Por Daniel Agapito
Fotos: André Santos
Considerados por muitos como um dos segredos mais bem guardados do underground europeu, os italianos do Bulldozer, frequentemente descritos como o “Venom italiano” – expoentes da nata da primeira onda do black metal – retornaram ao Brasil após sua participação na 15° edição do icônico “Setembro Negro” em 2023. Novamente trazido pela Tumba Produções, desta vez o grupo veio celebrar os 40 anos de seu icônico álbum de estreia, The Day of Wrath, lançado originalmente no início de 1985. Para receber os ‘Fallen Angels’ mediterrâneos, foi escolhido o clássico Hangar 110, local que já acolheu de CPM 22 a Brujeria. Levando tudo isso em conta, seria chover no molhado dizer que os ânimos estavam elevados para o ‘Whisky Time’ que viria a seguir.
Por volta das 19 horas, subiram ao palco os catarinenses do Orthostat, banda de death metal formada há pouco menos de 10 anos. No repertório, a banda focou nas faixas de seu novo álbum, The Heat Death, lançado em novembro do ano passado. Começaram com a introdução Keys, seguiram para a épica faixa-título do último disco e fecharam a trinca inicial com Nothingness. Antes de iniciar Hydrogen, David Lago, vocalista e guitarrista natural de Jacobina (BA), declarou: “Hoje vamos tocar com uma banda que acompanho desde que era moleque, meus conterrâneos do Headhunter D.C., depois de muito tempo tentando! Long live death cult!”. No geral, o grupo estava visivelmente grato por estar ali. Agradeceram a todos, desde a produção até o público. Demonstrando disposição para se conectar com os paulistanos, introduziram Chemistry como “a música que fala da matéria que vocês mais odiavam no ensino médio (química)”. Quando o show dos catarinenses começou, a casa estava bem vazia, mas foi enchendo bastante ao longo da performance. Certamente, deixaram uma boa impressão naqueles que chegaram cedo para vê-los.
A próxima banda a se apresentar foi a Amen Corner. Vinda diretamente do Paraná e formada em 1992, a banda é, sem dúvida, verdadeira veterana da cena underground nacional. Durante o show, o grupo estava promovendo seu mais novo álbum, Written by the Devil, lançado este ano. Começaram logo com dois dos destaques deste mesmo LP: a música de abertura The War of the Antichrist, e Inferno, que aparece mais adiante no disco. Durante Black Thron (do segundo álbum da banda, Iachol Ve Tehilá, de 1995), a baterista Tenebrae Aarseth tocou com tanta intensidade que acabou derrubando seu prato China. Houve um pequeno problema com a guitarra de Murmúrio, mas Fernando, o baixista, foi rápido em perceber e iniciou um longo solo, certamente enlouquecendo os baixistas que estavam presentes. Diabolic Possession foi uma das músicas que mais animou a galera, que batia cabeça, gritava os tradicionais “hey, hey, hey” e, no geral, demostrava estar totalmente vidrada no show. O apreço dos fãs pelos veteranos era tanto que os paranaenses deixaram o palco ovacionados com o público gritando o nome da banda.
O último grupo a assumir o palco antes do Bulldozer foi outro veterano do underground, o Headhunter D.C. Na ativa desde 1987, esses pioneiros do death metal na Bahia foram uma escolha certeira para compor o line-up. Claramente o mais aguardado da noite, o grupo encontrou a casa praticamente lotada, com o público presente agitando desde o início. Dawn of Heresy, a primeira música tocada, foi ecoada fortemente por um coro blasfemo. Logo após a próxima, Stillborn Messiah, era difícil encontrar alguém que não estivesse gritando o nome da banda. Sérgio Baloff, vocalista, afirmou que “não estavam muito para brincadeira hoje”, e que, portanto, “o papo será limitado”, mas que a satisfação por estar tocando em São Paulo, descrita por eles como o maior centro do metal no Brasil, permanecia a mesma. Também mencionou que ele tem muita história na cidade e que estavam muito felizes de poder tocar com o Bulldozer, especialmente celebrando os 40 anos de The Day of Wrath. Baloff acrescentou ainda que o Headhunter D.C. também estava chegando lá, com quase 38 anos de estrada.
