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ALBALUNA: RESGATANDO TRADIÇÕES E DESAFIANDO ESTILOS

Foto: Fernando Branquinho

Por Guilherme Spiazzi

Como um sopro que desafia o status quo da música pesada, a junção de elementos do progressivo e da música étnica num contexto moderno colocou o Albaluna numa posição particular de ousadia. Cantando em português, Ruben Monteiro (vocal, guitarra e sanfona), Carla Costa (gaita de foles e ney), Raquel Monteiro (violino e viola medieval), Christian Marr’s (baixo), Tiago Santos (bateria) e Dinis Coelho (bendir, darbouka e tablas) trazem em sua discografia uma tapeçaria de experiências sonoras banhada pelos séculos de história da cultura musical mediterrânea. Como resultado de um trabalho que vem sendo construído desde 2010, a banda partiu da península ibérica, atravessou o norte da África e chegou até a Índia. Conversamos com Ruben sobre a carreira da banda, os desafios encontrados e o recém-lançado quinto disco de estúdio – Ennead.

 

Trazendo elementos do progressivo e da música étnica, a discografia do Albaluna traz elementos diversos que proporcionam a banda uma sonoridade muito própria. Como você define essa sonoridade?

Ruben Monteiro: Eu penso que essa é a pergunta mais difícil de responder. Esse tem sido um debate tanto meu, quanto da própria banda e de pessoas que trabalham conosco porque além de trazermos vários elementos, também somos várias versões de nós mesmos. Por exemplo, quando fazemos uma apresentação acústica explorando o lado étnico, o acústico e o tradicional, dirão que somos uma banda de world music. Quando estamos num palco como o do RCA Club (Lisboa), nós vestimos a pele de uma banda que é quase metal. O progressivo é uma constante porque é uma paixão de todos nós da banda, mas principalmente minha eu sou assumo isso. Mas como estudei muito da música turca, da búlgara, da afegã e da grega, esse tipo de som também faz parte do que ouço. Por isso, digo que talvez façamos um étnico progressivo. Agora, se formos fazer uma turnê ou tocar em festivais mais pesados, se calhar é melhor assumirmos o rótulo de folk metal, mas se formos para salas mais intimistas talvez seja melhor assumirmos ser uma banda de world music.

 

Os discos do Albaluna costumam vir carregados de contexto. Qual é a história por trás de Ennead?

Ruben: O trabalho foi inspirado no livro “Mirante” (1999) de Jaime Umbelino, já falecido. O autor viveu na nossa cidade – Torres Vedras, e escreveu muito sobre a sociedade local a partir dos comportamentos sociais que ele observava do seu escritório localizado no centro da cidade. Como Marr´s e eu nos graduamos na mesma universidade, ele em história e eu em arqueologia, ainda que em anos diferentes, nós compartilhamos do gosto pela história e decidimos tirar do livro alguns temas relacionados a crítica social para escrever as letras. A verdade é que a nossa música sempre teve um caráter de intervenção social; assim, o comportamento da sociedade e a forma como os seres humanos se relacionam é a inspiração principal da poética de Ennead. Nele, há uma introspecção acerca da degradação de valores como a solidariedade e a empatia. Depois dessa parte das letras, vieram as músicas que transportam essa carga, fazendo com que achássemos bom ter um pouco mais de peso. Então, se por um lado o som é mais folk metal ou dark folk, as letras são mais profundas. Veja a faixa Vigília, ela é muito tranquila e simpática, mas de tema duro e dramático. Além disso, musicalmente Ennead traz elementos de Heptad (2021), então ele poderia ser visto como uma sequência. Tanto é que há muitos elementos do disco passado que reaparecem nesse.

 

Ao contrário de apontar um culpado, percebo que essa crítica social das letras é um convite para a reflexão acerca dos temas abordados.

