O 2018 do Angra foi ótimo e está se encerrando com saldo positivo. ØMNI, seu novo álbum, atendeu as expectativas dos fãs e em poucos meses o grupo correu os palcos do mundo se apresentando, por exemplo, em países da América do Norte (Estados Unidos e Canadá) e da Europa, além de lugares como Japão, Taiwan e Coreia do Sul. E foi em clima de celebração que o Angra abriu o mês de dezembro, realizando em São Paulo o 101° show da “ØMNI World Tour”, ocorrido pela segunda edição do “Angra Fest”. Para o público, outro atrativo foi o fato de que o cast do evento era composto de tarimbadas bandas paulistanas, representantes de gêneros distintos. Teve não só para quem curte o heavy/power/prog metal do Angra, como também para fãs do thrash metal da Nervosa, do metalcore do Project 46, do pop rock alternativo/post-grunge do Malta e do hard rock (com doses de rock progressivo) do Dr. Sin. Em nota, o guitarrista Rafael Bittencourt havia comentando o conceito do “Angra Fest”: “Esse é um sonho que eu tenho há muito tempo. Um festival que celebre nossa história, reunindo vários artistas e bandas”, explicou. “Nós inspiramos o público e os músicos aspirantes a profissionais e isto é muito importante num país onde a esperança de sucesso e prosperidade é massacrada por instabilidades morais e econômicas.”, ressaltou. “Quero que o Angra seja um polo de união entre bandas e artistas, fortalecendo a cena e o prestígio do metal nacional no mundo”, concluiu.
Quem abriu a noite, com peso bruto, foi o trio Nervosa, que, assim como o Angra, teve uma agenda bastante cheia no Brasil e no exterior em 2018. Fernanda Lira (vocal e baixo), Prika Amaral (guitarra) e Luana Dametto (bateria) seguem na divulgação de Downfall of Mankind (2018) e deram início ao show com uma dobradinha formada pelas “porradeiras” Horrordome e …and Justice for Whom?, de seu mencionado terceiro álbum. Tendo pouco tempo de set, no intervalo entre algumas músicas a sempre comunicativa Fernanda foi econômica nas palavras, mas interagiu com o público com a simpatia que lhe é habitual. Em outras das novas, especificamente Never Repeat, Never Forget e Raise Your Fist!, a competente Luana foi simplesmente cavalar nos bumbos!
Luana, Fernanda e Prika agitaram o público e foram ovacionadas, principalmente após Kill the Silence, em que o trio ouviu o nome Nervosa ser aclamado em coro. Os dois momentos em que a banda mais agitou os headbangers de plantão aconteceram com Death! – música que considero ser a melhor do debut Victim of Yourself (2014), principalmente pela parte das paradinhas mortais do final -, e com uma das mais conhecidas, Masked Betrayer. Porém, foi na derradeira Into Moshpit que a pista esquentou com as rodas feitas após o sinal de comando de Fernanda. Pena que a banda não incluiu em seu repertório uma música que gosto muito e que também faz parte de seu primeiro álbum: Urânio em Nós.
Vinte minutos após o show da Nervosa foi a vez de o Project 46 entrar em ação e recarregar o nível de brutalidade. Caio MacBeserra (vocal), Jean Patton e Vinicius Castellari (guitarras), Baffo Neto (baixo) e Betto Cardoso (bateria) chegaram tendo o público nas mãos. Mesmo com o som embolado no começo, o quinteto instalou o caos no local com duas tijoladas: Terra de Ninguém e TR3S – ambas do terceiro e mais recente álbum TR3S, que foi eleito pelos leitores da ROADIE CREW como o “melhor álbum de 2017”. E não é difícil sacar o porquê de o Project ser uma das bandas mais aclamadas do metal nacional, principalmente pelo público mais jovem. A técnica, a velocidade e a agressividade instrumental, a linguagem urbana de MacBeserra para tratar de temas do cotidiano, além da atitude do quinteto no palco, são motes certeiros. Continuando, as também novas Pode Pá, Pânico e Rédeas foram boas escolhas para o set, mas foi em músicas mais antigas como Violência Gratuita, Erro + 55, Foda-se (Se Depender de Nós) e na derradeira Acorda Pra Vida, na qual rolou até ‘wall of death’ organizado por MacBeserra, que o Project 46 viu o público ensandecer.
