SILENT PLANET – SÃO PAULO (SP)

12 de abril de 2025 – City Lights Music Hall

Por Daniel Agapito

Fotos: Gabriel Ramos

Todos nós já ouvimos aquela velha história de que o rock morreu, de que não existem mais bandas novas, de que o que dá dinheiro de verdade são forró e sertanejo. O tipo de elemento que geralmente solta uma informação dessas, na maioria das vezes, se enquadra em dois grupos distintos: ou são pessoas que nunca pararam para ouvir o estilo direito e nunca se interessaram muito ou é o famigerado tiozão saudosista, que acredita que o Metallica morreu depois do “Black Album”, se recusa a chamar qualquer banda que tenha vocal limpo de metal e muito provavelmente chama qualquer grupo musical formado após 1997 de new metal ou emo. O que essas pessoas não percebem é que enquanto cena estamos longe disso. Claro, aqui em terras tupiniquins não vemos muitas bandas novas tendo um impacto estrondoso, como o do Iron Maiden nos anos 80, por exemplo, mas existem bandas novas, sim. Acontece que geralmente elas não aparecem por aqui.

Adotando as palavras do próprio Garrett Russell, vocalista do Silent Planet, quando perguntei a ele sobre a demora para a banda chegar ao Brasil, ele disse: “Foi falta de oportunidade mesmo, de achar um produtor local para coordenar os shows, achar as casas etc. Parece que têm surgido mais produtoras por aí, estou vendo muito mais bandas chegando na América do Sul e na América Central do que via antes.” Não é fácil ser fã de metalcore, mas com mais e mais produtoras e fãs abraçando esse som, está ficando mais plausível a cada dia.

A casa estava marcada para abrir às 17h, com discotecagem do time do Downstage das 17h às 17h30, mas as portas do City Lights só abriram de fato depois das 17h20, então seguiram direto para a primeira banda, o Distant Shores. Mesclando o peso do deathcore com a técnica do djent, fizeram um show que apesar de relativamente curto, totalizando menos de meia hora, serviu para destacar bem seu repertório, contemplando o EP Borderline na íntegra, além de Ego, seu mais novo lançamento, faixa reta e direta de pouco mais de dois minutos, e So Cold, faixa inédita. Esbanjam de uma presença de palco bastante profissional, engajando o público desde o começo, fazendo todo mundo ligar as luzes do celular para criar aquele clichê da “casa iluminada”, com Michael Malphas, vocalista, pedindo especificamente para a “geral aí no meio” sair na mão logo antes de Ozymandias.

O próximo a assumir o palco foi o Emmercia, grupo que está tendo uma ascensão meteórica nos últimos tempos, totalizando mais de 250 mil streams no Spotify no ano passado. Uma coisa ficou evidente desde o primeiro segundo: eles tinham seus próprios fãs, e não eram poucos. No instante em que o sintetizador inicial de Speed X-Drama ecoou pelo City Lights, uma cantoria avassaladora começou e não parou até as últimas notas de Um em Poucos Todos Nós. Logo na primeira música, o público já batia palmas no ritmo, enquanto a banda mostrava uma presença de palco invejável. A qualidade do som deles é indiscutível e músicas como Cegueira Branca e Pescador de Tormenta conseguem equilibrar peso e emoção absolutamente na medida. Além disso, a maneira como incorporam samples e elementos eletrônicos realmente lembra a fase mais recente do Bring Me the Horizon, por exemplo. Antes de acabarem, o vocalista mostrou a real importância daquela noite para eles: “É um sonho para nós estar abrindo o show de uma banda que marcou tanto a vida de boa parte dos integrantes. Estou louco para ouvir Terminal ao vivo!”

A Nations, última banda antes dos headliners, já subiu no palco sem massagem, com o vocalista gritando: “E aí, meus manos? Tenho uma mensagem para vocês, circle pit!”, incentivando aquele famigerado vórtice humano desde o começo. Era óbvio que havia uma diferença na abordagem e na energia comparado com as primeiras duas bandas, especialmente ao Emmercia. A influência do hardcore em sua sonoridade era muito mais latente, criando aquele som para sair na mão com os amigos. Isso não quer dizer que foi uma demonstração de puro ódio, pois faixas como as últimas duas, Madness, que originalmente foi gravada com o próprio Garrett Russell, vocalista dos headliners, e Warship, demonstram um alcance emocional significativo. Biggie Fonseca, vocalista da banda e amigo de longa data de Garrett, também mostrou desenvoltura diferenciada no palco, soltando pérolas como: “Quero todos vocês saindo do chão, vocês vieram num show de metal, não assistir ao filme do Minecraft.” Tocando apenas 5 músicas, seu EP Hollow na íntegra, sua apresentação foi mais curta que o resto, mas foi demasiadamente marcante.

