso em música, mas internamente a banda ruía.
Winter-Bates: Eu não poderia ter colocado em melhores palavras. Foi basicamente isso. Preciso ser sincero, muito disso que falei aqui, esses sentimentos de confusão, inquietude, esse cansaço, tudo isso estava muito cravado na nossa história, fazia parte da rotina da banda há anos. Todos sentíamos uma pressão imensa nas nossas costas, todos nós. Não foi como se um de nós não soubesse lidar com isso e então a coisa saiu dos trilhos, estava sendo um problema para todos. Claro, esse é um problema que não temos mais, então basta ligar os pontos e deduzir do que estou falando, mas a verdade é que precisávamos nos livrar das sensações ruins para poder seguir em frente, e com as composições até conseguimos dar o próximo passo, mas não conseguíamos nos livrar do problema, pois ele sempre estava ao nosso lado. Felizmente, conseguimos algumas composições muito fortes, que meio que carregaram o álbum para um ponto muito bom. E, quanto as letras, acho que foram as que mais representaram uma catarse para mim. Era como se estivesse purgando todos os sentimentos negativos, medos e incertezas que havia na minha mente. Então, foi até curioso que o disco tenha sido lançado em 2020, quando tantas pessoas se identificavam com esse sentimento.
Bem, de certa maneira, a pandemia acabou oferecendo uma pausa para vocês, algo que imagino tenha vindo bem a calhar.
Winter-Bates: Sim, e não quero soar errado aqui dizendo que a pandemia foi algo positivo, pois com o meu trabalho (N.R: ele trabalha no sistema de saúde pública do Reino Unido) vi exatamente o quão cruel toda aquela situação foi, mas para o Bury Tomorrow, aquela pausa foi fundamental. É como eu disse, a banda teria acabado se não fôssemos forçados a parar naquele momento. E nós tentamos forçar continuar, pois não queríamos entregar os pontos, mas não havia como. Tentamos realocar shows, mas todo momento as coisas abriam e fechavam, você lembra. E, foi a melhor coisa que poderia ter acontecido a gente não ter conseguido forçar a barra naquele momento, pois acho que hoje não seríamos uma banda com alguns integrantes diferentes, acho que não seríamos uma banda, simples assim. Além disso tudo, sinto que Cannibal foi um álbum realmente denso liricamente, e ele precisava de tempo para ser assimilado. Ele lidava com questões mentais muito sérias, e aquele período de fechamento deu para nós e para os fãs a possibilidade de sentar e refletir sobre aquilo tudo, então, acho que a pandemia foi algo terrível, mas teve um saldo positivo tanto no prosseguimento do Bury Tomorrow como banda, e também no desempenho de Cannibal como álbum.
Aqui você tocou discretamente em um tema bastante importante, que é a nova formação da banda. Sei que esse nunca é um dos temas favoritos dos fãs, mas sinto que a mudança trouxe um novo ar para as suas canções.
Winter-Bates: Sim, e eu preciso concordar com você nessa. Eu não quero falar nada ruim aqui, mas digamos que o problema que vivemos nos tempos de Cannibal não se repetiu dessa vez, e acho que isso já diz muito. Então, acho que não haveria um momento mais apropriado para tentarmos algo novo do que este momento. Cannibal foi ótimo e conseguiu um ótimo resultado, mas não queríamos simplesmente repetir a fórmula, era hora de expandir. Com a chegada de Ed Hartwell e Tom Prendergast tivemos o impulso que faltava para sair do lugar comum, para não fazer o fácil, sabe? Antes era como se estivéssemos querendo fazer algo diferente, mas aí vinha aquele pensamento ‘quer saber, não estou a fim de entrar numa discussão agora para defender uma ideia, então, vamos simplesmente fazer assim’. É bom ter um caminho definido e ser firme nele, mas às vezes você precisa se libertar e tentar algo diferente, e fico feliz que The Seventh Sun tenha dos dado essa possibilidade.
Fico feliz que as coisas estejam de volta aos trilhos, e que o Bury Tomorrow já esteja dando o próximo passo em sua carreira.
Winter-Bates: Sim, é revigorante, obrigado. Sabe, é difícil para uma banda que já tem um bom número de álbuns simplesmente acordar um dia e dizer ‘quer saber, vamos fazer diferente dessa vez’. Você não quer arriscar demais, isso demanda coragem. Bem, nós tivemos coragem, apostamos alto, e estamos felizes que as pessoas tenham entendido isso, e mais, elas parecem estar curtindo esse momento tanto quanto nós! É bom viver isso, e espero que possamos ver todos vocês na estrada!
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