Ruben: Exatamente! As composições musicais são todas minhas, enquanto a parte poética é praticamente toda feita por Marr´s. Em Ennead há uma faixa chamada Sísyphos – uma reconstrução de uma música que eu compus há muito anos e já teve várias versões – em que as letras se dividem entre o inglês, escrita por mim, e o português, por Marr´s. Ela fala de alguém que sente o peso da vida e que quer realmente viver ao invés de apenas sobreviver, de alguém que tenta trabalhar a raiva que existe por querer viver, mas que não se pode por às vezes a pessoa se sente presa pelo trabalho, por uma questão familiar etc. É da esse empurrão para que ela saia de um círculo vicioso, do labirinto.

 

Ruben Monteiro | Foto: Fernando Branquinho

Falando de Sísyphos, o fato de a letra intercala entre o português e o inglês acaba por mostrar como a sua música, em minha opinião, soa muito melhor em português…

Ruben: Fico contente de saber disso porque a questão da língua sempre foi uma incógnita. Quando eu criei a banda, eu estava um pouco cansado daquela estítica de todas as bandas de rock e metal que eu escutava. Cantar em inglês é a coisa mais óbvia porque pensa-se sempre que ela é a língua universal, só que o meu desejo era ter um projeto cantado em português. Eu queria que a palavra portuguesa se sobressaísse e com isso fomos sempre tentando manter essa matriz. No entanto, com a internacionalização do Albaluna nos últimos anos há muitas pessoas que dizem não conseguirem entender aquilo que é cantado. Com isso, estamos fazendo algumas experiências. Lançamos o single Nameless (2022), cuja inspiração veio de alguns projetos que temos na nossa cidade. São projetos com a comunidade de imigrantes de pessoas do Nepal, da Índia, da Ucrânia, entre outros, que nos ensinaram a sua música. Nameless é uma homenagem a comunhão que tivemos com essas pessoas e achamos que o inglês era de fato a língua universal. Nós gostamos bastante e houve imensas reações positivas por termos cantado em inglês, mas quando começamos a trabalhar no Ennead, achamos melhor manter a nossa matriz. Sísyphos era originalmente toda em inglês e enquanto compositor eu não queria abandonar completamente a versão original, por isso fiz essa experimentação interessante intercalar as línguas como dois personagens diferentes – duas formas de pensar. Fico agradavelmente surpreendido como que dizes e eu também concordo que para o Albaluna faz-me sentido cantar em português.

 

Assim como a questão mercadológica, há também a estética da sonoridade. Indo além, não podemos esquecer da poética, concorda?

Ruben: Sim, concordo. No nosso caso, a coisa tem funcionado. Penso que este é um elemento exótico quando tocamos fora de Portugal. Eu, que pessoalmente estou muito ligado às músicas tradicionais do mundo, tenho prazer em ouvir outras línguas como o búlgaro, o turco ou o árabe. Por exemplo, no dia 27 de junho faremos uma apresentação muito importante no Festival MED contando com a presença do convidado egípcio Ahmed Hamdi Moussa, em que tocaremos parte das nossas músicas em árabe. Será muito interessante!

 

Em que momento a sua paixão pelos instrumentos étnicos foi despertada?

Ruben: Durante a faculdade de arqueologia eu passei um período fazendo escavações no sul de Portugal, onde temos muita herança da cultura árabe; e a partir disso eu comecei a procurar músicas que tivessem a ver com ela. No início do curso a minha ideia era estudar os povos nórdicos, os vikings – até porque essa é cena ligada ao pessoal do metal. Mas logo eu vi que a nossa herança estava muito mais ligada ao mediterrâneo, ao oriente etc. Isso fez com que eu mudasse um pouco o meu foco e eu fosse descobrindo diferentes músicas. Na época, o Myspace estava na moda e lá descobri o fantástico Stelios Petrakis da ilha de Creta (GRE), o espanhol Efrén López, além de outros. Comecei a ver os instrumentos que eles tocavam e vi que esse tipo de música não dava para ser tocado com a minha guitarra.

A vontade de criar o Albaluna veio desse desejo de mergulhar nesse universo que estavas descobrindo?