O relógio se aproximava das 20h e as expectativas só cresciam. Pelo sistema de PA, diversas faixas de pop, aqueles bem chicletes, que todos já cansaram de ouvir pela rádio, tipo Dua Lipa, Chapell Roan e companhia. O público, um bando de metaleiros de camisa preta que há alguns minutos estavam se socando na roda, cantava todas as músicas, sem exceção – e ainda há quem diga que o público do metal não é o melhor de todos. Aproximadamente 10 minutos antes do horário marcado, alguns membros da equipe da produção subirão ao palco para fazer uma breve introdução do show, dizendo que não só os fãs, como a própria banda estava esperando 16 anos por aquela oportunidade, sentimento que Garrett demonstrou em sua entrevista comigo: “Estou tão animado para tocar aí, sei que as pessoas adoram música, futebol, o nosso soccer. O meme do ‘come to Brazil’ se tornou algo gigantesco por aqui e isso claramente vem da indignação de vocês, e com razão. Fico feliz que as estradas tenham finalmente aberto para nós… Se tudo der certo, o Brasil irá se tornar parada obrigatória em nossas turnês.” Além disso, o produtor disse algo que já atiçou bem os fãs: “O show no Chile anteontem foi animal, agora a gente tem uma missão, mostrar que o Brasil é melhor.”

Ao som de gritos de “olê, olê olê olê, Silent, Silent”, que viriam a se tornar rotineiros pelo resto da noite, começou a calma Lights off the Lost Coast, introdução de seu álbum mais recente, SUPERBLOOM, que se não fosse pelas projeções na parede de trás do palco, transformada em um telão, seria completamente imperceptível, dado o alvoroço dos fãs. Garrett Russell (vocal), Mitchell Stark (guitarra, vocal e teclados), Nick Pocock (baixo) e Alex Camarena (bateria) já estavam no palco, e apenas sua presença já levava o público à loucura. O caos se instaurou por completo quando o vocalista fez um pedido simples, “levantem as mãos”, antes de começar pra valer com Offworlder, acompanhadas de palmas seguindo a bateria e um mar de celulares no ar para registrar o momento. Para uma banda silenciosa, o Silent Planet até que faz um baita barulho! A energia naquele momento era algo indescritível, uma sintonia absurda entre os fãs, que cantavam cada verso a plenos pulmões, e a banda, que estava claramente deixando a vida no palco. A cada pulo que os espectadores davam, a casa parecia tremer mais e mais. O espaço que o quarteto tinha não era dos maiores, e comparado a qualquer outro espaço de eventos da capital paulista, o palco era incrivelmente baixo, mas Russell e companhia tiraram o maior proveito de tudo isso, usando cada centímetro que tinham disponível.

Seguindo a ordem do último álbum, veio Collider, que até começa mais tranquila, mas – especialmente ao vivo – chega com uma avalanche de peso. Em estúdio, seu refrão, “We stare through the night at bleeding satellites / The past is an open wound / The moon won’t forget the promises we left / Does the silence accuse you too?” já é algo avassaladoramente grandioso, mas quando cantado por uma legião de pessoas apaixonadas pela música, fica ainda mais, a ponto de Stark não conseguir esconder seu sorriso ao ouvir a voz de seus apoiadores. Interagindo diretamente com o público pela primeira vez, Russell reafirmou sua animação, dando aquele discurso de artista, que estava honrado em tocar pela primeira vez no país, mas desta vez havia uma grande camada de verdade por trás. Euphoria, que o próprio disse definir o estado da banda, foi a próxima, trazendo um mínimo de tranquilidade em meio a todo o caos, contando com diversas texturas sonoras e elementos atmosféricos, dando aquele cheirinho de shoegaze.

