Por Daniel Agapito
Fotos: Roberto Sant’Anna
Há alguns anos, o Odin’s Krieger Fest vem trazendo grandes nomes do animado folk metal e suas vertentes. No ano passado, trouxeram o Korpiklaani. Antes da pandemia, Alestorm e Heidevolk. Todos esses grupos são de grande relevância. Este ano, foi a vez dos pioneiros do chamado “dwarf metal”, a inegavelmente interessante banda italiana Wind Rose, acompanhada do apelativo e misterioso Dogma, uma banda de freiras macabras que parece ter surgido do nada.
Mesmo com uma sensação térmica lá no alto, beirando os 20 graus, víamos aquela cena já familiar do festival brasileiro de metal: uma grande massa de camisetas pretas enfileiradas na porta do Carioca Club, sofrendo no calor. Diferente dos outros festivais, muitos que iriam ao Odin’s estavam vestidos com roupas medievais, grandes casacos de pele e afins. Dentro do local, com um clima mais ameno, havia mesas por todos os cantos, vendendo os mais diversos artigos medievais e, claro, muito hidromel.
Faltando cinco minutos para as quatro da tarde, subia o palco o sempre divertido Eldhrimnir, rosto conhecido no festival, tendo tocado em quatro outras edições. Eles começaram o show com a dançante A Última Garrafa, animando quem já havia chegado ao Carioca e servindo também como trilha sonora para a entrada de muitos outros. Apesar do horário, a casa já aparentava estar cerca de 40% lotada, reforçando o apelo dos paulistas. Assim como no ano passado, o ponto alto do show do Eldhrimnir foi Luta de Convés, onde, a pedido do vocalista Marcos Maschio, abria-se uma roda no meio da pista, e dois “gladiadores” iam ao centro e brigavam para se jogar no chão. Levando os fãs à loucura, um dos gladiadores daquela tarde foi um dinossauro – sim, alguém vestido de dinossauro (aquelas fantasias infláveis). Após muita luta (literalmente), o Carioca Club entrou em erupção com a sua primeira vitória. Como já era esperado, o clima após Luta de Convés era outro, com todos mais engajados, animados, batendo palmas, cantando junto e bebendo.
Foi uma verdadeira festa. Ode à Cerveja e Nós Nascemos Para Beber resumiram bem o clima do show da banda autoproclamada como “a mais alcoólica do folk”. Sempre carismático, Maschio comentou que estava incomodado com a quantidade de “meio-bêbados” e a falta de dança, pedindo um “redemoinho que pegue essa porra toda”, sinalizando para a pista. Dito e feito, Nós Nascemos Para Beber foi recebida com uma grande roda. A surpreendentemente triste, porém inspiradora Capitão foi a penúltima música do show, seguida de uma versão devidamente “alcoolizada” de Bella Ciao. Assim como no ano passado, foi um show incrivelmente animado e com música de qualidade. Realmente, um ótimo aquecimento para a noite que estava por vir.
Logo após a saída do Eldhrimnir, um grupo de cavaleiros vestidos com armaduras completas, espadas e escudos, surgiu por um dos cantos da casa e se dirigiu ao meio da pista para uma breve batalha.
Pontualmente às 17h20, subia ao palco a Yön, trazendo uma abordagem completamente diferente dos outros atos da noite. Diferente do folk alcoólico do Eldhrimnir, do hard ‘n’ heavy já dito como misterioso e apelativo do Dogma, e o “dwarf metal” do Wind Rose, a Yön tocava música tradicional nórdica, com percussão, instrumentos tradicionais e alguns mais modernos, como guitarras e violões. Apesar da clara diferença sonora, conseguiram captar a atenção de todos, muito possivelmente por conta do som diferenciado. Era algo realmente mágico, como se tivessem saído direto de um passado distante, trazendo consigo sua música e seus rituais. Pareciam personagens tirados diretamente de Game of Thrones ou Vikings. Foi um momento de conexão entre todas as “tribos” de fãs presentes
Além das músicas tradicionais nórdicas, o repertório da banda também contou com Gestapatr, a primeira música autoral do grupo, que segue na mesma linha das tradicionais. E assim como as tradicionais, ela prendeu a atenção de todos. Por incrível que pareça, o único instrumento que deu problema foi um dos modernos, a guitarra, durante a execução dessa música, mas o problema foi rapidamente solucionado pelo técnico de som. No final do show, tocaram também At vi ses Igen, outra música autoral, que foi recebida calorosamente pelos fãs.
À medida que o relógio se aproximava das 19h00, as expectativas só aumentavam para o Dogma. Por natureza, mantém essa aura misteriosa, divulgando poucas informações e deixando os fãs sem saber muito o que esperar do show. Em termos de sonoridade, oferece um hard ‘n’ heavy mais tradicional (quase na linha do Ghost atual), com temas antirreligiosos e de libertação sexual. Pelos clipes, é uma velha história já explorada por vários filmes, séries e outras bandas; Freiras fazendo o que não deviam. Querendo ou não, seria um show no mínimo interessante.
