Foram apenas 15 minutos de entrevista e, infelizmente, muitas perguntas deixadas de lado. Conversar com Steven Wilson é abrir possibilidades para um bate-papo frutífero e com abertura para vários novos caminhos, uma vez que o multi-instrumentista inglês tanto é imprevisível nas respostas, e ainda melhor do que já imaginava o entrevistador, quanto tem conteúdo para um bate-papo que poderia durar horas. Ao falar de seu sétimo e mais recente trabalho solo, “The Harmony Codex”, Wilson explicou o conceito – ou conceitos, porque um deles, “estamos cercados de coisas que realmente não precisamos”, é tão simples que não conseguimos perceber – e o processo de criação; falou sobre a maneira como se consome a arte nos dias de hoje – e devemos concordar com ele: da maneira errada; e deixou em aberto o futuro do Porcupine Tree, o que é uma excelente notícia. Foram apenas 15 minutos, mas teve isso e mais um pouco enquanto a mente brilhante de Wilson já trabalha em seu novo álbum, “The Overview”, a ser lançado no início de 2025. Leia a entrevista e mergulhe na música.
Gostaria de começar falado sobre o título do álbum, “The Harmony Codex”, porque ele pode ser ambíguo. Quer dizer, relacionado à música e ao comportamento humano… Então, qual é o significado?
Steven Wilson: Originalmente, o título surgiu de uma pequena história que publiquei no meu livro, lançado em 2022 (N.R.: “A Limited Edition of One: How to Succeed in the Music Industry Without Being Part of the Mainstream”), e eu descreveria essa história como uma ficção científica distópica. Em outras palavras, é uma ficção científica que se passa num mundo que nós reconheceríamos e que, na minha opinião, é a base de qualquer boa história de ficção científica. As melhores histórias de ficção científica não são sobre alienígenas e o espaço, mas sobre nós e o mundo em que vivemos, então escrevi essa curta história chamada “The Harmony Codex”, que fala sobre várias coisas, mas tem um tema central que é uma escadaria sem fim. É algo que se vê nos desenhos de M.C. Escher, essa ideia de sempre estar descendo uma escadaria, numa espécie de quebra-cabeças que precisa ser decifrado, esse “codex” que precisa ser decifrado e que, para mim, se tornou uma espécie de metáfora maravilhosa sobre a vida, tipo ‘o que é a vida senão essa escadaria sem fim?’, uma vez que temos ambições, definimos objetivos e coisas que queremos alcançar. Porém, o que percebemos, e me dei conta disso à medida que estou envelhecendo, é que não se trata da chegada, e sim da jornada. É sobre o processo. Um momento importante de nossas vidas chega quando não estamos olhando, quando não estamos exatamente buscando por aquilo, e normalmente são momentos bonitos. Então, é essa ideia de uma escadaria, que é como um quebra-cabeças que precisa ser resolvido e que faz uma analogia com o ciclo da vida, de como a vida joga coisas no seu caminho e lhe fazem se sentir… Claro, quanto mais velhos ficamos, mais responsabilidades recebemos, e parece que estamos presos num carrossel sem fim, do qual não conseguimos descer e que nos gera ansiedades e pressões. Pressão de competir, pressão para ser bem-sucedido, pressão para combater o estresse e doenças, pressão para focar no acúmulo de riqueza, e todas essas coisas que o fazem perceber, um dia, que você está maciçamente enterrado nisso, que está cercado de coisas que você realmente não precisa, e que sua vida está sendo controlada pela tecnologia, que lhe bombardeia. É uma resposta muito longa para a sua pergunta, eu sei, mas a história está tentando olhar para a ideia dessa escadaria sem fim que representa a vida, tanto do lado positivo quanto do negativo.
Além disso, “The Harmony Codex” é descrito como ‘uma coleção que abrange gêneros e que se abre como uma caixa de quebra-cabeça musical’. De fato, porque o álbum tem muitas paisagens musicais diferentes. Isso faz sentido para você?
