Por Valtemir Amler
Em um cenário em tão profunda expansão quanto era o do metal extremo da Suécia no início dos anos 90 era até natural que algumas bandas acabariam ficando para trás, repousando para sempre nas areias do tempo como aqueles tesouros destinados a encantar apenas os apreciadores mais dedicados. Mesmo entre aquelas que alcançaram um bom nome no cenário local e internacional, a passagem dos anos e as constantes transformações no universo da música podem ser cruéis, roubando muito da popularidade que uma formação um dia conquistou. Nascido em Trollhättan em 1990, esse quinteto foi parte da cena clássica do death sueco, emplacou um bom nome no underground, mas viu seu mundo ruir quando, em 1998 e já com dois álbuns completos lançados, precisou mudar seu nome de Crown Of Thorns para The Crown, por conta de obrigações legais. Como desistir não era uma opção, eles seguiram em frente e desde a mudança de nome já são outros onze álbuns completos lançados, além de singles, splits e até um DVD triplo. Se trabalho em alta rotação não é um problema, a banda formada por Robin Sörqvist (guitarra), Johan Lindstrand (vocal), Henrik Axelsson (bateria), Marko Tervonen (guitarra) e Anders Magnus Olsfelt (baixo), eles compensam a fidelidade dos fãs com uma música que nunca deixa de lado as boas ideias melódicas (característica típica da cena sueca), mas que também nunca abre mão daquela ‘porradaria’ rápida típica do thrash metal da velha escola, resultando em belíssimos trabalhos do death/thrash, como em seu mais recente trabalho de estúdio, o ótimo Royal Destroyer (2021).
Dentre todos os integrantes, quem de vocês é o grande fã de Venom?
Marko Tervonen: Ah, já estou gostando dessa conversa (risos). Como é bom quando as pessoas já não chegam nos perguntando o óbvio, isso foi inesperado (risos gerais). Mas eu acho que sei exatamente a razão de você ter feito essa pergunta, então aqui vamos nós: dentre todas as pessoas que já tocaram conosco, sem dúvida o maior fã do Venom sempre foi Magnus (N.T: refere-se ao baixista Anders Magnus Olsfelt). E essa é uma coisa engraçada sobre a nossa banda, existem várias bandas que todos nós somos fãs, mas existem aquelas que são ‘a coisa’ de cada um de nós, e o Venom é coisa do Magnus. Eu, por exemplo, nunca tive um álbum do Venom na minha coleção, o que é até um pouco vergonhoso.
Sim, é.
Marko: É, eu sei, me desculpe (risos gerais). Mas veja, não é como se eu não gostasse deles, ouvi muitas músicas do Venom e acho até uma banda muito interessante, eles começaram toda essa coisa de transformar o metal em algo mais perigoso, é apenas que eu sempre optei por comprar outras bandas das quais gostava mais, você sabe como é, são muitas bandas, muitos álbuns, e pouca grana (risos).
Acho que você já deduziu o motivo da minha pergunta, mas para quem não pegou o gancho, na época do álbum Crowned In Terror, vocês tinham uma edição especial, em que a logo do The Crown aparecia com a tipografia da logo do Venom, algo que me marcou muito na época.
Marko: Ah, sim, eu percebi que era esse o caminho que estava tomando (risos). Eu lembro bem quando fizemos aquilo, foi bem legal e muita gente curtiu, nós chamamos de Crenom (risos gerais). Foi uma edição bem limitada, nem eu mesmo tenho (N.R: mostro o CD para ele). Ah, você tem, que legal, não esperava isso. Quando formos para o Brasil, traga esse CD para mim, quero tirar uma foto com ele, sem brincadeira (risos). Ah, pouco depois fizemos a nossa logo com a tipografia do Death, em outra edição limitada. Chamamos aquela edição de Creath (risos gerais). É legal ver que as pessoas ainda têm esses itens em suas coleções e valorizam, pois são parte da nossa história. Uma história que é bem longa e um pouco sombria, na verdade, então obrigado por me ajudar a recordar algumas coisas! Aliás, a quanto tempo você ouve a nossa banda?
Desde os tempos de Crown Of Thorns.
Marko: Ah, que legal, cara! Isso é bem legal, pois geralmente conversamos com pessoas que acham que a banda nasceu em 1998, e que nosso primeiro álbum foi Hell Is Here (risos gerais).
Pois é, tocamos em um ponto estranho aqui. Vocês tinham uma banda desde 1990, já haviam lançado dois álbuns completos, e de repente estavam sendo legalmente forçados a mudar de nome por uma banda homônima dos EUA. O que de fato aconteceu na época?
