Mesmo com trinta anos de estrada nas costas, alguns fatos no mundo da música ainda desafiam a experiência e me aborrecem de verdade, principalmente quando ocorrem por livre e espontânea vontade dos envolvidos – mesmo que seja algo inevitável. Nesse pacote entram casas de show que fecham suas portas, músicos que simplesmente abandonam a carreira, vendem o equipamento e recomeçam a vida num emprego “normal” e bandas que resolvem encerrar atividades. E foi num início de noite de domingo enluarado e quente que acabamos por testemunhar o último show da vitoriosa carreira do Dr. Sin – uma noite alegre pelo astral do show e pela multidão que compareceu e triste pelos motivos óbvios. No meu caso, o negócio bateu até de um jeito mais forte, já que acompanho a banda desde antes de ela existir – explicando essa frase aparentemente mediúnica, a verdade é que uma de minhas primeiras entrevistas, nos idos de 1986, foi com o Platina, formado pelos irmãos Ivan e Andria Busic, pelo guitarrista Daril Parisi e pelo vocalista Sergio Seman. Depois disso, acompanhei os irmãos como Cherokee e com Wander Taffo, ou seja, já era praticamente um “veterano em Busic” quando os dois se juntaram a Edu Ardanuy e formaram o Dr. Sin. De lá para cá, foram várias coberturas de shows e entrevistas, o que criou uma boa camaradagem com Ivan e Andria. Minha última entrevista com o baixista aconteceu no início do ano passado, logo após o lançamento do sensacional Intactus, e nada ali dava mostras de que, pouco mais de um ano depois, estaria escrevendo a resenha do último show do trio
“Emoção” foi a palavra que melhor definiria tudo o que aconteceu durante as quase duas horas em que Andria, Edu e Ivan estiveram no palco da Concha Acústica de Campinas. Se todos os shows da turnê tiveram sabor de despedida, nesse caso isso se multiplicava por ser o último deles. Os três entraram em cena aparentemente bem relaxados, sorridentes e mostrando a competência de sempre. Down In The Trenches (de Brutal, de 1995) deu início aos trabalhos sob um som de boa qualidade, principalmente por se tratar de uma apresentação ao ar livre – um pouco mais de volume na guitarra talvez deixasse tudo perfeito.
O set foi exatamente o mesmo do apresentado na véspera, no paulistano Carioca Club. Mas o clima foi único. Pelo menos por duas vezes o coro de “não acaba não!” ecoou alto pelas arquibancadas do local, botando um sorriso na cara do trio – “será que eles vão reconsiderar?” muitos devem ter pensado. Mas a resposta veio em forma de música. Logo no início acontece o solo de Ivan Busic – rápido, curto, preciso e criativo. E aí você fica pensando: qual desses três é o melhor? Logo eles emendam Houdini, pra mim a melhor música do último disco, e o que Edu e Andria fazem desafia a lógica – não à toa, Ivan disse que os dois fazem mágica nesse tema, que não por acaso é sobre um dos maiores ilusionistas da história. E assim nossa pergunta inicial fica sem resposta: são três monstros em seus instrumentos que juntos conseguem ficar ainda melhores. Simples assim.
Os momentos de emoção foram vários, a ponto de alguém na plateia, lá pelas tantas, comentar com um amigo: “Cara, não vai dar, não. Eu vou chorar…” Certamente isso aconteceu logo na volta para o bis, momento em que Ivan assumiu o microfone para cantar Last Night I Had A Dream, de Randy Newman e trouxe à frente do palco sua mãe, d. Elza.
Mais alguns gritos de “não acaba não!”, mais duas músicas e era chegada a hora. Lógico que tinha que ter emoção até no nome: Emotional Catastrophe encerrou uma saga vitoriosa de 24 anos e ao seu final Ivan Busic, Andria Busic e Edu Ardanuy se despediram pela última vez do público sob o nome Dr. Sin.
Impossível não ficar triste. Claro que teremos ainda muita música vinda desses três, claro que as músicas do Dr. Sin serão apresentadas por eles em seus próximos trabalhos, sejam eles quais forem, e claro que, algum dia, os três vão acabar se reunindo num palco nem que seja só pra relembrar os velhos tempos. Mas não há dúvida de que aquele foi um final de noite de domingo muito mais chato do que costuma ser.