O Angra quebrou o protocolo ao retornar ao Rio de Janeiro num curto intervalo de tempo, menos deis meses depois de seu último show na cidade. Saindo do Circo Voador para a Fundição Progresso, uma casa bem maior, a banda renovou o interesse em uma nova apresentação da mesma turnê ao transformar a noite num minifestival, dando a Tuatha de Danann e Massacration a missão de aquecer o público. Um combo interessantíssimo, uma vez que, musicalmente, os dois grupos mais agregam do que dividem os fãs que basicamente queriam curtir apenas e tão somente power metal melódico.
Com um atraso considerável no cronograma – os portões não abriram na hora marcada, e ainda rolava passagem de som enquanto o público entrava no local –, coube ao Tuatha de Danann fazer as primeiras honras. E apesar de o som ter atrapalhado mais os músicos do que a plateia, a banda mineira fez um belíssimo show. Primeira faixa de Dawn of a New Sun (2015), o disco da volta, We’re Back abriu também a apresentação de 45 minutos, e a resposta que veio da pista pode ser resumida como um “esperamos que vocês continuem por aqui e não vão mais a lugar algum”.
Apresentando dois novos integrantes aos cariocas – o guitarrista Julio Andrade substituiu Rodrigo Berne, e o batera Rafael Salobreña assumiu as baquetas de Rodrigo Abreu –, Bruno Maia (vocal, guitarra, flauta e mandolin), Giovani Gomes (baixo e vocais) e Edgard Brito (teclados) ainda contaram com as participações mais que especiais de Roger Vaz no violino e de Alex Navar na gaita de fole. O mais importante, no entanto, é que a essência do grupo de Varginha não se perdeu: todos brilham intensamente. Como Vaz na ótima Rhymes Against Humanity, que tem instrumental e melodias vocais de tirar o chapéu; ou como Gomes, que mata no peito os vocais rasgados no clássico Tan Pinga Ra Tan.
“Estou morrendo”, brincou Maia, por causa do calor, antes da excelente The Brave and The Herd, cuja letra está mais atual do que nunca em virtude do momento do país e dos quatro anos que se avizinham. Clássico do segundo disco, como anunciou o vocalista e multi-instrumentista, The Last Words foi a única amostra de The Delirium Has Just Began… (2002) e mostrou o talento de Andrade nas seis cordas. Hora de voltar ainda mais no tempo, e Us, do EP Tuatha de Danann (1999), veio com uma recordação de Maia: “Um de nossos primeiros shows fora de Minas Gerais foi no Rio, lá no Garage”.
Boa e agradável lembrança antes de um momento muito aguardado pelos fãs – porque foi ótimo reparar que havia um bom número de admiradores da banda, diga-se: a execução de material de Trova di Danú (2004). Assim, Believe: It’s True!, principalmente, e Land of Youth foram um bálsamo para quem não pôde ver o Tuatha de Danann em 2015, no acanhado Teatro Odisseia. Antes do encerramento festivo com a ótima The Dance of the Little Ones, outra de Tingaralatingadun (2001), Maia lembrou que o grupo “não teve tempo de passar o som direito”, se desculpando porque estava “tudo capenga”.
O talento passou por cima dos obstáculos, mas então que o Tuatha de Danann volte em breve ao Rio para um show completo, porque as novas músicas recém-divulgadas – The Tribes of Witching Souls e Your Wall Shal Fall, de um EP a ser lançado em breve (procure por elas no YouTube, porque a primeira tem lyric video, e a segunda ganhou um videoclipe bem bacana) – mostram que os mineiros continuam trazendo com maestria a música celta para o mundo do pop, do prog e do metal.
Detonator (vocal), Metal Avenger (guitarra solo), Headmaster (guitarra base desplugada), El Muro (baixo) e El Perro Loco (bateria). A formação ao vivo do Massacration subiu ao palco para entreter e irritar. Entreter aqueles que levam na esportiva a zoação com os estereótipos do heavy metal, e assim conseguem se divertir com as piadas (ou boa parte delas), e irritar aquela parcela significativa que ratifica o conservadorismo do público de rock pesado – um conservadorismo que vem ultrapassando até mesmo a barreira da música, infelizmente.