Em relação ao seu setlist, o Headhunter D.C. apresentou uma sequência de clássicos, incluindo …and the Sky Turns Black…, Death Vomit/Am I Crazy?, entre outras. Foi uma verdadeira ode ao metal underground. Antes de finalizar o show, Baloff disse que estava “muito satisfeito de ter chegado tão longe em um país onde a maioria das bandas fica para trás”, levantando a bandeira do underground nacional. Um dos destaques do repertório foi Rise of the Damned, faixa que leva o título de seu próximo álbum. Com apenas três minutos restantes em seu show, declararam que poderiam tocar “umas 100 músicas de grindcore” e perguntaram a Edu Lane, o produtor da Tumba Records, se poderiam aumentar para “seis, seis, seis”, fechando o show com Hail the Metal of Death!, dedicada a todos os fãs que têm o ‘metal da morte’ na veia. Fora conhecido line-up Baloff (vocal) e Tony Assis e Danilo Coimbra (guitarras), a banda contou com a participação de Márcio Jordanne na bateria e com a estreia de Leonardo Reis no baixo. Certamente, o grupo fez jus ao seu status como um dos melhores que o death metal nacional tem a oferecer.
Com o Hangar 110 completamente empanturrado de fãs, cada minuto de atraso dos italianos só aumentava o ânimo do público. Os devotos do metal verdadeiro só tiveram que esperar dez minutos a mais do que o previsto até que a icônica voz ecoou pelo sistema de PA: “In nomine patris, et filii, et spiritus sancti”. O exorcismo havia começado. Bastou o icônico riff de Cut-Throat ressoar para que o bairro do Bom Retiro explodisse ao som do Bulldozer. Logo de cara, a energia foi insana: rodas, crowdsurfing, mosh pits – de tudo um pouco. AC Wild, icônico vocalista e baixista – o “Cronos italiano” – agradeceu bastante pela oportunidade de poder voltar ao país que a banda claramente tanto gosta. Seguindo a ordem do álbum The Day of Wrath, Insurrection of the Living Damned foi bem-recebida pelos fãs. Em Fallen Angel, sem dúvidas um dos maiores hinos da banda, o Hangar enlouqueceu, com rodas acontecendo até nas laterais, balões de camisinha voando e crowd surfers chegando bem perto do palco.
Ao final de cada música, sem exceção, os fãs gritavam o nome da banda em uníssono, demonstrando o grande apreço que têm pelos mediterrâneos. Apesar de toda essa admiração, alguns fãs sem noção e nem o mínimo de respeito jogaram água no palco, o que acabou criando a necessidade de uma troca de cabos.
Mad Man foi dedicada a todos os fãs e membros, tanto da equipe quanto da banda, com a justificativa de que “somos todos loucos”. Após a loucura que foi Mad Man, a banda passou a destacar seu segundo LP, o também brilhante The Final Separation (1986). Também seguindo a ordem do álbum, começaram pela faixa-título. A sequência continuou com a enérgica Ride Hard – Die Fast, claramente uma das favoritas dos fãs, visto que seu refrão, “ride hard / die fast” (algo como “ande rápido, morra cedo”), foi cantado a plenos pulmões pelo público formado por aproximadamente 500 pessoas.
Novamente, surgiram mais algumas complicações com o som, que acabou sendo uma pedra no sapato da banda e o único deslize em um show quase perfeito. AC e companhia foram rápidos em resolver o problema e logo continuaram com The Cave. Durante essa música, um fã que segurava uma fita K7 foi levado ao palco via crowdsurfing, e ele deixou a fita aos pés do vocalista antes de dar um stage diving até o meio da galera, supostamente abandonando sua tão querida mídia física (que, a propósito, estava sendo vendida por 75 reais) ao léu.
