Por Daniel Agapito
Fotos: Belmilson dos Santos
O punk está vindo! Acompanhando o icônico The Offspring em uma turnê que também conta com outros nomes do passado, presente e futuro do estilo (Sublime, Rise Against, The Damned e The Warning), os australianos da Amyl and the Sniffers têm conquistado um público fiel pelo mundo com seu som enérgico e shows caóticos. Liderados pela carismática Amy Taylor, detentora de uma presença de palco inigualável, a origem do nome do grupo já diz muito sobre sua postura: Amyl vem do nitrato de amila, “a droga do amor” bastante usada nas boates gays de sua terra natal, Melbourne. Começaram em 2025 com dois pés na porta, excursionando por Austrália e Nova Zelândia promovendo seu novo álbum, Cartoon Darkness, responsável por alavancá-los ao posto de um dos nomes mais quentes da música. Depois de sua breve passagem pela nação verde-amarela, ainda passarão pela América do Norte e Europa. Esta primeira apresentação deles prometia ser um marco histórico para a banda.
As portas do Cine Joia, casa de shows localizada no tradicional bairro da Liberdade, zona central de São Paulo, estavam marcadas para abrir por volta das 19h, horário até razoável, se não um pouco tarde, para uma quinta-feira, tendo em vista que havia apenas uma banda de abertura. Dado todo o sucesso recente do grupo, era mais que esperado que os ingressos se esgotassem, e foi o caso, com os últimos sendo vendidos no mês de janeiro. Chegando na porta da casa, a fila era extensa, dobrando a rua. Quando as portas finalmente se abriram, foi aquela guerra para chegar na grade, com fãs enlouquecidos correndo como se não houvesse amanhã.
Antes de os australianos assumirem o palco, tivemos direito a uma apresentação do quarteto carioca Klitoria, lançando seu EP Entre o Chão e o Assoalho, que chegou às plataformas de streaming no dia anterior. Apresentando uma sonoridade que mescla a energia e a visceralidade do garage rock com o “verve punk”, era inegável que estavam dando tudo de si no palco. Maria Luiza Bessa, vocalista e baterista que representa essa energia em meio ao caos dos outros instrumentos, estava lá, entregando batidas fortes, mas ao mesmo tempo impressionando pela voz. Tamanho foi o esforço, que pouco depois de começar o show, disse: “Vou precisar de um segundo aqui, passei um produto no cabelo e agora minha mão tá escorregando”.
Em 45 minutos de show, conseguiram expor bem seu repertório, começando com a forte Armadilha, passando pela poderosa Skate Karate, destacando também faixas do novo EP, como Todo Homem Foi Feito para Dar, nome um pouco controverso. Com aquele som menos polido, mais cru do garage rock, complementado pelos vocais femininos diretos, cuspidos com uma energia ímpar, era impossível não estabelecer paralelos entre a banda de abertura e os headliners. Não tentaram esconder esta inspiração: logo depois de agradecer o público mais uma vez, Bessa assumiu a guitarra para a última música, levando Brayner Rodrigues, o guitarrista, para a bateria. Antes de começar Eu Não Vou Te Ouvir, primeira composição do grupo, a vocalista disse que só compôs esta música por conta da Amy, então era de se imaginar o tamanho da realização dela naquele momento.
Passados quarenta minutos do final do show da Klitoria, os headliners Amyl and the Sniffers subiram no palco, com quinze minutos de atraso, às 21h45, o que para um show de dia de semana é bastante complicado. Mesmo assim, qualquer complicação foi esquecida pelo público quando as primeiras notas de Control soaram. Algo que se manteve constante pelo show inteiro foi a cantoria dos fãs, que ecoavam toda e qualquer palavra de Taylor a plenos pulmões. Muito se fala sobre a energia da banda no palco, com muitos os descrevendo como um dos shows mais animados desta nova geração e realmente, a vocalista parece que está sempre ligada no 220. Uma das vantagens deste estilo são as músicas curtas, então, logo depois da primeira já emendaram Freaks to the Front e Doing in Me Head, destaques do novo álbum e de seu autointitulado respectivamente.
Enquanto o baterista Bryce Wilson dava início à levada de Security, o guitarrista Declan Mehrtens e o baixista Gus Romer rapidamente se beijaram no meio do palco, o que para os fãs da banda não é nada fora do normal, mas que com certeza irá virar pauta de discussão nos grupos de Facebook. É algo chocante? Alguns podem dizer que sim, mas o espírito do punk sempre foi chocar, subverter, ir contra… Ou seja, não dá para esperar um show de punk “confortável”, do mesmo jeito que não dá para esperar música de hard rock que não aborde mulher e cerveja. Mantendo o clima de festa, no meio da música Taylor apareceu no palco com uma garrafa de bebida em uma mão e um copo em outra, e simplesmente virou uma dose. Tal qual um carro velho, o álcool só deu mais força para seguir o show, visto que durante a execução de Maggot, Amy ficou correndo de um lado do palco para o outro incansavelmente.
