Quem compareceu à Tropical Butantã na última quinta-feira (09), presenciou uma bela celebração. Com sua “Redemption Tour”, que nesse mês de novembro está passando por diversos estados brasileiros, o reformulado Noturnall se uniu à Edu Falaschi no palco e, como se não bastasse, trouxe à São Paulo, assim como nas demais cidades e capitais, o lendário baterista americano Mike Portnoy, que, por sua vez, reencontrou-se com seu ex-parceiro de Adrenaline Mob, o compatriota Mike Orlando, hoje guitarrista da banda paulistana. Pensa que foram apenas essas as atrações? Na véspera do show, o Noturnall pegou todos de surpresa com a confirmação de ilustres convidados, o aclamado baixista Luis Mariutti e seu novo parceiro de Shaman, o respeitado vocalista Alirio Netto. Para aquecer o público, que compareceu em bom número (poderia ter sido maior) para assistir toda essa turma de peso, o Noturnall escalou as bandas Unthold, Seventh Sign From Heaven e Violet.
Infelizmente, não conseguimos chegar à tempo de conferir a apresentação da banda sorocabana Violet. Segundo a produção do evento nos informou, Paulo Xuxa (vocal), Marcos Pascoli (guitarra), Fio Bass (baixo) e Theo Queiroz (bateria) apresentaram não só músicas do EP lançado em 2018, que foi produzido pelo próprio Thiago Bianchi, frontman do Noturnall, sendo elas Hey There!, For Your Information, Never Never e These Lines, como também covers de Hunting High and Low do A-Ha (lançado em videoclipe no ano de 2015) e Walk do Pantera.
Diretamente do Piauí, o Seventh Sign From Heaven deu sequência ao evento. Prestes a lançar o álbum The Woman and the Dragon, que assim como o EP do Violet também foi produzido por Thiago Bianchi, o grupo tocou pela primeira vez em São Paulo. Integrado por Mark Neiva (vocal e guitarra), Emanuel Lima (guitarra), Zinha Soares (baixo) e Filim Nascimento (bateria), o quarteto deu início com a própria Woman and the Dragon, seguida de Rise, duas de suas novas músicas. Ambas evidenciaram uma veia heavy tradicional, sem invencionices ou linhas mirabolantes, tecnicamente falando. Na sequência, foi a vez do cover do Iron Maiden para o clássico Can I Play with Madness, do álbum Seventh Son of a Seventh Son, de 1988. Nessa, ficou ainda mais nítido de que, em termos vocais, falta versatilidade à Neiva. Outro ponto que requer atenção da banda, principalmente dos integrantes da linha de frente, é a performance de palco, levando em conta que Neiva, Lima e Soares estavam praticamente estáticos em suas posições. Há de se destacar, no entanto, a atuação de Filim Nascimento, bem como a do próprio Neiva nos solos. Prosseguindo, o grupo mandou duas de seu EP Judgement of Egypt, de 2017: a cadenciada música de mesmo nome e The Devil Fears His Name. Fechando, um medley do Metallica composto dos hinos Seek and Destroy e Creeping Death. No próximo dia 15, o Seventh Sign From Heaven voltará a abrir para o Noturnall, agora na capital pernambucana Recife.
Não demorou muito e o Unthold assumiu o palco. O grupo mostrou seu heavy metal agressivo e, ao mesmo tempo moderno, contando com melhor som e iluminação do que as bandas anteriores, além de imagens esquisitas de umas caveiras coloridas que ficavam flutuando no telão ao fundo. Foi um set curto, de apenas vinte minutos, porém convincente, suficiente para que a banda passasse bem o seu recado, mesmo esse sendo o primeiro show de sua história. Impressionou ver o experiente João Luiz, figura conhecida do cenário nacional, frontman também das clássicas bandas Golpe de Estado e Casa das Máquinas, além de ex-King Bird, soltando a voz em uma sonoridade bem mais pesada do que lhe é habitual – embora seu estilão altamente influenciado pelo saudoso Ronnie James Dio permaneça intacto, tanto em termos vocais quanto em seus trejeitos no palco. Uma observação: é impressionante como João se parece com Vitor Rodrigues, ex-vocalista do Torture Squad e Voodoopriest, e atual Victorizer, até no jeito de se comunicar com o público. Completado por Bruno Sena (guitarra), o canhoto Marcelo Maia (baixo) e Alex Cristopher (bateria), o Unthold executou as agressivas Place of Gear, Halls of Mirror, Atahualpa e Ruthless World – já gravada, essa contou em estúdio com a participação do vocalista Tim “Ripper” Owens (Judas Priest, Iced Earth, Yngwie Malmsteen, Charred Walls of the Damned, Beyond Fear, Hail! e outros). Tais músicas lembraram muito o trabalho de bandas como Adrenaline Mob e Symphony X. Elas farão parte do homônimo álbum que o Unthold deverá lançar em 2020. Além do próprio João Luiz, destaque também para Bruno Sena, que é muito bom guitarrista.