Ruben:  Sim, essa motivação me fez querer ter uma banda para explorar mais isso. Na minha ótica, uma banda também é motivo para descobrir coisas novas e não apenas para fazer mais do mesmo. Criei esse projeto que teve vários nomes e passou por várias ideias e contextos. Passei uns anos a experimentar e gravar até um dia a minha tia foi para a Grécia e de lá trouxe um bouzouki para o meu tio. Como ele não tinha tempo para tocar, ela me mandou o levar para a minha casa e ali comecei a tocar e a pesquisar mais e mais. Comprei uns instrumentos pela internet que pareciam serem feitos de papel, mas dava para aprender qualquer coisa. Depois, tive a felicidade de acompanhar um workshop de Efrén López sobre música modal do mediterrâneo. Na época, eu coloquei todos os meus instrumentos no carro e fui dormir na porta do edifício desse workshop para aprender tudo que era possível. Pra mim, López era tipo um herói dos instrumentos e ficamos amigos. Com ele eu aprendi a tocar diferentes instrumentos e depois busquei outros professores para me especializar, principalmente no caso do saz turco. Fui várias vezes para Istambul (TUR) para procurar vários professores. Fiz várias formações de música clássica otomana, de música turca popular, música afegã etc. Eu gosto muito de criar coisas novas, mas para isso gosto de ter a informação correta acerca do instrumento, da sua história e da forma correta de tocar. Só depois de dominar bem o instrumento é que eu gosto de desconstruir ele. Usar esses instrumentos étnicos somente porque eles são engraçados ou diferentes faz a coisa virar um show de horrores e eu não faço isso.

 

Tão difícil quanto aprender esses instrumentos deve ter sido encontrar outras pessoas para acompanhá-lo nesse projeto.  

Ruben: Sim. No início era uma coisa familiar meio ingênua entre o meu tio, Raquel – que é minha irmã e eu. Algumas pessoas chegaram a tocar conosco, mas não havia aquela química. Certo dia Raquel disse que na sua escola havia um rapaz de uns 14 anos chamado Dinis que tocava darbuka e aquilo me chamou a atenção. Nos encontramos para conversar e logo começamos a tocar juntos. Na medida em que eu ia aprendendo determinados instrumentos, Dinis me acompanhava aprendendo as percussões que acompanhavam esses instrumentos, fazendo cursos e investindo na sua formação. Quando eu conheci a Carla, ela já tocava gaita de foles e flauta, mas num contexto mais ligado às músicas tradicionais portuguesa e espanhola. Como somos um casal, ela começou a me acompanhar nas viagens para a Turquia e outros países e a se interessar e aprender outros instrumentos como a ney turca, uma espécie de flauta muito antiga. Eu sei que essa não é uma banda comum e reconheço que tenho tido muita sorte pela persistência e pela paixão deles pela banda, pela música e pela evolução. Mesmo que nós não toquemos a música tradicional, a linguagem está ali – nós utilizamos ritmos tradicionais da Bulgária, da Grécia, da Turquia, do Marrocos e é importante que todos, inclusive o baixo e a bateria, incorporem isso.

 

Qual é a sua avaliação desses 14 anos de banda?

Ruben: Enquanto compositor eu vejo cada álbum como uma evolução pessoal, tanto na composição como na produção. Os dois últimos discos revelam muita maturidade em ambas as áreas e sinto-me muito realizado com isso. Do ponto de vista da evolução da banda, eu também estou muito contente, pois cada vez mais ela tem tido um impacto maior. Temos conseguido passar a nossa mensagem nas muitas viagens feitas. Como é óbvio, nós sempre queremos alcançar mais e todos os anos é sempre uma luta para termos uma turnê com muitas datas e lugares novos. De todo modo, vejo uma boa evolução nesses quatorze anos.

 

Apesar de estar na Europa, você enxerga muitas dificuldades nessa questão de agendar shows?

