Talvez para os mais novos isso seja algo tão antigo e jamais visto como uma locomotiva a vapor, mas a verdade é que show de rock em teatros é algo que aconteceu muito, principalmente na cidade de São Paulo, nos anos 70 e 80. Era comum nomes do rock e até do à época incipiente metal se apresentarem em lugares como os teatros João Caetano e Paulo Eiró, na capital paulista. E estamos falando de teatros tradicionais, com palcos grandes, centenas de cadeiras, mezaninos, cortina, pé direito imenso etc.
Assim, foi um verdadeiro déjà vu assistir duas bandas tradicionais do rock brasileiro se apresentarem no também tradicionalíssimo Teatro Vitória, em Limeira, interior de São Paulo. Boca Roxa Blues Band e Made in Brazil prometiam uma noitada de blues e rock’n’roll como se fazia antigamente e não descumpriram a promessa.
Chamava a atenção logo de cara o fato de, pelo palco ser realmente grande, ter sido possível montar dois sets completos (incluindo duas baterias), o que facilitou imensamente a troca das bandas.
O Boca Roxa fez um belo trabalho nos anos 90 e 2000 com seu blues e rock’n’roll básico bem feito e repleto de bom humor. Depois de uma parada, a banda retomou atividades no ano passado e tem mostrado que a pausa só serviu para tornar o grupo mais afiado e mais ferino. Paulão Levy (vocal, baixo e gaita), Dédi Ferreira (guitarra), Evandro Grisolio (teclados) e Maurício Gaspar (bateria) entraram em cena atacando Parteira Radical, tema que está no único disco de estúdio da banda, Picada de Cobra (1998). A partir daí foi um desfile de temas deste e do outro registro da banda, o ao vivo Ovelha Negra Graças a Deus (2000), gravado no mesmo Teatro Vitória.
Músicas como Vomitaram no Trem, a divertida Vila Marieta, a “regional” Bourbon pra Nóis É Pinga e a sacana Patrícia Fast Food fizeram a alegria da galera que tomou boa parte das cadeiras do teatro. Mas, como sempre acontece em shows do Boca Roxa, foi a genial Blues da Pamonha o ponto alto da apresentação. Paulão comentou que já tem material para um novo disco. Que ele venha logo, pois.
Após uma rápida mudança foi a vez de o Made in Brazil fazer mais um show em comemoração aos seus cinquenta anos de atividades, que se completam neste ano. Quase nenhum casamento resiste tanto, muitas pessoas sequer completam esse tempo de vida. Porém, lá está o Made há meio século de atividades ininterruptas fazendo rock’n’roll, blues e rhythm’n’blues no país que não dá a menor bola para esses gêneros musicais. Mais que uma data marcante, é um ato heróico manter um grupo por tanto tempo.
E a performance do Made mostrou mais uma vez que todo esse tempo só serviu para tornar a banda mais segura e experiente, porque a garra, a pegada e a entrega dos músicos são as mesmas de décadas atrás, mesmo com os irmãos Oswaldo (vocal, baixo, guitarra e gaita) e Celso Vecchione (guitarra e baixo) se aproximando dos 70 anos.
A formação que o Made levou a Limeira foi a mais rock’n’roll possível – Oswaldo, Celso, Rick Vecchione (bateria, filho de Oswaldo), Ivani Venâncio (backing vocals) e Guilherme “Ziggy” Mendonça (guitarra e backing vocals), ou seja, sem o teclado e o sax que normalmente acompanham o grupo. Isso fez com que a banda tocasse rápido, pesado e alto – muito alto! –, como convém a um show de rock.
O início com um dos maiores clássicos da banda, Vou Te Virar de Ponta Cabeça, era o prenúncio para uma apresentação de gala – se é que tem “gala” no rock… Alguns probleminhas no som tornaram o negócio mais autêntico ainda (foi difícil pro técnico de som entender que o retorno de Oswaldo não funcionava a contento…) e, uma vez resolvido o enrosco, o pau comeu!
Clássicos do naipe de Jack o Estripador, Anjo da Guarda, O Rock de São Paulo e a autobiográfica Eu Quero Mesmo É Tocar levantaram a plateia. No meio disso tudo ainda houve tempo para a galera participar mais ativamente no refrão da bela Os Bons Tempos Voltaram.
Além disso tudo, vale lembrar que a “formação rock’n’roll” de que falamos lá no começo expôs mais o trabalho de Ziggy, que cada vez mais prova ser um dos grandes guitarristas da atualidade. Sem lançar mão de grandes pirotecnias, ele conhece todos os segredos e atalhos do rock clássico e é craque na hora de achar o timbre que cada música exige.
O final não podia ser menos que apoteótico. E foi. Made in Brazil e Boca Rixa se uniram em cena para tocar o hino do rock brasileiro, Minha Vida É Rock’n’Roll. Duas baterias, dois baixos, três guitarras, um teclado e muitas vozes (incluindo as da plateia) se uniram para celebrar aquilo que foi definido como “uma festa de blues e rock’n’roll”.
No final, após as bandas serem devidamente apresentadas, Oswaldo Vecchione se despediu com o tradicional “o Made agradece”. Não, Oswaldo. Quem agradece somos nós.