“Geralmente, o pessoal enlouquece com essa aqui.” Bastou apenas o grito de “count me down to a reverie” para não apenas o City Lights, mas muito provavelmente todo o bairro de Pinheiros inteiro ser afetado pelos abalos sísmicos resultantes dos primeiros versos de Dreamwalker. Dizer que quem estava lá enlouqueceu seria um belo desserviço ao que rolou de verdade, visto que a cantoria das pessoas da pista estava em um volume ensurdecedor. Conhecendo seu público, Alex, o baterista, incorporou um ritmo bastante latino, quase um reggaeton, após o segundo refrão, algo que poucos podem ter notado, mas que mostrou um carinho especial pelos fãs daqui. “Brasil, é aqui e agora! Vamos ver para que vieram!” Sua música mais popular no Spotify (e com uma boa diferença entre ela e a segunda colocada), a execução de Antimatter foi algo realmente lindo – Russell mal precisava cantar, pois quem estava lá já fazia tudo por ele. Quando sua voz poderosa sobressaía a massa popular, a visceralidade de seus vocais ganhava destaque, ele é daqueles vocalistas em que parece que cada palavra vem do fundo da alma, é algo muito real.

Agradecendo a produção da turnê, anunciaram que iriam tocar uma faixa mais antiga, destoando de SUPERBLOOM pela primeira vez da noite, e que a dedicariam tanto para a Nations, que havia subido no palco antes deles, quanto àqueles que sofrem com síndrome do pânico. Isso já deixou claro qual seria a escolhida, a brilhante Panic Room, retirada de Everything Was Sound (2016). Retratando um soldado baseado em Jeriel Clark, amigo da banda, que lida com transtorno de estresse pós-traumático, rapidamente tomado pelo pânico, ela é uma exploração realmente emocionante das profundezas do psicológico humano, embalada por uma sensação de urgência inabalável. Voltaram ao trabalho de 2023 com :Signal:, primeiro single deste ciclo a ser lançado, que por sua vez, foi dedicada a Isabel, tour manager deles nesta turnê. “Se você é uma mulher e quer se envolver com a indústria musical, te digo uma coisa, esta indústria é das mulheres, o palco é das mulheres, a cena é das mulheres, somos todos iguais.” Esta mensagem pode parecer óbvia, mas a cada dia que passa, parece que se perde mais e mais.

Trazendo uma dose de técnica, mas sem perder o peso, veio Anunnaki, que contou até com um “wall of death”, em que Garrett brincou de Moisés. “Gostaria de convidar vocês a fazer algo diferente, que nunca devem ter feito em um show. Se estiverem confortáveis, juntem-se a mim, fechem seus olhos, inspirem e expirem. Siga o espaço, sinta-o no seu peito. Por um momento, nos soltamos, paramos de tentar ser alguém, paramos de nos preocupar com o que precisamos fazer. Inspirem, expirem. Vamos praticar a consciência, deixar a respiração flutuar ao céu.” Novamente, não há como fazer jus apenas com palavras ao tanto de emoções que rodavam pela casa naquele momento, Russell havia acabado de ministrar uma experiência quase transcendental com seus fãs, e como se já não estivesse bom, viria um dos momentos mais inesperados da noite: tocaram Cornfield Chase, um dos temas de Interestelar, composto por Hans Zimmer. Em sua versão original, a faixa é simples, leve, e na versão do Silent Planet, seguiu sendo algo digno de cinema, mas com muito peso atrelado, ainda mantendo o quê atmosférico. Tornando tudo ainda mais especial, a melodia foi ecoada pelos fãs, fortalecendo ainda mais a conexão que era estabelecida.

Voltando de onde pararam, seguiram com The Overgrowth, que é outra relativamente mais leve, mas com uma virada de chave praticamente do nada que bate forte como um soco na cara. Nessa hora, Garrett deu um pulo digno de Michael Jordan, assustadoramente alto, visto que ele estava quieto no canto do palco apenas alguns segundos antes. Se ele quisesse, entrava tranquilamente na NBA. Antes de continuar para Mindframe, seu lançamento solo mais recente, o vocalista perguntou se algum dos fãs havia ido no show do Dayseeker, que ocorrera quase um mês antes, dizendo que todos da banda são seus grandes amigos, e haviam dito que São Paulo seria o melhor show da vida dele, e visto tudo que já havia acontecido, Garrett concordou plenamente. Exibindo sua mensagem política forte, Mindframe teve um “fuck Bolsonaro” logo no finalzinho, e continuando nessa toada, veio Panopticon, que é sobre a ascensão do fascismo, uma chamada à união popular. Uma das músicas mais tocadas de Iridescent (2021), foi calorosamente recebida.  Incapaz de esconder sua felicidade, o frontman falou de novo que era sonho estar aqui e que o público estava sendo incrível.

