Que excelente oportunidade os fãs paulistanos do Sepultura tiveram no último dia 30 de março para prestigiar mais um curso da turnê do ótimo e bem sucedido Machine Messiah, 14° álbum do grupo, lançado há dois anos. Derrick Green, Andreas Kisser, Paulo Jr. e Eloy Casagrande proporcionaram um show a céu aberto, em bom horário e, melhor ainda, com entrada franca. Resultado: o público compareceu em peso. A estimativa foi de sete mil pessoas. E o interessante é que o local escolhido para a realização do show estava recebendo o Sepultura pela primeira vez em sua história. Falo do Sesc Pq. Dom Pedro II. Localizado na Praça São Vito, em frente ao famoso Mercado Municipal de São Paulo, trata-se de um Sesc bastante aprazível, apesar de ficar próximo à região da tradicional 25 de Março, famosa rua, reconhecida como o maior centro comercial da América Latina, porém também por corriqueiros assaltos. Confesso que, devido à essa parte negativa da fama que a região possui, mais a falta de revista por parte da segurança, tive certo receio de que ocorresse algum tipo de delito no local. Felizmente, não houve relatos à respeito e o show rolou com tranquilidade, inclusive com a presença de famílias e crianças.
Passados apenas poucos minutos do horário marcado, 18h, o Sepultura entrou em cena após o prenúncio com a macabra introdução The Curse, tocando Bestial Devastation. Via-se que alguns jovens fãs da banda não estavam tão familiarizados com essa primeira música, de 1985, no entanto, os mais devotos se arrepiaram e a agitaram do primeiro ao último acorde. Ter começado o show com uma música de seu primeiro EP (também chamado Bestial Devastation), explica-se no fato de que o Sepultura havia preparado um setlist especial, que começaria por músicas da fase com Max Cavalera, sendo que todos os álbuns gravados com o ex-vocalista seriam representados por uma música cada um, em ordem cronológica. Assim sendo, o hino Troops of Doom revisitou o debut Morbid Visions (1986), com a guitarra de Andreas Kisser sumindo no final. Por competência da equipe técnica da banda, o problema foi rapidamente reparado e o que se viu a partir de então foi uma qualidade de som primorosa, que há muito tempo eu não ouvia em um show de thrash metal – e olha que estamos falando de um evento ‘open air’.
Dando sequência, a visceral Escape to the Void nos fez relembrar do respeitado Schizophrenia (1987), álbum que marcou a entrada de Kisser no lugar de Jairo “Tormentor” Guedz, guitarrista que recentemente anunciou a volta do The Mist, outra banda cultuada do thrash metal mineiro, a qual tocou alguns anos após sair do Sepultura. Falando em Schizophrenia, é importante ressaltar sua importância para os rumos que o Sepultura tomou a partir de então. Nesse segundo disco a banda mostrou evolução, deixando pra trás o death/black metal cru e ingênuo que a revelou, para investir em um thrash metal amadurecido, constituído de músicas mais técnicas, encorpadas e consistentes. Continuando, o som mecânico disparou a bela introdução de Beneath the Remains, que preparou terreno para a execução da música homônima desse terceiro álbum. Sob o famoso e enaltecedor coro dos fãs, com gritos de “Sepultura, Sepultura…”, veio Dead Embryonic Cells (também após introdução), uma das que mais gosto de Arise (1991), o favorito de muitos fãs (inclusive desse repórter) da fase com Max Cavalera, e que, em sua época, fez com que o Sepultura fosse, enfim, abraçado pelo mundo. Na cadenciada Territory, o quarteto reviveu o cavalar Chaos A.D. (1993), álbum que consagrou o Sepultura como uma das principais bandas da música pesada mundial. Finalizando essa primeira parte do show, após a introdução com berimbau tocado por Max, a banda mandou Attitude, do impactante e mundialmente influente Roots (1996).
Antes de dar prosseguimento, Andreas Kisser foi ao microfone, agradeceu o público paulistano e, mostrando-se entusiasmado com o Sesc Pq. Dom Pedro II, enalteceu: “Que show, que coisa mais sensacional estar aqui nesse lugar, no centro de São Paulo”, comemorou. “Eu sempre “tô” preso aqui nessa porra de trânsito, nunca tinha percebido esse lugar, e hoje a gente está fazendo essa festa sensacional, celebrando 35 anos de Sepultura. Graças à vocês, porra!”. E explicou: “Até aqui nós fizemos um setlist cronológico, desde o Bestial Devastation até o Roots, e agora vamos começar a fase Derrick Green!”. Depois de seu vocalista ter sido ovacionado pelo público, Kisser anunciou: “O primeiro disco que nós fizemos juntos foi em 1998 e essa música se chama Against”. Fazia tempo que eu não via a banda tocando-a ao vivo e foi ótimo que a incluíram no set, pois se trata de uma das mais legais de Against.