Mas se você se encaixa no primeiro grupo, então saiba que, apesar de uma forçada de barra aqui e ali, e também considerando a exagerada duração de 65 minutos, o show arrancou boas risadas. A começar por Metal is the Law, que abriu a apresentação provando que não cansa nunca ver um monte de headbangers cantando “Ai, ai, ai, em cima, embaixo, puxa e vai” e fazendo a coreografia do corinho que surgiu entre torcedores das seleções de vôlei e virou sinônimo de uma geração de torcedores de grandes eventos. E é inegavelmente engraçada a inserção de “Atirei o pau no gato” no solo de Metal Milkshake, que contou também com cosplay de Michael Jackson e a menção a Billie Jean.
É um humor muito mais agradável do que, claro, os excessos preconceituosos de qualquer tipo. Ou de piadas realmente sem graças, como em The Mummy, a “música do faraó de 2.000 anos” – “Para quem está morto, até que ele está bem vivo” soou como gracinha daquele tiozinho que deseja se enturmar. E foi depois disso que Headmaster – o comediante Adriano Pereira, que fazia o personagem Joselito no programa Hermes e Renato – finalmente chegou para fazer o show, já que tinha perdido a hora ao passar na Vila Mimosa. E vá lá que foi engraçado mesmo o momento em que cantou o rap em homenagem ao local (se você não é do Rio, pesquise no Google).
E assim seguiu o show de Detonator e companhia – em tempo: Bruno Sutter é inegavelmente um cantor talentoso e, mais que isso, merece muito crédito por ser um empreendedor que corre atrás de verdade –, numa sequência de altos e baixos. Depois da dispensável The Bull, foi possível se divertir novamente com Metal Glu-Glu – meu amigo, Mallandrovsky era bom demais! –, a ponto de o público entrar na brincadeira com gritos de “Puta que pariu! É a melhor banda do Brasil”. Let’s Ride to the Metal Land (The Passage is R$ 1,00), por sua vez, até teve bons momentos, como a tirada de onda com Roberto Carlos com um “Não para, não para, não para”, adaptação de parte da letra de Amigo.
Em Evil Papagali, Detonator foi para a bateria depois de demitir El Perro Loco, identidade de Ricardo Confessori (Shaman, ex-Angra), que havia tirado a máscara na música anterior. A música colocou o público para cantar o refrão, mas engraçado mesmo foi o diálogo entre Headmaster – “Olha, não é o Aquiles Priester?” – e o próprio vocalista – “Não é o Aquiles, seu burro. É o Ricardo.” E foi com Confessori de volta à bateria e com um monte de mulheres no palco, as Massacretes, que o Massacration levou a música que tem o seu nome.
Começava assim o ápice da apresentação. O público não se furtou de gritar “Lindo, tesão, bonito e gostosão” para Detonator, mas o melhor veio mesmo com Metal Massacre Attack (Aruê Aruô), cujo refrão continua sendo uma boa piada, e Metal Bucetation. Principalmente esta última, que representa muito bem a ideia do Massacration: são fãs zoando aqueles estereótipos do metal, não oportunistas, e isso explica o fato de o clássico maior da banda ser uma mistura de Helloween (repare bem: tem um trecho de The Dark Ride) com Manowar (mas sem as tanguinhas e os corpos besuntados de óleo).
O Angra havia prometido o seu melhor show no Rio de Janeiro em toda a história. Bom, isso vai da perspectiva ou da idade de cada fã, mas é verdade que a apresentação foi muito superior à do Circo Voador, no dia 31 de maio. O setlist, que privilegiou ØMNI com sete músicas e deixou ainda mais para trás a primeira fase da banda, foi o primeiro responsável, mas o principal foi mesmo Fabio Lione. Se na apresentação anterior ele sofreu com problemas no seu retorno, a ponto de se irritar como poucas vezes vi um músico se irritar no palco, desta vez, com tudo em ordem, o que o italiano cantou foi covardia.
Isso se refletiu no show, uma vez que Lione, Rafael Bittencourt (guitarra e vocal) e Marcelo Barbosa (guitarra), Felipe Andreoli (baixo) e Bruno Valverde (bateria) pareciam estar nas nuvens. Em reta final da turnê em 2018 – depois do Rio, serão apenas mais quatro apresentações, em Juiz de Fora, Belo Horizonte, São Paulo e Salvador, totalizando 103 datas no ano –, o clima era de tal leveza que os risos entre os integrantes eram fáceis. Newborn Me e Travelers of Time deram a arrancada, mostrando uma nova era que consegue se sobressair a alguns momentos do passado, como Waiting Silence, que foi tocado em seguida – a bem da verdade, a banda poderia começar a explorar outras canções de Temple of Shadows (2004).