Steven: Sim! E eu amo a ideia de músicas e discos que levam tempo para revelar todos os seus segredos, em parte porque é o tipo de música que cresci ouvindo e gostando. Vivemos num mundo onde tudo é muito instantâneo, e nós, músicos, somos cobrados para irmos direto ao assunto em 15 segundos num vídeo do TikTok. Para mim, é impossível! Eu sempre amei e continuo amando a ideia de música, TV, cinema, literatura que se revela depois de você ouvir muitas vezes, ler muitas vezes ou ver muitas vezes. É possível ouvir um disco pela centésima vez e ainda descobrir coisas que você não havia percebido antes. Esse tipo de música, com profundidade e que envolve as pessoas num nível profundo, estava muito fora de moda em 2023, e nós nos vimos num mundo em que se espera simplicidade, banalidade e um apelo instantâneo na música. Certamente em termos musicais, porque acredito que as pessoas estão sendo um pouco mais pacientes com a TV atualmente, a exemplo das séries da Netflix, já que o espectador mergulha nas temporadas por longos períodos de tempo. Na música, eu sou como uma alternativa a isso, ao menos uma das pessoas que está oferecendo uma alternativa a isso, lançando discos multifacetados que exigem bastante concentração e envolvimento dos criadores e, também, dos ouvintes.
Enquanto artista, o quão decepcionante é para você observar uma nova geração que não ouve um disco inteiro?
Steven: Muito decepcionante! (risos) Mas era algo inevitável desde o momento em que a internet foi inventada. O que a internet e as redes sociais fizeram foi acelerar o bombardeio de conteúdo aos quais estamos sujeitos, e não falo apenas de música, ainda que hoje exista mais música do que em qualquer outro período da história, porque fazer música hoje é mais fácil do que antes. Você pode baixar um programa gratuito no seu computador e criar ritmos, batidas, pop, rock, o que quiser! Além da música, no entanto, há uma proliferação no audiovisual, ou seja, na TV e no cinema, com jogos, notícias e qualquer coisa que possamos imaginar, tudo isso numa quantidade jamais vista. Consequentemente, estamos competindo pela atenção das pessoas, não apenas contra outros músicos, e sim contra todas essas outras áreas. O fato de a vida hoje em dia ser mais estressante, mais atarefada, e de as pessoas parecerem estar constantemente com pressa, é como se a raça humana tivesse evoluído para um lugar diferente, onde é muito difícil envolver as pessoas num nível mais profundo. Mas eis o que eu acho interessante: toda vez que o pêndulo balança de maneira muito intensa numa determinada direção, sempre tem um pequeno balanço na direção oposta. Existe uma pequena comunidade em crescimento de pessoas que amam áudio em alta resolução, que amam discos como uma espécie de experiência cinematográfica, que amam o som surround, como o dos equipamentos Dolby Atmos. Não vou me enganar, porque sei que essas pessoas serão minoria, não serão mais o mainstream, só que não são apenas gente mais velha como eu. Há muitos jovens que também estão pensando ‘a vida tem que ser mais do que isso’, por isso estão se tornando veganos ou aproveitando a música como uma forma de experiência. Essas coisas estão crescendo, e é algo com o qual devemos ser otimistas.