Ao contrário do que muitos pensavam, mesmo essa segunda parte do show tendo começado com uma música do primeiro álbum gravado por Green, não foi seguida uma nova ordem cronológica. A sequência foi quebrada quando o simpático vocalista anunciou a ótima Sworn Oath, que ao vivo proporciona climas instigantes. Foi a primeira de Machine Messiah, que considero o melhor álbum do Sepultura com Derrick Green. Melhor também com Eloy Casagrande. Desculpe-me, caro leitor, pela falta de decoro, mas, puta que pariu, vai tocar assim na casa do c****! Não sei se pelo fato de a qualidade de som estar “uma uva”, os arranjos que Casagrande ia agregando às músicas, principalmente nas que foram originalmente gravadas ou pelo baterista fundador Iggor Cavalera ou pelo atual Ego Kill Talent Jean Dolabella, soavam ainda mais impressionantes do que de costume. Sim, mencionei Dolabella porque após Sepultunation, de Roorback (2003), e a porrada False, de Dante XXI (2006) – essa, após rápida brincadeira com Another One Bites the Dust, do Queen -, rolou duas da fase do ex-baterista, What I Do!, de A-Lex (2009), e Kairos, do homônimo álbum lançado em 2011.
A sinfonia com canto gregoriano ouvida ao fundo evidenciava a sequência com The Vatican, de The Mediator Between Head and Hands Must Be the Heart (2013), álbum que marcou a estreia de Casagrande no Sepultura. A próxima foi a última da noite a representar Machine Messiah, falo do carro-chefe Phantom Self. Mais um gostinho de Arise aconteceu quando a banda tocou Orgasmatron (Motörhead) – numa versão bastante reduzida – e também a própria música homônima, que foi anunciada com o frontman dizendo num português bastante engraçado: “Nós vamos tocar uma música mais “maluco”, mais “figura”, um clássico do Sepultura”. Outra que manteve o nível de insanidade foi a música de abertura de Chaos A.D., Refuse/Resist, cantada em uníssono pelos fãs. Depois dessa, Green perguntou: “E aí galera, vocês querem mais uma? Estão cansados? É sabadão, São Paulo!”. Foi a deixa para Andreas Kisser perguntar ao vocalista, “Saturday Night? We’ll try it again?”, antes de iniciar um riff não tão certo, que me deixou atônito com a expectativa de ver algo inimaginável: Sepultura tocando Def Leppard! Infelizmente, não passou de uma brincadeira. Abruptamente, Kisser desistiu do riff de High ‘n’ Dry, se desculpou com a banda britânica e ouviu de Derrick: “quase, heim?”. Assim que o vocalista deu o comando, Eloy mandou a batucada percussiva de Ratamahatta, que incentivou o circle pit dos fãs no meio da pista. Emendada à Ratamahatta, veio outra de Roots, aquela que todos sabem que sempre encerra os shows do Sepultura: o hino Roots Bloody Roots.
Depois de uma hora e quarenta minutos de um show que teve todos os catorze álbuns do Sepultura sendo lembrados e ainda contou com as tradicionais rampas laterais, ótima iluminação e com Derrick Green tocando percussão em algumas músicas (como de praxe), o Sepultura se despediu, ao som ambiente da insólita You Make My Dreams (Daryl Hall & John Oates), não apenas do público paulistano, mas também dos fãs brasileiros de modo geral. Seis dias depois, a maior banda brasileira de todos os tempos já estava tocando na Ucrânia, dando início a mais uma perna da turnê de Machine Messiah, que até o mês de julho ainda passará por países como Russia, Cazaquistão, Mongólia, Quirguistão, Líbano, Turquia e França, antes de o Sepultura retornar ao Brasil para se apresentar em mais uma edição do megafestival “Rock in Rio”, no dia 04 de outubro (chamado de “dia do metal”), abrindo o Palco Mundo, que também receberá Megadeth, Scorpions (e convidados) e Iron Maiden.