“Fascistas como Bolsonaro e Trump farão de tudo ao seu alcance para nos dividir. Não existe diferença racial, religiosa ou de gênero que tenha mais força do que nós temos em comum. Somos um só, a raça humana.” Russell assumiu as 6 cordas antes da faixa-título de SUPERBLOOM, que apesar de sua sonoridade levíssima, carrega uma mensagem forte de união. Ela já é uma música linda naturalmente, e mais uma vez, com a voz de centenas e centenas de fãs nos backing vocals, se tornou algo inesquecível. A casa era iluminada pelas lanternas dos celulares, que é muito clichê, mas sempre bonito. Deram tchau, Alex jogou suas baquetas, Mitchell e Nick, suas palhetas, mas por dentro todos sabiam que eles iam voltar para aquele bis que vem de praxe na maioria dos shows.

Nem haviam descido do palco direito e o “olê, olê olê olê, Silent, Silent” voltou; junto com ele, veio a banda, claramente impressionada com o apreço dos brasileiros. Para o bis, foi escolhida a dobradinha Native Blood, que fala sobre a história apagada dos povos indígenas, pauta mais que pertinente aqui no Brasil, e que começou com um convite tentador, “se quiserem pular do palco, tá liberado”, e Trilogy. Esta última também carrega uma mensagem forte, como o próprio homem por trás da letra deixou claro: “Essa aqui eu compus enquanto estava em um hospital psiquiátrico, após ter tentado tirar minha própria vida. Digo isso porque não estaria mais aqui se não fossem essas pessoas do meu lado. Não tem nada de errado em sofrer com depressão e ansiedade, mas você tem que conversar com alguém antes que seja tarde demais. A vida é algo lindo, um presente, e vale muito mais do que dá para entender.” O show realmente fechou com Garrett cantando os últimos versos nos braços do público, recebido com um carinho imenso.

Retribuindo todo esse amor, a banda toda deu aula de humildade ao passar um bom tempo no palco depois de terminarem para atender os fãs. Não pararam por aí, pois subiram para a parte de cima da casa para facilitar a desmontagem do palco, mas chamando todos os presentes. Garrett abraçou cada um que vinha falar com ele, agradecendo de coração por todo o carinho. Quando muitos já haviam ido embora, ele apareceu na rua e continuou atendendo aqueles que vinham pedir fotos. Isso pode parecer algo simples, óbvio, o mínimo, e se pararmos para pensar, realmente é, mas em uma época que vários artistas terminam seus shows e praticamente saem correndo, como se estivessem devendo dinheiro para os fãs, todo este cuidado com o próprio público é motivo de parabéns.

Seria completamente chover no molhado chegar a essa altura do texto e concluir dizendo que foi um dos melhores shows do ano até então, uma apresentação histórica, que mostrou com clareza que o metalcore certamente é um dos estilos mais injustiçados da música pesada e que, além disso, a nação verde-amarela está recheada de bandas talentosas de qualidade indiscutível. O que o Silent Planet fez no City Lights foi nada menos que inesquecível, não teve o que reclamar, nem em termos de som, nem de presença de palco, nada, foi uma noite absolutamente perfeita, que irá perdurar na memória dos fãs por um bom tempo. Quem não foi, perdeu, e quem depois de ler tudo isso, ainda tem qualquer preconceito com o metalcore, dê mais uma chance. Agora a bola está no campo da NDP e da Aldeia Produções, já podem trazer os caras de volta.

 

Setlist Distant Shores

Intro *

So Cold

Ego

Without You

Borderline

Ozymandias

 

Setlist Emmercia

Speed X-Drama

Cegueira Branca

Prapará

Pescador de Tormentas

Um Novo Jeito de Se Machucar

Um Em Poucos Todos Nós

Setlist Nations

Intro *

Arca

Identity

Reconnecting

Madness

Warship

Setlist Silent Planet

Lights off the Lost Coast *

Offworlder

Collider

Euphoria

Dreamwalker

Antimatter

Panic Room

:Signal:

Anunnaki

Cornfield Chase (Interestelar/Hans Zimmer)

The Overgrowth

Mindframe

Panopticon

SUPERBLOOM

 

Bis

Native Blood

Trilogy

 

* (pelo sistema de PA)

 

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