Há muitas reviravoltas musicais em “The Harmony Codex”, e eu poderia falar sobre cada uma das dez faixas. Porém, vou pegar a épica “Impossible Tightrope”, porque ela me coloca no centro de um cenário tipo “Blade Runner”, por assim dizer…
Steven: Essa é uma canção interessante. Eu falo sobre a minha abordagem na minha música ser experimental, e às vezes, quando você menciona ‘música experimental’, as pessoas já pensam em algo muito vanguarda, tipo Karlheinz Stockhausen ou Derek Bailey, enquanto para mim experimental é mais sobre se permitir se surpreender, se permitir experimentar coisas e confrontar suas expectativas. No caso da “Impossible Tightrope”, e apenas para dar um contexto, é preciso lembrar que fiz boa parte do disco durante o lockdown, então eu não podia entrar em estúdio com outros músicos. Tive que receber as contribuições desses outros músicos por meio do envio de arquivos, e esse processo, por definição, se tornou bastante experimental, afinal, eu não podia estar com um músico e dirigi-lo em termos de ‘quero isso, gosto daquilo’. Foi um período muito experimental, no qual eu estava enviando faixas como a “Impossible Tightrope” para bateristas, baixistas, saxofonistas, guitarristas e tecladistas, e eu não sabia o que receberia de volta. Essa música é o melhor exemplo disso no álbum, porque acredito que tive uns 30 músicos diferentes, todos tentando suas ideias para ela, mandando ideias para mim. Frequentemente, eram ideias que eu não estava esperando, mas me mantive aberto para essas coisas que eu não estava esperando, por isso “Impossible Tightrope” virou uma forma de agregar todos esses ingredientes, de pegar os elementos de todas as ideias, ou ao menos de algumas delas, e transformá-los numa viagem musical coesa. É uma música complexa, não tanto pelo ponto de vista das contribuições, e sim em termos de edição dessas contribuições, de encontrar a combinação certa dos ingredientes para que criasse a audição mais satisfatória.
Não recebi a edição deluxe para esta entrevista, mas o segundo CD, “Harmonic Distortion”, chamou a minha atenção por causa dos remixes feitos por Mikael Åkerfeldt (Opeth), Roland Orzabal (Tears for Fears) e Manic Street Preachers, para quem você já havia feito remixagens. Como foi para você?
Steven: Foi bom você ter perguntado, porque, na verdade, a versão do Mikael Åkerfeldt não é um remix, e sim a versão dele. Gosto de pensar como músicas reimaginadas ou reinterpretações do que remixes, e as pessoas para quem pedi releituras são, em sua maioria, artistas cuja obra eu já remixei, também, como você bem ressaltou. Casos do Manic Street Preachers e do Tears for Fears, por exemplo, e, claro, já fiz trabalhos para e com o Mikael, então foi basicamente entrar em contato com quem já trabalhei e perguntar: ‘Então, você quer me devolver o favor agora e pegar uma das minhas faixas para reinterpretar?’ (risos) O mais legal disso é que nenhuma dessas pessoas é conhecida por fazer esse tipo de trabalho, e eu poderia facilmente ter escolhido essas faixas e dado para profissionais que têm larga experiência nisso, como DJs. Mas pensei que seria mais interessante pedir para alguém como o Roland, até porque creio que nunca pediram isso a ele! Vi que seria realmente mais enriquecedor acompanhar como seria esse processo para alguém que é compositor, ou seja, como seria a sua abordagem ao reimaginar uma música minha. O mesmo vale para o Manic Street Preachers, que é conhecida como uma banda de rock, então como seria a abordagem deles para reconstruir uma canção minha? Tudo isso foi fascinante e me levou de volta ao ponto de me permitir ser surpreendido, de me permitir experimentar com as pré-concepções sobre reinterpretações.
E eu perguntei exatamente porque nos últimos anos você remixou discos do Yes, King Crimson, Marillion e Jethro Tull, para citar outros nomes, e eu me pergunto como foi dar vida nova a alguns álbuns clássicos de rock e pop…
Steven: Uma das coisas que gosto de fazer com os remixes de discos clássicos, sejam do Tears for Fears, do The Who ou do King Crimson, é poder desconstruir muitas dessas canções incríveis e entender um pouco mais sobre como elas foram feitas. Para mim, enquanto nerd de música, ter curiosidade sobre esse processo e poder entrar na música para entender um pouco sobre como eles as fizeram, e com sorte trazer um pouco dessa informação e desse conhecimento para a minha própria música, é códice harmônico puro! É o auge do “harmony codex”!