Marko: Cara, aquilo foi um desses acontecimentos inesperados que acontecem na sua vida e que te pegam de forma totalmente inesperada. Quer dizer, nós fomos pegos absolutamente de surpresa, não tínhamos ninguém forte ao nosso lado, e não sabíamos o que fazer, caso contrário, tudo poderia ter sido bem diferente. Bem, é como você disse, nós éramos uma banda já estabelecida no cenário metal, não éramos grandes, mas tínhamos nossos fãs, tínhamos turnês e álbuns lançados, as pessoas já conheciam nosso nome no circuito, mesmo estando em uma cena realmente underground. Certo dia, chega um fax no escritório da nossa gravadora, enviado por uma banda americana chamada Crown Of Thorns. Dentre todas as pessoas no planeta, essa banda era apoiada por Gene Simmons e Paul Stanley, e o fax vinha com o nome deles. Basicamente era uma ameaça, do tipo ‘ei, temos aqui essa banda americana que vai ficar realmente grande, então vocês não podem se chamar Crown Of Thorns, se não mudarem o seu nome, vamos processar vocês’. Isso foi algo realmente ridículo de se fazer, mas na época estávamos em um selo realmente pequeno, e eles não faziam ideia de como agir, basicamente estavam arrancando os cabelos pela raiz de tanto desespero (risos). Nós acabamos mudando o nome, mas felizmente fomos contratados pela Metal Blade quase que no ato, o que nos ajudou muito na hora de mostrar aos velhos fãs que éramos a mesma banda com outro nome. Poderia ter sido algo muito sério e que teria arruinado uma carreira que estávamos erguendo há uma década, mas felizmente, conseguimos dar a volta por cima. É duro você trabalhar tanto, se dedicar tanto, e então alguém põe tudo em risco com ameaça de alguma merda jurídica.
A parte curiosa é que a tal banda nunca decolou, nunca deu em nada. Pelo visto, precisava de mais do que uma ameaça para isso acontecer.
Marko: Pois é (risos). Isso é engraçado, pois eles lançaram um ou dois álbuns, eram absolutamente horríveis e desapareceram. E é engraçado, pois tem essa revista sueca chamada Swedish Rock Magazine, e há uns cinco anos eles entrevistaram o cara que era vocalista do Crown Of Thorns americano, e o entrevistador perguntou ao fim da entrevista para ele ‘ei, você lembra daquela banda sueca que vocês obrigaram a mudar de nome nos anos 90?’, e o cara ficou ‘ah, cara, por favor fale para eles que sentimos muito, que aquilo foi uma coisa muito estúpida a se fazer, desculpa’ (risos gerais). Ah, cara, eu ri tanto daquilo que compensou tudo (risos gerais).
Bem, apesar das turbulências pelo caminho, já são dez álbuns sob o nome The Crown, em uma jornada que passa dos trinta anos de carreira.
Marko: É verdade, agora veja como as coisas são: eu ainda tenho apenas 25 anos de idade, mas a banda já tem mais de trinta, não entendo essa matemática (risos gerais). Falando sério, acho que termos alcançado essa marca é a prova maior de que amamos isso que fazemos. Quer dizer, nunca ganhamos dinheiro com isso, não somos astros do rock em sentido algum, e mesmo no nosso circuito, não é sempre que nosso nome é lembrado, mas à despeito disso, entramos no ‘clube dos adultos’, pois inclusive algumas bandas clássicas de death metal não atingiram essa marca. Eu tenho todos os álbuns na parede do meu estúdio pessoal, e é uma experiência bem forte ficar olhando para todos aqueles discos, é algo que me dá orgulho, de verdade. Nós poderíamos ter desistido, mas sempre escolhemos seguir em frente, não importa o que houvesse. Quando paro para pensar que meu único objetivo com essa banda era lançar uma demo para que nossos nomes constassem em uma resenha do meu zine favorito, isso chega a ser inacreditável.
De fato.
Marko: Pois é, eu lembro que quando começamos, no início dos anos 90, o death metal era a grande coisa na Suécia, era o gênero que todos os moleques queriam tocar. Mas, é claro, existiam as gerações mais antigas de metalheads que ficavam dizendo que isso era apenas uma moda, que logo tudo aquilo desapareceria, e de fato a tendência durou pouco, mas adivinha? Ainda estou dando entrevistas para o mundo inteiro e falando sobre death metal com especialistas no assunto, trinta anos depois. Quando você realmente ama alguma coisa e se dedica de verdade a ela, não precisa se preocupar com as previsões apocalípticas dos outros. Apenas faça a sua parte e mantenha aquilo que ama vivo, os outros não podem fazer nada além de falar.
É legal você falar isso nesse momento, pois sinto que vocês reencontraram algo da velha energia nos recentes Cobra Speed Venom (2018) e Royal Destroyer (2021).
Marko: Ah, obrigado, cara! Eu só posso agradecer e concordar com você, pois sinto o mesmo. Eu não sei se posso afirmar que isso foi algo consciente, mas talvez todo esse processo de olhar para trás com essas datas comemorativas chegando tenha nos reconectado com algo do velho espírito que tínhamos nos primeiros anos, não duvido que tenha algo a ver com isso. E sempre fomos fãs de death e thrash, então é natural que essa mistura permaneça firme na nossa música.
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