Por Daniel Agapito
Fotos: Andre Santos
Um dos pioneiros do “djent”, movimento que mescla o metalcore com o metal progressivo, o TesseracT, originalmente formado em 2003, tem sido uma das poucas bandas do estilo com uma certa base de fãs fieis aqui no Brasil. Por aqui, aliás, os fãs tiveram que esperar bastante tempo para vê-los ao vivo, como contou o vocalista Daniel Tompkins em entrevista ao repórter Daniel Dutra para a ROADIE CREW: “Passamos três anos tentando tocar na América do Sul, mas tudo ficou muito difícil com a pandemia da Covid-19, e ficamos um pouco preocupados com o depois, porque todo mundo ia querer tocar na América do Sul ao mesmo tempo”. Desde sua última passagem pelo país, no início de 2023, os britânicos lançaram War of Being, seu aclamado 5º álbum de estúdio, um ambicioso trabalho conceitual que aborda a árdua busca pelo autoperdão.
Desta vez, o TesseracT faria dois shows no país, ambos na capital paulista. O primeiro, no sábado, dia 14, no Carioca Club, casa com capacidade para cerca de 1.200 pessoas, apresentaria um repertório “eletrizante”, “com muitas músicas pesadas… que os fãs vão adorar”, segundo o vocalista. Já o segundo show, no domingo, dia 15, seria dedicado à execução do primeiro EP da banda, Concealing Fate, lançado em 2010, na íntegra. Sobre essa segunda data, Tompkins comentou: “Será uma noite realmente especial e excelente para nós, porque faremos algo que há muito tempo não fazemos, que é revisitar o nosso primeiro trabalho, e para os fãs, que serão testemunhas disso e também ouvirão músicas do novo álbum. Será como mostrar a nossa história do início ao fim, por assim dizer.”.
Incumbida de abrir a noite, a There’s no Face, veterana banda da cena ‘core paulista, iniciou seu show pontualmente às 19h, com a casa ainda majoritariamente vazia, com bem menos de 50% de sua capacidade máxima. Embora esbanjasse uma energia incrível e um som bastante sólido, a banda não contou com muito apoio do público, talvez pela diferença sonora em relação aos headliners. Para piorar, o telão de LED do palco apresentou problemas, exibindo vídeos de outros artistas, sem qualquer relação com a banda. Após a segunda música, o vocalista Rafael Morales tentou interagir com os fãs, perguntando se estavam curtindo e admitindo que ele mesmo estava “louco” para ver a performance dos britânicos. Antes de começar a próxima música, chamou o público: “vamos mostrar para os gringos como é que faz”.
Os espectadores até aplaudiam e gritavam após as músicas, mas durante, nenhuma reação. Na saideira, em Motivo, a banda comentou que adorava relembrar a última vez que estiveram no Carioca Club e pediu para quem estava lá levantar o celular com a lanterna ligada, isqueiro ou qualquer outra coisa do tipo, para criar aquele momento bonitinho de final do show. Apesar da aparente falta de envolvimento do público ao longo do show, todos cooperaram e levantaram seus dispositivos, criando um momento que, embora seja horrivelmente clichê, é sempre bacana de ver. No final, a banda tirou uma foto com a plateia e conseguiu fazer a galera gritar, mas pediu para que gritassem o nome do TesseracT.
Antes dos headliners darem início, a casa já estava bem mais cheia. Embora ainda longe de sua capacidade máxima, estava preenchida em cerca de 70%. O TesseracT subiu ao palco pontualmente às 20h, e logo ficou claro que a energia era outra. Uma introdução ambiente foi tocada no sistema de PA, acompanhada por luzes pulsantes no palco, enquanto os integrantes entravam lentamente. Tompkins apareceu por último, subindo na plataforma posicionada no centro do palco e chamando o público com os braços, dando início aos serviços com a enérgica Natural Disaster. Foi como uma explosão: todos cantavam junto, pulavam e batiam cabeça. Em seguida, veio a estranhamente bela Echoes, que destaca bem a versatilidade sonora apresentada no último disco, War of Being (2023). A música começou pesada, novamente recebida com pulos e gritos, com o público também os acompanhando nos refrões mais melódicos e “cleans”.
O TesseracT prosseguiu com a sequência de hits com Of Mind – Nocturne, uma das mais melódicas e também uma das mais conhecidas, adorada pelos fãs, que cantavam a plenos pulmões. É difícil descrever o clima no momento em que iniciaram Nocturne, com grande parte do público cantando, pulando e, no geral, se divertindo genuinamente. A ligeiramente mais calma Tourniquet começou apenas com o vocalista à frente do palco em sua primeira parte, com a banda se juntando a ele mais para o final, quando a instrumentação pesada entra em cena.
