Por Rogério SM
Fotos: Belmilson dos Santos
Quase cinco décadas após lançarem o primeiro single da história do punk inglês, o The Damned trouxe ao Brasil sua música que hoje transcende rótulos. Em turnê com The Offspring e outros grupos, a banda ainda fará novos shows em São Paulo e Curitiba, mas o Cine Joia, em São Paulo, estava abarrotado não apenas de punks, mas de fãs do bom e velho rock and roll, esse estilo que insiste em trazer à tona toda rebeldia e energia que só a música pode fazer, para essa apresentação solo do quinteto.
O grupo volta ao Brasil após passagem em 2012, mas dessa vez com a formação histórica dos anos 1970/80 e que fez o nome do Damned se tornar imortal: Dave Vanian (vocal), Captain Sensible (guitarra), Paul Gray (baixo e backing vocals) e Christopher “Rat Scabies” Millar (bateria), além do apoio de Monty Oxymoron (teclados e backing vocals). Coincidentemente, no dia anterior ao show, o guitarrista original da banda e que gravou os dois primeiros discos do conjunto, Brian James, faleceu aos 70 anos. Ele havia tocado com o Damned na turnê de reunião da formação original em 2022, mas desde então estava afastado do mundo da música. Obviamente, este show foi dedicado a ele, como Vanian disse antes de começarem o show.
E que show! Desde os primeiros acordes de Love Song, ficou claro que a noite seria uma celebração intensa do legado do grupo, com a casa lotada gritando as estrofes e o refrão da música de forma mais alta até que a própria banda. O carismático e enigmático Dave Vanian, com seu visual parecendo um vampiro rockabilly, preenchia o palco com alguns passos de dança no melhor estilo Elvis Presley gótico. Ao seu lado, Captain Sensible e seu tradicional traje a lá “Onde Está Wally?” demonstrou que sua guitarra continua afiada. O grupo emendou de cara Machine Gun Etiquette, que teve seu refrão gritado pela plateia de forma intensa. Refrão esse, aliás, que lembra muito o grupo de NWOBHM Tank, e não por acaso, afinal, o Damned teve em sua formação o baixista Algy Ward. E isso só mostra o quanto a música da banda é rica e abrangente.
Mas o setlist foi um presente para os fãs, transitando por diferentes fases da carreira do grupo. Do celebrado The Black Album, o grupo mandou em seguida Wait for the Blackout, outro clássico e que comprovou a diferença do baixo de Paul Gray. O baixista, aliás, atuou como uma “cola” que ligava todos os outros instrumentos, com um timbre lindo, encorpado e com linhas que preenchiam a casa de forma intensa. Já Captain Sensible, sempre irreverente, brincou com os fãs e demonstrou que, apesar dos anos de estrada, a irreverência punk segue intacta.
A apresentação seguiu com um clássico atrás do outro e fez o público celebrar o que os anos 1980 tinham de melhor: Lively Arts, The History of the World (Part 1), Plan 9 Channel 7, Stranger on the Town e Gun Fury (of Riot Forces) formaram uma sequência que deixou todos os presentes boquiabertos com a musicalidade do grupo e provaram que os discos que o Damned gravou na década podem ser considerados a mais pura arte.
I Just Can’t Be Happy Today, outro clássico da fase punk, veio na sequência, e colocou fogo no Cine Joia. Captain Sensible segurava tudo com seus riffs e solos, tendo uma bandeira do Brasil às costas, pendurada ao lado do palco. Já o público presente foi um show à parte: havia pogo, gritos, palmas e assobios o tempo todo, o que só deixava a apresentação ainda mais excitante. De vez em quando, Vanian e Captain Sensible se dirigiam ao público, mas o microfone baixo e o sotaque britânico impediam um entendimento mais preciso. Não importava. Quando a banda iniciava uma nova música, a casa vinha abaixo, mesmo em momentos mais introspectivos, como em Dr. Jekyll and Mr. Hyde.
Mesmo com o microfone baixo, Captain Sensible apresentou a primeira surpresa da noite: Fan Club, que não estava em todos os setlists da turnê e também dedicada a James. Aqui vale também registrar o poder de Rat Scabies nas baquetas. Se não é mais o jovem eletrizante de quando começou a carreira, o baterista compensa a idade mostrando que aprimorou sua técnica ao longo das décadas, mas sem perder nada de sua força. É incrível como ele consegue ter mais energia que muito menino que está começando e isso mantém o show do grupo o tempo todo lá em cima.
Aliás, a banda inteira não perde o fôlego um segundo sequer. E dá-lhe mais sequência matadora, com Eloise, Life Goes On (Captain Sensible nos vocais enquanto Vanian brincava com um dos holofotes do palco), Born to Kill e Noise Noise Noise. A frente do palco estava lotada de flores, o que contrastava de forma divertida com toda a massa sonora que saía dos PAs. Um deleite musical e visual, que teve seu ápice na melhor dobradinha da noite: Ignite, do álbum Strawberries, foi uma das mais celebradas, com os tradicionais “o-o-o-o” sendo cantados pelo público com toda a força e, mais do que isso, carregando a música quando a banda parou de tocar para Vanian cantar um trecho a cappella. Foi um dos momentos que eternizou na mente dos presentes toda a sintonia entre banda e público, que continuou com o clássico Neat Neat Neat e sua levada cheia de adrenalina, ainda que Captain Sensible tivesse que trocar sua guitarra no meio da música. Mas, quando se tem a malícia e experiência de anos de estrada, nada disso compromete a execução.
Após um rápido intervalo, a banda volta para o bis com as lindas melodias de Curtain Call e provando que o tecladista Monty Oxymoron também tem importância vital para a sonoridade única e original do grupo. Deixando o melhor pro final, a noite terminou com dois clássicos absolutos: New Rose (o tal primeiro single punk que citei no começo) e Smash it Up, em que a casa inteira cantou toda a letra aos berros, fazendo o fim do show parecer ainda o início da apresentação, tamanha a energia que emanava de banda e plateia. Infelizmente, era mesmo o final. Fica a certeza de que The Damned segue como um dos grandes nomes da história do rock, entregando apresentações que transcendem o tempo e reafirmam sua relevância. A quem foi, só resta agradecer por uma noite histórica.
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