Ao final do show do Project 46, bati um papo com o simpático Betto Cardoso, que se mostrou favorável a ideia de o “Angra Fest” proporcionar a união de estilos: “Pra nós, particularmente, é sensacional esse conceito de misturar gêneros, pois acabamos sentido a receptividade ao nosso tipo de som por um outro público. Apesar de ter bastante fã nosso aqui hoje, acho que os do Angra nos aceitaram muito bem. É importante essa mistura. Ter o Malta aqui e a galera respeitando é demais. O Brasil tem muito disso, de festivais de vários gêneros, e isso é algo bem nosso. Ver essa recepção do público é fantástico. Fora que todo mundo das bandas é amigo, um admira o trabalho do outro. Outra coisa legal é que você pega, por exemplo, um fã de Angra, de repente ele fica assustado de ouvir um ‘blast beat’, um gutural… E esse tipo de festival serve pra isso, talvez essa mesma pessoa chegue em casa hoje e coloque Project 46 no Spotify. Quem sabe no próximo show ela compre o disco? E é assim que a coisa vai rolando…”, vibrou.
Dando continuidade, uma das grandes surpresas do evento foi a presença do Dr. Sin, que recentemente anunciou nova formação e, após dois anos, retomou a carreira de mais de vinte. O grupo entrou tocando a clássica Scream and Shout, de seu homônimo primeiro álbum, mas, infelizmente, o som estava muito baixo. Apesar disso, o público recebeu calorosamente a banda e gritou “Dr. Sin” em coro. Na pausa, Andria e Ivan apresentaram o novo guitarrista Thiago Melo, bem como o tecladista convidado Rafael Agostino (Armored Dawn), e anunciaram a nova música: Lost in Space. Tal single, que está disponível, inclusive, em videoclipe, já estava na ponta da língua de alguns fãs. Com o volume agora bem regulado, deu pra sacar com clareza o solo e a pegada de Melo. Na pausa seguinte, a plateia novamente entoou o coro e Andria se ajoelhou para agradecê-la pela receptividade. A seguir, Time After Time, do álbum Dr. Sin II (2000), agitou ainda mais o local.
A cada música que ia sendo executada, Fire, Sometimes, Dirty Woman – em que o trio tirou de letra a falha de som que aconteceu no decorrer, fazendo um improviso tão certeiro e inteligente que parecia até ensaiado -, Miracles e Fly Away, Thiago Melo (que de touca e cabelo crescendo estava parecendo o ex-Motörhead Phil Campbell) mostrava que os Busic acertaram em escolhê-lo como novo membro do Dr. Sin. Isso não só por conta do entrosamento que há entre os três desde a banda solo dos irmãos, mas também porque o acreano segurou bem a bronca de executar os riffs, arranjos e solos deixados por um dos melhores guitarristas do país. Aliás, foi muito legal ver Edu Ardanuy acompanhando o show pelo camarote e também a mensagem de carinho que Andria lhe mandou do palco. E tão bacana quanto, foi a reação do público que em todos os intervalos entre as músicas continuou bradando nome da banda, principalmente após o trio se despedir executando o hino Emotional Catastrophe. Definitivamente, o respeito que o público tem pelo Dr. Sin, mostra que o legado do grupo está decretado como parte importante e influente na história da música pesada nacional.
Um dos momentos mais especiais do evento foi ver que, mesmo que alguns torçam o nariz para o Malta, qualquer resquício de conduta de rejeição caiu por terra tão logo o grupo deu as caras. Quem ali não conhecia a fundo o repertório e se deixava levar pelo ‘pré-conceito’ de achar que o som do Malta é constituído de baladas babas, devido ao rótulo de “rock romântico”, e também criticava a banda pelo fato da veiculação na grande mídia televisiva – a partir da participação vitoriosa em 2014 na primeira temporada do show de talentos “Superstar”, da Rede Globo – se não virou fã, ao menos teve uma nova e boa impressão do quarteto. E o público não só demonstrou respeito por Luana Camarah (vocal), Thor Moraes (guitarra), Diego Lopes (baixo) e Adriano Daga (bateria), como também os aplaudiu em diversos momentos do show. Contando com uma qualidade de som redonda desde o início com Igual A Ninguém, o grupo, que já conquistou muitos prêmios nacionais e internacionais, além de indicações ao Grammy Latino, mostrou carisma e atitude.
Exceto pela própria Igual A Ninguém, do álbum Indestrutível (2016), e também Nova História e Supernova, do debut Supernova (2014), o grupo preparou um setlist baseado em seu ainda não lançado quarto álbum, intitulado IV. E foi exatamente em uma das novas músicas que o Malta proporcionou um dos melhores momentos de sua apresentação. O grupo contou com participação do super aplaudido ex-Dr.Sin e atual Sinistra Edu Ardanuy, que detonou em Manipulação, música que em estúdio teve a colaboração do ex-Guns N’Roses e atual Sons of Apollo Ron “Bumblefoot” Thal. Porém, o ponto alto aconteceu no cover de Bohemian Rhapsody do Queen – vale lembrar que o Malta tocou na première do aclamado filme de mesmo nome, que, por sinal, tem sido bastante elogiado. Com imagens do clipe no telão e fazendo divisões com partes sampleadas da música original, o Malta contou com o apoio do público, que não só comemorou, como cantou à plenos pulmões cada verso desse clássico imortalizado por Freddie Mercury, Brian May, John Deacon e Roger Taylor. Pronto: o público estava ganho de vez pelo Malta, que depois dessa se despediu com a citada Supernova. Que bom seria se o exemplo do que aconteceu nessa apresentação do Malta servisse para parte do público de rock/metal que vomita preconceito mudasse o comportamento e passasse a respeitar o trabalho musical de quem quer que seja.