“Depois de seis anos, o Brasil é a minha segunda casa. Aqui é diferente. Obrigado!”, agradeceu Lione. “E nesta noite teremos algumas surpresas.” Antes, no entanto, um clássico obrigatório, e Nothing to Say previsivelmente colocou a casa abaixo, apesar de o cansaço do público já ser sentido, graças ao atraso em toda a programação. Por não ser uma das novidades prometidas, Insania agradou, mas não tanto quanto Caveman, que fez bonito com seu groove brasileiro. E se era para surpreender resgatando algumas joias, então o quinteto acertou na mosca com Acid Rain.
Mas teve solo de bateria, felizmente curto, mas que provou ser desnecessário a partir do momento em que os fãs, em vez de absorver os detalhes da técnica de Valverde, se impressionam mais quando ele roda baquetes. Assim como Insania, Black Widow’s Web também não foi uma estreia para os cariocas, mas se considerarmos que finalmente Lione pôde cantá-la sem brigar com o retorno, principalmente na hora de reproduzir os guturais originalmente gravados por Alissa White-Gluz (Arch Enemy), vale dizer que valeu como se fosse a primeira vez. E que
música sensacional!
A prog Upper Levels até deu uma esfriada na plateia, no caso porque é necessário prestar atenção no intrincado instrumental, mas a maravilhosa Spread Your Fire funcionou como despertador. A riqueza de detalhes de ØMNI – Silence Inside surtiu o mesmo efeito de Upper Levels nos fãs, e foi aí que Lione precisou intervir. “Quero que vocês cantem com a força do coração, da alma”, disse ele antes de colocar o público para acompanhá-lo no que para ele são meros exercícios para aquecer a voz. “Porque a banda vai descansar um pouco.” E tirou onda até com um fã na fila do gargarejo, na zoação mesmo: “Não quero ninguém enfartando esta noite, e assim você vai acabar morrendo”.
Mais uma inédita de ØMNI no Rio, The Bottom of My Soul trouxe Bittencourt nos vocais e deu um descanso para Lione, que voltou para dar um show particular em Morning Star, talvez a melhor das surpresas da noite. Viu como é bom, na hora de pinçar algo da obra-prima The Temple of Shadows, fugir um pouco de Waiting Silence ou Angels and Demons? O sorriso no rosto continuou com Magic Mirror, talvez a melhor das músicas do novo álbum, uma daquelas obras de rara felicidade. E se o show terminasse aí, teria valido a pena, até porque o bis foi aquele que a maioria dos presentes – senão todos – já testemunhou algum dia. Mas não só por isso.
Na volta para o palco, Bittencourt soltou um “obrigado ao público e ao ex-integrantes, presentes de alguma maneira no show”, mas Rebirth só foi tocada depois de uma desnecessariamente longa apresentação da banda – já era madrugada de sábado, e sorte dos que estavam ali e não precisariam acordar cedo. Mas Rebirth foi funcional como sempre e teve ajuda da contemporânea Nova Era, que mais uma vez transformou Carry on em coadjuvante de luxo, mostrar como o Angra pode, com trocadilho mesmo, renascer a cada mudança de fase.
Setlist Angra
1. Newborn Me
2. Travelers of Time
3. Waiting Silence
4. Nothing to Say
5. Insania
6. Acid Rain
7. Caveman
8. Bruno Valverde Drum Solo
9. Black Widow’s Web
10. Upper Levels
11. Spread Your Fire
12. ØMNI – Silence Inside
13. The Bottom of My Soul
14. Morning Star
15. Magic Mirror
Bis
16. Rebirth
17. Carry on/Nova Era
Setlist Massacration
1. Metal is the Law
2. Metal Milkshake
3. The Mummy
4. Metal Dental Destruction
5. The Bull
6. Metal Glu-Glu
7. Let’s Ride to the Metal Land (The Passage is R$ 1,00)
8. Evil Papagali
9. Massacration
10. Metal Massacre Attack (Aruê Aruô)
11. Metal Bucetation
Setlist Tuatha de Danann
1. We’re Back
2. Rhymes Against Humanity
3. Tan Pinga Ra Tan
4. The Brave and The Herd
5. The Last Words
6. Us
7. Believe: It’s True!
8. Land of Youth
9. The Dance of the Little Ones