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CANNIBAL CORPSE e NAPALM DEATH: 14 de setembro de 2018, Rio de Janeiro/RJ

Nem mesmo a chuva que desabou em vários pontos do Rio de Janeiro impediu o Circo Voador de receber um belo público para o início da turnê brasileira de dois pesos-pesados do metal extremo: Cannibal Corpse e Napalm Death, que depois tinham devastações marcadas para mais sete cidades (São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Manaus, Fortaleza e Recife). Tudo bem que era noite de sexta-feira, mas o pé-d’água resolver dar as caras umas duas horas antes de soar a primeira nota – e olha que a Lapa, onde fica o Circo Voador, é um bairro acostumado a deixar pessoas ilhadas em bares, esperando que as ruas alagadas voltem a ser transitáveis. Mas, enfim, o que não falta é bar para matar o tempo.

Fazendo valer a origem britânica, o Napalm Death começou pontualmente mais uma apresentação que, preciso fazer o registro, serve como argumento para derrubar viúvas desse ou daquele músico que não faz parte da banda. E me refiro a qualquer banda. Sem nenhum integrante da formação original, o quarteto hoje formado por Mark “Barney” Greenway (vocal), Shane Embury (baixo), Danny Herrera (bateria) e John Cooke (guitarra) matou a pau. Tudo bem que os três primeiros são veteranos, mas o último ainda é calouro – Mitch Harris compõe e grava, mas não sai em turnê desde 2014, quando Cooke passou a substituí-lo no palco.

“Multinational Corporations”, uma das seis faixas extraídas do clássico álbum de estreia, “Scum” (1987), abriu os serviços para mostrar uma coisa: é preciso tirar o chapéu para Barney, e não necessariamente pela forte garganta. Na verdade, pela presença completamente hipnótica. Dá gosto de vê-lo agitando como uma criança, correndo até meio desengonçadamente pelo palco – de longe, parecendo até mesmo John Cleese na meia-idade num quadro do Monty Python para zoar maratonistas. Aliás, fico imaginando quantos quilômetros o vocalista não correu nos 70 minutos de show…

E Barney estava tão alucinado que quebrou o microfone já na segunda música, “Instinct of Survival”, que contou com Cooke para segurar a onda até um roadie deixar tudo em ordem. “Amor e paz, meus amigos”, foram as primeiras palavras dirigidas ao público, bem inseridas nos pequenos discursos ao longo do set. E os destaques foram vários num repertório de 23 músicos, a ponto de valer citá-los um a um. A começar por “Practice What You Preach”, massacre sonoro que deixou Barney tão elétrico a ponto de ele ficar dando voltinhas no palco antes da canção seguinte.

Depois, a lembrança da participação do saxofonista John Zorn em “Everyday Pox”, música que a tornou a roda na pista ainda mais absurda, assim como fizeram “Silence is Deafening”; “Call That an Option?” e seu discurso contra as armas nucleares; e “Suffer the Children”, com seu alerta para o mal causado pela religião e suas interferências. Não foi a primeira intervenção política, digamos assim – isso aconteceu com a referência ao fascismo em “Control”, que precedeu os menos de cinco somados de “You Suffer” e “Dead”. “Duas canções muito diferentes”, brincou Barney –, mas a melhor ainda estava por vir.

Bradando “espírito de fraternidade e solidariedade”, Barney anunciou “Nazi Punks Fuck Off”, do Dead Kennedys. Ao fim da cacetada (e de uma belíssima roda), a resposta do público veio, com o perdão do bom francês, com um coro em homenagem àquele deputado federal fascista, racista, machista, misógino e homofóbico que concorre à Presidência da República: “Pau no cu do Bolsonaro”. “Não estou entendendo nada. Alguém pode traduzir para mim?”, pediu o vocalista, que soube o que os fãs estavam gritando e assinou em baixo: “Ótima sugestão”. E se estava bom demais, “Inside the Torn Apart” foi um desfecho digno de um baita show.

O intervalo poderia ter durado mais de uma hora que os ânimos continuariam exaltados, no melhor sentido. E os fãs fizeram com que o Cannibal Corpse acompanhasse a arrebatadora apresentação da atração de abertura. Sim, os fãs, porque, convenhamos, os integrantes da banda nova-iorquina não passam do palco a mesma energia para a plateia. Isso é fato, mas há um ponto que pode ser discutido como subjetivo: o sentimento de já-ouvi-isso-antes-e-neste-mesmo-show que permeou a apresentação de 75 minutos de George “Corpsegrinder” Fisher (vocal), Pat O’Brien e Rob Barrett (guitarras), Alex Webster (baixo) e Paul Mazurkiewicz (bateria).

Mas, ressaltando de outra maneira, os fãs não estavam nem aí para isso. Bastava reparar na roda animal em “Only One Will Die”, que veio na sequência de “Code of the Slashers” e abriu caminho para o riff matador da faixa-título do trabalho mais recente, “Red Before Black” (2017). Três das quatro músicas extraídas do 14º disco de estúdio da banda. As três primeiras do trabalho que, mesmo em ordem trocada, foram tocadas sem sair de cima – e vamos tirar o chapéu, porque o Cannibal Corpse basicamente passou a limpo a sua trajetória, esquecendo apenas os álbuns “Gallery of Suicide” e “Gore Obsessed” (2002).

E entre as favoritas dos fãs que mais se destacaram, como “Evisceration Plague”, “Kill or Become”, “Devoured By Vermin” e “A Skull Full of Maggots”, era impossível não se impressionar com a estupidez instrumental de Webster e O’Brien, porque é simplesmente absurdo o que esses dois tocam. E quando Corpsegrinder deixava de lado seu gutural assustador e parava de bater cabeça alucinadamente – ou seja, quando resolvia falar com o público –, mostrava um senso de humor, digamos assim, que não combina com um sujeito daquele tamanho.

“Você tirou da mão dele. Isso é sacanagem”, disse ele antes de “The Wretched Spawn”, pegando outra garrafa d’água e entregando com segurança na mão do fã que havia sido surrupiado. “Se vocês estão interessados em bater cabeça, esta é a música. Tentem me acompanhar. Vocês não vão conseguir, mas podem tentar assim mesmo”, provocou antes “I Cum Blood”, responsável pela roda mais matadora de toda a noite. E não, ninguém conseguiu acompanhar Corpsegrinder. Até mesmo as sete pessoas, incluindo duas meninas, que subiram ao palco na canção seguinte, “Make Them Suffer”, para bater cabeça e foram gentilmente convidadas a voltar para a pista. Gentilmente, mesmo, porque o oitavo fã não teve a mesma sorte, uma vez que o roadie que ficava ao lado da bateria obviamente perdera a paciência.

“Esta é a última música da noite, mas se vocês agitarem bastante… Bem, ela continuara sendo a última música da noite”, Corpsegrinder deu uma zoada antes de “Call That an Option?”. Os fãs agitaram como se fosse, mas obviamente não era. E eles sabiam disso. Estavam todos esperando uma canção específica, como bem anunciou o vocalista: “Vamos tocar mais uma, e vocês sabem qual. Mas vou dizer assim mesmo”. E “Hammer Smashed Face” fez o Circo Voador estremecer com o coro em alto e bom som dos fãs. Duas bandas e duas horas e 25 minutos de música extrema para uma cidade que merece uma sacudida do mesmo nível.

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