Algo interessante de ver foi que o reconhecimento foi uma via de duas mãos: a Klitoria era claramente inspirada na Amyl e os australianos claramente curtiram o show, visto que soltaram alguns “façam barulho para a Klitoria!” Tendo passado por GFY e prestes a tocar Got You, Amy continuou: “Me desculpem por não falar português, mas elas são incríveis! Representando as mulheres, façam barulho aí! Temos amigos trans conosco hoje?” Sobrou para os políticos também, com um “aliás, que se foda o Trump” fechando seu discurso. Mais do que qualquer outro até então, o refrão de Got You foi realmente cantado pelo público no mesmo volume da própria banda. A energia no geral estava lá no alto, era perceptível que quem estava lá naquela noite era fã mesmo. Dali para a frente, enfileiraram hits, com muitas faixas do Cartoon Darkness, como Chewing Gum, sendo recebidas calorosamente e colocando a galera do meio da pista para pular. Acredite ou não, nem os ventiladores da ponta do palco ficaram incólumes: Taylor pegou um deles e levantou de maneira quase triunfal.
Depois, vieram I’m Not a Loser e Guarded By Angels, ambas já extremamente enérgicas, tornadas ainda mais animadas pelo pique inesgotável dos espectadores. Knifey foi dedicada às mulheres, temática central da música. Décima faixa do aclamado Comfort to Me, ela aborda uma triste realidade, o fato de que muitas mulheres são atacadas por simplesmente sair na rua à noite, algo infelizmente presente nos quatro cantos do mundo. O título de Some Mutts (Can’t Me Muzzled) (“alguns cães não conseguem ser afocinhados”) foi provado logo de cara, visto que logo nos primeiros acordes,* já rolavam alguns crowdsurfs. Amy terminou a música mostrando os bíceps, levando os fãs à loucura.
Continuando a avalanche de destaques, veio Jerkin’, indubitavelmente a maior música do grupo, que esperadamente foi cantada palavra por palavra pelo Cine Joia em um coro gritando em uníssono numa energia inigualável. Independente da letra claramente feita para ser chocante, abrasiva e agressiva, Jerkin’ tem uma natureza inerentemente divertida, com algo solto e descontraído que cativou todos que estavam lá. Não deixando a peteca cair, seguiram com Me and the Girls e Tiny Bikini, com direito àquele famoso “ô ô ô” dos fãs. Taylor tinha dificuldade para esconder sua própria animação: agradeceu veementemente o público, admitindo que tocar no Brasil sempre foi um grande sonho da banda e que estar lá naquela noite, como headliners, era uma realização gigantesca. Com isso, veio Big Dreams.
O bloco final do show foi devidamente elétrico: It’s Mine, U Should Not Be Doing That e Hertz. Com o show no auge, saíram do palco ao som de gritos de “one more song, one more song”. Poucos minutos depois, surpreendendo tudo e todos, voltaram para fazer o bis novamente, fazendo o público delirar, gritando me maneira ensurdecedora. Fecharam a noite com uma última dobradinha, Balaclava Lover Blues e Facts, terminando o show com pouco mais de uma hora de palco.
A fórmula do som da Amyl and the Sniffers não é nada de revolucionário, nem sua abordagem, mas em uma cena musical atualmente dominada por diversos artistas sem personalidade e sem sal, ver algo que remeta minimamente ao espírito punk de outrora é incrível. É óbvio que os australianos estão completamente “no hype” e sabe Deus se este sucesso deles será mais do que passageiro. É um jogo que muitos jogaram, mas poucos saíram por cima, porém, não há dúvida de que aquela noite foi histórica: São Paulo recebeu uma banda que poderia se consolidar como um dos maiores nomes do rock em um futuro próximo. Sobre as letras serem chocantes e cheias de baixaria, primeiramente, o punk sempre foi isso, você não tocaria New York Dolls no almoço de domingo; e outra, o estilo sempre foi ancorado em dar voz aos menos representados, e é exatamente isso que estão fazendo, trazendo à tona os desafios diários das mulheres e da comunidade LGBTQIA+.
Setlist Amyl and the Sniffers
Control
Freaks to the Front
Doing in Me Head
Security
Maggot
GFY
Got You
Chewing Gum
I’m Not A Loser
Guided By Angels
Knifey
Some Mutts (Can’t be Muzzled)
Jerkin’
Me and the Girls
Tiny Bikini
Big Dreams
It’s Mine
U Should Not Be Doing That
Hertz
Bis
Balaclava Lover Boogie
Facts
Setlist Klitoria
Armadilha/Sinal
Flores Podres
190
Xapisco
Laboratório
Skate Karate
Inferno Espera
Cromática
Bolso Oco
Não Memória
Seus Laços
Intenções e Reações
Todo Homem Foi Feito para Dar
Menina
Nada Mais Brilha
Cigarro
Não Me Siga
Só Vou Descansar
Eu Não Vou Te Ouvir
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