A interação com o público foi mínima nesta primeira parte do show, se resumindo a um “Olá, São Paulo. Nós somos o TesseracT!” após Nocturne, e um “Boa noite, como vocês estão? É bom estar de volta”, depois de Sacrifice. Fora isso, era uma sequência de música após música. King manteve uma energia parecida com a das músicas anteriores, com gritaria generalizada que começou já na introdução, com a galera cantando junto o riff e a letra. Os refrãos eram entoados pelos fãs com o mesmo volume da própria banda. Em determinado momento, Daniel pegou uma pequena lanterna e começou a iluminar a plateia, capturando sorrisos e rostos felizes. Smile e The Arrow, ambas de Sonder (2018), assim como sua predecessora, seguiram no mesmo pique. Vale ressaltar a presença de palco dos ingleses, que pulavam, visivelmente animados, subindo e descendo das plataformas, e se movimentando pela parte inferior do palco. Fecharam a trinca de Sonder agradecendo: “Brasil, muito obrigado! A última vez que estivemos aqui, acredito que eu estava muito doente e eu não podia fazer muito. Muito obrigado por estarem aqui!”.
Deram sequência com uma dobradinha do ‘play’ mais recente, lançado no ano passado, com a faixa-título e Legion. A primeira, War of Being, é um épico que 11 minutos que, muito acertadamente, carrega o nome do álbum. A faixa é praticamente uma montanha-russa, explorando diversas sonoridades, se assemelhando a inúmeras vertentes tanto do metal progressivo quanto do metal moderno, contando com breakdowns pesadíssimos, grooves de fritar o cérebro e um lindo refrão mais limpo. Legion também ilustra bem a direção musical em que a banda decidiu seguir com W.o.B.
Algo interessante é que, exceto por The Arrow, que é estarrecedoramente curta em comparação ao restante, nenhuma das músicas do repertório daquela noite tem uma duração menor do que 4m45s (em estúdio). Ainda assim, o show esteve longe de ser cansativo – muito pelo contrário. Foi perceptivelmente dinâmico e sempre animado, com o quinteto conseguindo manter o público constantemente vidrado.
Depois de Juno – que claramente inspirou o novo disco do Sleep Token – a banda deixou o palco sem dar qualquer satisfação ao público, um sinal claro de que um bis estava por vir. Não ficaram nem dois minutos fora e retornaram com Deception, a segunda música do primeiro EP, que o vocalista dedicou aos fãs mais antigos do Tesseract. Deu para ver claramente que quem estava lá realmente curtia tudo da banda, pois cantaram os primeiros versos com a mesma intensidade e entusiasmo que mostraram nas faixas mais novas.
No final, Daniel subiu na plataforma central, estendeu a mão ao público, mostrando a palma, e pediu que fizessem o mesmo: “mostrem suas mãos”. Quem manja mesmo da banda já sabia exatamente o que estava por vir: a primeira parte do mesmo EP, Acceptance. Foi um encerramento lindo para o show, com todos totalmente envolvidos e a banda demasiadamente animada, pulando no palco. Uma tentativa de roda punk até foi aberta no meio da pista, mas acabou parecendo mais com um empurra-empurra caótico do que com os famigerados vórtices humanos que costumam ser vistos em shows de thrash e adjacentes.
Nas horas de peso, abriam roda, o público abria roda e batia cabeça – até em compasso irregular, os fãs estão de parabéns por essa. Nos refrãos melódicos, todos cantavam junto. No final, um mar de palmas e um coro de “te-se-rá, te-se-rá…” tomaram conta da casa. A banda deixou o palco sem pompas nem circunstâncias, sem dar tchau, sem jogar uma palheta sequer, nada – simplesmente saíram. Mesmo assim, o público seguia animado, gritando “one more song”, mas o bis não aconteceu.
No geral, foi um show incrível, musicalmente impecável, sem erro algum, com um repertório muito bem escolhido, que realmente contou a história do grupo do começo ao fim. Ao mesmo tempo, se distinguiu o bastante do que foi apresentado no ano passado, oferecendo uma experiência interessante para quem marcou presença em ambas as ocasiões. Algumas reclamações dos fãs sobre a iluminação podem ser justificadas, pois faz parte da estética da banda, e foi algo que foi mantido durante o show inteiro, diferente de outros grupos que propositalmente usam luzes “mal-feitas” apenas nas primeiras três músicas. Os aspectos visuais realmente ornam muito com a identidade sonora dos ingleses. Quem não foi perdeu um baita show!
There’s no Face – setlist:
Hamurabi
Quebre o Silêncio
Enquanto Você Espera o Bem
Imensidão
Contra / Senso
Motivo
Tesseract – setlist:
Natural Disaster
Echoes
Of Mind – Nocturne
Tourniquet
Sacrifice
King
Smile
The Arrow
War of Being
Legion
Juno
Bis
Deception – Concealing Fate, Part 2
Acceptance – Concealing Fate, Part 1