Ruben: Sim, todos os dias. Essa é uma das grandes dificuldades de manter a banda viva e ativa. Entendo que tudo se resume a negócios, um campo do qual eu não gosto muito, e apesar de trabalharmos com muita gente nós não deixamos de ser uma banda independente. Além disso, por estarmos em Portugal eu tenho uma visão muito pouco simpática em termos de Europa porque estamos muito longe daquilo que é a verdadeira Europa. Para chegarmos ao centro, lugar onde muitas vezes é onde as coisas acontecem, temos que passar por toda a Espanha e toda a França. Isso deixa a coisa sempre mais cara e mais difícil. Ainda que tenhamos conseguido estar em muitos festivais, essa gestão não é nada fácil. Ora é guerra, ora é pandemia e não sei o quê. Sempre tem algo a dificultar. Viajar ou trabalhar sem dinheiro não pode ser, afinal as pessoas precisam sobreviver; portanto essa tem sido a nossa maior luta, assim como de qualquer banda. Tudo aquilo que tem sido feito, foi feito com sacrifício. Nós ainda complicamos mais com os nossos instrumentos, que são complexos, de manutenção e transporte complicados etc. Claro que talvez ainda seja mais fácil do que no Brasil, eu não sei por que essa não é a minha realidade, mas efetivamente as coisas aqui não são nada facilitadas. Eu falo muitas vezes disso porque as outras pessoas não têm culpa de quem decide viver assim. Eu, os meus colegas e outras bandas decidimos viver assim e pronto, não há que culpabilizar o mundo, nem as outras pessoas por causa disto. Agora é fazer o melhor possível com aquilo que nós conseguimos. Nós queremos sempre o máximo, mas nem todos os anos são iguais e nem sempre existem as mesmas oportunidades. Mesmo assim temos tido uma vida bonita dentro daquilo que são as possibilidades de uma banda independente.

 

Falando em Brasil, você tem algum contato ou relação, seja ela pessoal ou musical com o país?

Ruben: Pode não se notar, mas uma das minhas grandes influências na composição é o Angra – banda a qual sou superfã desde sempre. A forma deles de misturar elementos tradicionais brasileiros com o metal para mim sempre foi uma grande influência. Holy Land (Angra, 1996) é obrigatório para qualquer músico que queira fazer esse tipo de música. Andre Matos foi um supermúsico. Também acho as composições de Rebirth (2001) realmente incríveis. Sempre considerei Kiko Loureiro um dos meus guitarristas favoritos – tudo o que ele faz até hoje é uma influência. Também acho a formação atual do Angra muito interessante. Inclusive, muitas vezes coloco o Angels Cry 20th Anniversary Tour para tocar quando estou em casa e é espetacular. Uma das coisas que eu mais destaco é o groove – Carolina IV tem um groove que é o Brasil autêntico. Já trabalhei e trabalho com muitos músicos brasileiros, como Marcelo Moreira (Marmor, ex-Almah). Além disso, durante o período do ciclo da borracha os meus bisavós paternos foram para Manaus, a minha avó nasceu lá e logo eles retornaram para Portugal. Eu tenho muita vontade de conhecer o Brasil e todos os anos surgem oportunidades de ir, mas por alguma razão isso nunca se concretiza.

 

Fico na torcida para que logo você possa estar no Brasil, de preferência com o Albaluna. Para finalizarmos, deixe um recado para os nossos leitores.

Ruben: Deixo aqui o convite para escutarem a nossa música e conhecerem o nosso percurso. É muito importante que se compreenda o contexto do Albaluna, onde um álbum é uma fase da banda e a discografia é a sua história. Ouçam a nossa discografia para perceberem de fato a mensagem musical e poética que temos para passar. Também nos acompanhem nas redes sociais, pois é uma forma de estarmos perto uns dos outros e de nos conhecermos melhor. Quiçá até nos enviem uma mensagem ou façam uns comentários. Hoje tu me disseste uma coisa que me deixou super surpreendido… Sendo bem sincero eu já não me lembrava de Ondas de Um Mar Severo (Oriente) e de repente estás a me dar uma alegria imensa ao dizer que gostas dessa música. São essas coisas que me fazem, mais do que qualquer outra coisa, ter vontade de continuar a fazer mais música. É bom saber que não fizemos essa música só para nós, pois há outras pessoas que a ouvem e que nutrem sentimentos por ela. Essa música agora passou a te pertencer também, Guilherme.

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