Depois de um longo hiato, o Porcupine Tree lançou um novo álbum em 2022 (N.R.: “Closure/Continuation”), e eu me pergunto se, depois de dez anos focados em sua carreira solo, você encontrou o equilíbrio entre a banda e o seu próprio trabalho.
Steven: Boa pergunta. Eu não sei… (N.R.: Wilson fica pensativo) A ideia daquele disco do Porcupine Tree é que ele seja o capítulo final, mas eu nunca digo nunca. Talvez nós voltemos a tocar juntos daqui a cinco ou dez anos e aí façamos um novo álbum, mas eu gosto de seguir em frente e, também, de trabalhar com outros músicos. Voltar a trabalhar com Roland foi divertidíssimo, por exemplo. Eu adoro colaborar com pessoas diferentes, trabalhar com gente nova, e esse é lado negativo de estar numa banda, porque você fica preso numa mesma unidade, só que isso também é um lado positivo, porque é o que dá à banda uma identidade própria. Ok, isso pode ter soado confuso (risos), mas para alguém como eu, que ama a curiosidade e ama colaborar com pessoas diferentes, é mais fácil na minha carreira solo. Além disso, hoje estou menos interessado em músicas com guitarra do que era há uns dez anos. Atualmente, guitarras são algo que não me atraem tanto, porque gosto mais das possibilidades da música eletrônica, de combinar música eletrônica com instrumentação, então definitivamente o meu interesse e a minha atenção estão mais voltados para essa direção. Porém, nunca se sabe! Eu adoro trabalhar com os caras da banda (N.R.: tecladista Richard Barbieri e o baterista Gavin Harrison), não me entenda mal. Adorei fazer aquele último disco, e talvez façamos mais um, quem sabe? Veremos…
Você tem uma discografia prolífica, com um trabalho musical bastante diverso, mas se tivesse que escolher cinco dos álbuns que fez até agora para representá-lo como artista, quais escolheria? E por quê?
Steven: Essa é uma pergunta difícil de responder. Hoje, o que eu acho que me representa enquanto artista é o “The Harmony Codex”, porque reflete quem eu sou neste momento, assim como há 20 anos o “In Absentia”, do Porcupine Tree, representava quem eu era naquela época. Mas se olharmos de maneira mais ampla, os discos que eu ainda mantenho no topo do meu catálogo seriam “In Absentia” e “Fear of a Blank Planet”, do Porcupine Tree, e dos meus trabalhos eu ficaria com “The Harmony Codex”, “Hand. Cannot. Erase” e, possivelmente, o meu primeiro álbum solo, “Insurgentes”, que foi revolucionário para mim. Foi uma forma de me soltar do Porcupine Tree e tentar algo realmente diferente, e eu ainda tenho muito orgulho dele.
Por último, quais são seus cinco álbuns favoritos de todos os tempos?
Steven: Você deixou as perguntas mais difíceis para o fim (risos), e eu não consigo responder a essa pergunta, mesmo! Escrevi isso naquele meu livro, aliás, porque as pessoas me perguntam isso o tempo todo! Então, fiz uma lista com 200 músicas, e mesmo assim foi difícil escolher! Eu poderia facilmente escolher outras 200 totalmente diferentes, e tem um detalhe particular: eu não sou muito de olhar para trás, porque me interesso mais pelo que ainda não descobri. De qualquer maneira, existem discos do meu passado que estão profundamente enraizados no meu DNA, que são aqueles que os meus pais ouviam quando eu era muito novo. “Dark Side of the Moon”, do Pink Floyd; “Tubular Bells”, do Mike Oldfield; a trilha sonora do filme “Os Embalos de Sábado à Noite”; os álbuns da Donna Summer produzidos por Giorgio Moroder no fim dos anos 1970; os discos do Frank Sinatra; os clássicos do Elton John da década de 1970; David Bowie… Era a música que eu ouvia quando tinha 8 ou 9 anos de idade, por isso está profundamente enraizados no meu DNA musical. Podem não ser os meus álbuns favoritos, mas definitivamente são os que formaram esse meu DNA musical.