A energia foi mantida lá em cima com a elétrica Sex Symbols Bullshit, contrastando diretamente com as partes mais vagarosas e cavernosas de The Cave. A música foi concluída com um aplauso monstruoso do público. Pulando Don Andras, a banda seguiu direto para Never Relax, que refletia bem o estado mental dos presentes, com os espectadores continuamente demonstrando ser incansáveis e ainda cheios de ânimo. Don’t Trust the “Saint” foi dedicada para o finado e canonizado Papa João Paulo II, com Wild justificando: “Quando escrevi essa música, ele ainda não era santo, mas eu já tinha um pressentimento de que seria canonizado”.
Passando brevemente para seu terceiro álbum (que tem uma pequena crise de identidade, sendo intitulado IX, tocaram a chiclete The Derby, cujos letra e título remetem à cultura do futebol, algo muito forte aqui em terras tupiniquins. A faixa foi recebida de maneira calorosa pelo público.
Com o apito final dado para The Derby, AC virou as costas para o público e foi ao fundo do palco, retornando com uma garrafa de Jack Daniels na mão. Fãs mais experientes imediatamente souberam o que aquilo significava. Voltando ao primeiro álbum e com um gole de respeito do vocalista, chegou o momento tão esperado: Whisky Time. O caos previsível realmente se instaurou no Hangar 110. Era uma mistura louca de cantoria e rodas dignas de causar abalos sísmicos. Realmente, estavam prontos para começar a hora do uísque. A performance histórica foi encerrada com uma música que, segundo a banda, é uma das mais importantes por ter sido a primeira que tocaram juntos: Overkill, do Motörhead. Fizeram um cover digno do clássico, mas também adicionaram pequenas doses de seu próprio estilo e personalidade. Realmente, podem ser considerados uma versão menor do Motörhead italiano. O público já estava tão enlouquecido que a própria produção do evento precisou barrar um fã no palco por tentar roubar o uísque do vocalista.
No geral, mesmo com o Bulldozer tendo potencial para se transformar em uma daquelas bandas que visita o Brasil ano sim, ano não, quase elegível para CPF e cartão do SUS (como Brujeria, Megadeth, Paul Di’Anno e Jeff Scott Soto), o grupo traz um show realmente muito bem executado, misturando pequenos elementos performáticos com um som de alta qualidade e direto ao ponto. AC Wild, Andy Panigada, Manu, Ghiulz Borroni e Cia. realmente merecem ser considerados grandes heróis desconhecidos da primeira onda do black metal. Entregar uma performance tão marcante a tão bem feita após tanto tempo na estrada não é fácil, de forma alguma, então deixo meus parabéns pelos feitos da banda. Agora só precisamos deles de volta em breve, talvez incorporando também mais algumas músicas dos álbuns IX e Neurodeliri, que foram pouco representados (no caso do IX) ou só completamente ignorados (Neurodeliri). E no caso de você ter ficado na dúvida, logo depois que a banda desceu do palco, o fã que tentou roubar o whisky estava com uma garrafa de Jack Daniel’s na mão.
Orthostat – setlist:
Keys
The Heat Death (Of the Universe)
Nothingness
Entropy
Hydrogen
Qetesh
Chemistry
Ambaxtoi
Amen Corner – setlist:
The War of the Antichrist
Inferno
Black Thorn
Solo de Baixo
Heir of Lust, Heir of Pleasure
Diabolic Possession
Leviathan Destroyer
Amen Corner
Headhunter D.C. – setlist:
Introdução*
Dawn of Heresy
Stillborn Messiah
…and the Sky Turns to Black…
Death Vomit/Am I Crazy
Rise of the Damned
Hail the Metal of Death!
Bulldozer – setlist:
The Exorcism
Cut-Throat
Insurrection of the Living Dead
Fallen Angel
The Great Deceiver
Mad Man
The Final Separation
Ride Hard – Die Fast
The Cave
Sex Symbols’ Bullshit
Never Relax!
Don’t Trust the “Saint”
The Derby
Whisky Time
Overkill (cover Motörhead)
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