Às 19h00, após uma música instrumental ser tocada pelos PAs, as freiras do Dogma assumiram o palco ao som de Forbidden Zone, de seu álbum autointitulado. Se Elvis era considerado apelativo nos anos 50, seria interessante ver a reação do público dele ao Dogma: cinco mulheres vestidas de freiras, porém com roupas curtas, pintadas de corpse paint e rebolando. Era uma vestimenta de gospel misturado com black metal com atitude e som hard rock. Independentemente de qualquer coisa, elas sabiam exatamente o que faziam em cima do palco, entregando um verdadeiro show, com uma performance realmente cativante.
Quando começaram Feel the Zeal, seguindo a sequência de seu primeiro disco, já tinham o público completamente na mão; chifres no ar, palmas sendo batidas e muitos cantando junto. Mesmo tendo uma proposta completamente diferente do festival e sendo muito pouco conhecidas antes da data do show, conquistaram os fãs. Fora o constante incentivo às palmas, o som envolvente e os movimentos corporais que matariam qualquer senhorinha crente, as freiras desciam constantemente à parte inferior do palco, criando uma interação profunda com o público, mesmo sem falar uma palavra sequer. O refrão de My First Peak, cheio dos famosos “ô ô ôs”, foi cantado à plenos pulmões pelos fãs convertidos.
No início de Make You Mine, mais uma freira, agora com ainda menos roupa apareceu na parte inferior do palco e ficou se contorcendo, chamando muita atenção do público. Inesperadamente, tivemos direito a um solo de bateria logo depois, com a plateia adorando cada momento. O controle sobre o público era tamanho que, na ponte de Free Yourself, que é completamente jazz, com pianos, metais e afins, conseguiram fazer com que o público estalasse os dedos no ritmo da música.
Durante Make us Proud, as luzes do palco ficaram vermelhas e a vocalista, Lilith, começou a música sentada. Seu refrão não foi cantado pela mesma, pois estava sendo abençoada por uma figura misteriosa encapuzada no meio do palco. A guitarrista solo, Lamia, e o vulto – que parecia ser um homem – assumiram os vocais, recebendo grande apoio do público.
Continuando com as surpresas, Lilith se dirigiu para fora do palco e o resto da banda iniciou um medley de covers instrumentais de diversas bandas, como Pantera, Iron Maiden, Metallica, Slayer, Megadeath e Lamb of God (cujo nome orna bem com a imagem da Dogma). Lilith voltou logo depois para executar Pleasure from Pain, que foi recebida aos gritos. Antes do último refrão, ela apareceu com quase uma coroa, um acessório na cabeça, e foi recebida novamente com ovação dos fãs. No final da música, ela tentou falar sobre o show extra da terça-feira seguinte, na Casa Áurea, mas a banda não percebeu e seguiu tocando.
Já em Father I Have Sinned, todos haviam caído não na tentação, mas completamente à performance delas, dançando e cantando, na medida do possível. No segundo refrão, a grande maioria cantou junto, reforçando o fato de que elas têm uma presença de palco inegavelmente incrível. A música foi concluída com o público gritando o nome da banda repetidamente.
The Dark Messiah seguiu o mesmo clima, com gritos, palmas, chifres e os outros gestos entusiásticos. Na hora do solo, as duas guitarristas e a baixista se juntaram para fazer uma coreografia sincronizada, enquanto a vocalistase contorcia atrás delas, intensificando ainda mais a energia da performance.
Com o show já no fim, Claudio Falconcini (guitarrista do Wind Rose) apareceu – do nada – e ofereceu um shot de alguma bebida para cada uma das integrantes. Terminaram o show com o público gritando “skål” (saúde nas línguas nórdicas) e elas virando as bebidas.
Era um show que tinha tudo para ser apenas apelativo, mas as freiras conseguiram mostrar que têm um som incrível ao vivo e uma presença e energia impecáveis no palco. Agora, o show de terça-feira (23) teve de tudo para lotar. Será que essa é a estratégia que as igrejas deveriam adotar para engajar os fiéis?
O ânimo para os italianos do Wind Rose foi sendo construído antes mesmo deles subirem no palco, com um membro da banda gritando três palavras simples que levaram o público a um frenesi completo: “Rock and stone” – título da mais nova música do grupo. O integrante claramente não mediu o impacto do que fez, pois todos do público gritaram o refrão da faixa incessantemente por uns bons cinco minutos. Detalhe: a faixa não estava no setlist desta turnê, mas foi tocada em Limeira por conta dos gritos do público.
Depois da cantoria de Rock and Stone, veio Diggy Diggy Hole, que seria tocada ainda naquela noite. À essa altura, o Carioca Club já se encontrava lotado, praticamente intransitável.
Em Mine Mine Mine!, essa conexão ficou ainda mais óbvia, com diversas picaretas indo ao ar e sendo balançadas a pedido do vocalista. Estava claro que tanto os fãs quanto a própria banda esperaram muito por esse show. Gates of Ekrund começou com um breve prefácio de Cavalieri, que disse que a próxima música retrataria uma batalha importante para os anões, prometendo que ninguém seria deixado para trás. Era comum o vocalista soltar o famoso “obrigado, São Paulo” do fundo do coração após as músicas, se aventurando no português.