Tudo estava dentro dos conformes e o cronograma sendo seguido a risca no “Angra Fest 2” por cada uma das bandas de abertura. As atenções agora eram totais para os donos da festa. Porém, mesmo com o palco tendo ficado pronto rapidamente, o Angra levou mais de meia hora para assumi-lo. E quando Fabio Lione (vocal), Rafael Bittencourt e Marcelo Barbosa (guitarras), Felipe Andreoli (baixo) e Bruno Valverde (bateria) chegaram tocando Newborn Me, do penúltimo álbum Secret Garden (2014), a histeria foi geral. Na sequência foi a vez de apresentar o álbum ØMNI, através de Travelers of Time, que se destacou pelas guitarras gêmeas e pela parte cantada por Bittencourt. Vale lembrar que essa música foi a primeira do novo álbum a ser mostrada aos fãs da banda, através do ‘audio premiere’ que rolou na primeira edição do “Angra Fest”, realizada no dia 26 de novembro de 2017. Após Waiting Silence, a qual no começo rolou uma breve falha no microfone de Lione, o vocalista ressaltou a importância desse show, por ser o 101° da turnê, agradeceu aos fãs e ressaltou que a banda estava muito feliz de estar comemorando esse momento com o público paulistano.
Uma das mais legais de ØMNI, a climática Insania, caiu bem ao vivo, tanto quanto a divertida e pesada Caveman, com partes cantadas pelos backing vocals em português e referências da música regional brasileira, o que, automaticamente, fez lembrar do álbum Holy Land, de 1996. Não faltou o tradicional momento reservado ao solo de Valverde, que foi anunciado por Lione sob elogios como “monstro” e “gênio da batera”. Dando sequência, Bittencourt foi ao microfone, agradeceu ao público e as bandas de abertura, falou do fortalecimento da cena metal nacional e comemorou os 27 anos do Angra, brincando com o fato de que muitos ali nem tinham nascido quando a banda foi formada. Para empolgação geral, o líder guitarrista anunciou a convidada Mayara Puertas (ou simplesmente May Undead), vocalista do Torture Squad, que foi confirmado para 2019 no gigante “Rock in Rio”. E ela mandou muito bem em Black Widow’s Web, fazendo com perfeição tanto a parte lírica gravada em estúdio pela cantora pop Sandy, quanto os guturais feitos no disco por Alissa White-Gluz, do Arch Enemy.
A partir dali, o show continuou com uma sequência que alternava músicas de outros discos à ØMNI – Silence Inside, The Bottom of My Soul e Magic Mirror de ØMNI. Para o bis, o Angra retornou com alguns clássicos: Rebirth e o medley de Carry On e Nova Era. Só que por conta conta do atraso do Angra em iniciar seu show, muita gente que dependia de transporte público resolveu ir embora antes do final do evento. Aliás, abro parênteses aqui para um puxão de orelhas. Devido, principalmente, à onda de violência que é cada vez mais assombrosa no país e falta de transporte na madrugada, as bandas e envolvidos deveriam se atentar mais quanto aos horários de shows, para que o público possa assistir todo o evento e retornar com tranquilidade para casa. Quem precisou ir embora, perdeu a surpresa final do Angra, que foram os covers de Walk (Pantera), com participação de Fernanda Lira e Jean Patton, e de Highway to Hell (AC/DC), com Edu Ardanuy, Luana Camarah e Adriano Daga. Ao som de ØMNI – Infinite Nothing rolando ao fundo, o grupo se despediu e partiu para Salvador (BA), onde no dia seguinte realizou seu último show do ano.
E quem pensa que a aliança formada no “Angra Fest 2” terminou por aí, músicos do Angra, Malta, Dr. Sin, Project 46 e Nervosa participarão no próximo dia 09 de dezembro (domingo), do evento “Fórmula FuteRock Edifier”, que acontecerá no R11 Speed Way Kart Indoor, localizado no subsolo do hipermercado Extra Morumbi, na Marginal Pinheiros, em São Paulo. O evento começará às 18hs e a entrada será um quilo de ração, que será doado para a ONG de proteção aos animais, Patinhas da Liberdade. Voltando a falar do Angra, o grupo se prepara agora para iniciar com tudo o ano de 2019, e anunciar para os meses de Maio e Junho a turnê do DVD ØMNI Live.