Certa hora, o vocalista anunciou que testariam a cantoria do público, trocando alguns “ô ô ô” com quem estava lá e eventualmente cantando enquanto os “ôs” seguiam, começando a enérgica The Battle of the Five Armies. Nesta mesma, houve bastante interação, com todos cantando juntos e muitas palmas – a cantoria persistiu música afora. Houve mais gritos de “rock and stone”, mas o vocalista se desculpou e disse que não tocariam ela naquele domingo.
Depois de The Art of War, aconteceu o inevitável: o guitarrista mencionou a tão esperada Rock and Stone, e naquele momento era difícil encontrar alguém que não a estivesse cantando. Rindo, olhou para o resto da banda e constatou: “eles conhecem”. Sendo um verdadeiro homem do povo, Cavalieri não teve escolha a não ser iniciar Rock and Stone. Como era de se esperar, todo mundo cantou junto.
Depois da Together We Rise, Falconcini, o guitarrista, disse que tudo que é bom tem que terminar, deu boa noite e saiu com o resto da banda. Indignado, o vocalista afirmou que não poderiam sair sem cantar “aquela”. Daqui para a frente, os fãs da banda já sabem o que rolou: “I am a dwarf and I’m digging a hole / diggy diggy hole / diggy diggy hole”. Inesperadamente, no primeiro refrão, quando cantaram “come on brother, sing with me”, um anão emergiu da pista e pulou para cima do palco, cantando e pulando de mãos dadas com Cavalieri. No final, outros fãs também subiram ao palco, transformando tudo em uma verdadeira festa. Até tocaram um pouco do remix da mesma música, mas disseram que ali não era lugar de cavar, mas sim de sambar. Eles, alguns fãs e todas as integrantes do Dogma sambaram ao som da icônica Samba do Brasil de Bellini. Conhecendo seu público, Cavalieri agradeceu à outra banda e perguntou aos fãs se eles não estavam surpresos com o show delas, o que foi rapidamente confirmado.
Com o show já no final, os fãs foram convocados para cantar Tomorrow Has Come “ao redor da fogueira”. Com cada braço que ia ao ar, era possível sentir o misto de sentimentos dos “tupinivikings”: felizes pelo show ter acontecido e ter sido tão bom, mas tristes por estar acabando. O vocalista ecoou a tristeza, dizendo que queria encerrar com uma mensagem forte, dedicada a todos os membros do público que sofrem de depressão. Ele também afirmou que, se você está na família Wind Rose, nunca está sozinho, finalizando com a poderosa I Am the Mountain. No final do show, as freiras se juntaram aos anões no palco para se despedir do público e jogar palhetas.
No geral, foi provado mais uma vez que o palco do Odin’s Krieger Fesr realmente é a casa do folk metal e suas vertentes na nação verde e amarela. Além disso, mostrou a força e a profundidade da cena folk nacional e internacional. Desde o carismático Eldhrimnir abrindo os trabalhos com seu folk alcoolizado, lutas de convés e dinossauros, passando pelo som primitivo e único da Yön, conectando todos com seus ancestrais nórdicos, até o mistério e apelo do Dogma, fechando com a besta-fera que é o Wind Rose. Sem dúvidas, foi uma noite de muita festa, boa música e hidromel. Que venham mais Odin’s Kriegers e muitos shows tanto do Dogma quanto do Wind Rose.
Quem não foi, sinto muito, perdeu.
Setlist Eldhrimnir
Última Garrafa
Mapa dos Bebuns
Bar do Fim
Salazar
Luta de Convés
Ode à Cerveja
Nós Nascemos Para Beber
Capitão
Bella Ciao
Setlist Yön
Saidalo
Trøllabundin
I riden Så
Villeman
Oi Dai
Gestapatr
Fager Som en Ros
Jenta ho Gjekk
Douce Damme
Att vi ses Igen
Pat Maelti min Modin
Anoana
Setlist Dogma
Forbidden Zone
Feel the Zeal
My First Peak
Made Her Mine
Solo de Bateria
Carnal Liberation
Free Yourself
Bare to the Bones
Make Us Proud
Medley instrumental (Walk, The Trooper, Master of Puppets, Symphony of Destruction, South of Heaven, Laid to Rest)
Father I Have Sinned
The Dark Messiah
Setlist Wind Rose
Of War and Sorrow*
Army of Stone
Fellows of the Hammer
Drunken Dwarves
Mine Mine Mine!
Gates of Ekrund
The King Under the Mountain
The Battle of Five Armies
The Art of War
Rock and Stone
Together We Rise
Diggy Diggy Hole
Diggy Diggy Hole (Dance Remix)*
Samba do Brasil (Bellini)*
Tomorrow Has Come
I Am the Mountain
* pelo sistema de PA
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