Passados cinquenta minutos – sendo 30 de atraso em relação ao horário divulgado – Paul Martins, guitarrista da banda Hellene e apresentador do Autoral Brasil Kiss FM, da Rádio Kiss FM, fez as honrarias para a atração principal. Antes, ele informou ao público que todos ali seriam filmados, já que um DVD estava sendo gravado. Tanto que havia uma enorme grua na pista. Assim que Paul anunciou o Noturnall, a euforia foi intensa, principalmente quando após breve introdução mecânica, Thiago Bianchi (vocal), Mike Orlando (guitarra), Saulo Xakol (baixo) e Henrique Pucci (bateria) surgiram tocando a violenta Nocturnal Human Side, do homônimo debut, lançado em 2014. Simultaneamente, o clipe da música rolou no telão. Bianchi e Pucci entraram usando óculos de laser e luvas com luzes. O som estava cristalino, algo surpreendente, levando em conta a massa bruta que é a música do Noturnall. Já o telão, durante todo o show exibiu clipes e lyric videos, perfeitamente sincronizados com as respectivas músicas que iam sendo tocadas. Sem dar tempo de os fãs respirarem, o Noturnall mandou mais duas pedradas: Wake Up, do terceiro e mais recente álbum 9 (2017), e No Turn at All, outra do de estreia. Nessa, uma garota zumbi entrou engatinhando e foi dançar no pole dance que estava posicionado entre a bateria de Pucci, ornada por um ET, e a que estava coberta, esperando pela entrada de Mike Portnoy. Ensandecido, Orlando agitava o público. Falando no talentoso guitarrista, era de se estranhar não sair fumaça de seus dedos, de tão cavalar sua velocidade nas cordas.
Antes de continuar, Bianchi – mais magro e bem fisicamente – deu boa noite e disparou: “Que sonho! E vai tomar no cu, que difícil!”, desabafou. “Tudo isso aqui é por vocês”. Após ser aplaudido e levar na esportiva a saída dos ex-integrantes do Noturnall, o vocalista falou de sua ‘redenção’ (captou o porquê de a turnê se chamar “Redemption Tour”?) e listou as conquistas do grupo em 2019: mini-turnê com o Disturbed pela Rússia (gravada em DVD), shows com Portnoy, entrada de seu ídolo Mike Orlando na banda, lançamento recente do clipe da nova música Scream For Me!, segunda participação do grupo no “Rock in Rio” e o DVD que estava sendo gravado no show. E esbravejou: “Tudo na maior dificuldade. Brasil é foda, é difícil viver aqui, ainda mais fazendo heavy metal”, antes de comemorar e ser aplaudido ao dizer: “Estamos aqui hoje com uma produção internacional. Tudo o que quiserem tem, pra vocês chegarem aqui e terem esse sorriso, essa energia”. À propósito, quem assistiu a “Redemption Tour” em São Paulo, tendo de bônus convidados de peso, viu uma produção de primeiro mundo (com direito à palco com tapete estilizado com o logo do Noturnall, além de colunas laterais simulando as da antiguidade – ao melhor estilo Iron Maiden), algo que não é inimaginável para uma banda que, em 2018, na mini-turnê “Freakshow”, que contou com o próprio Alírio Netto, comemorando 25 anos de carreira, e do também vocalista James LaBrie, parceiro de Portnoy no Dream Theater, apresentou números impressionantes de mágica, ilusionismo e atrações circenses. A próxima do set Bianchi anunciou com sangue nos olhos: “Graças à essa porra de país, essa música se chama Fight the System!” – do segundo álbum, Back to F*** You Up! (2015). Após Shadows, de 9, Bianchi rasgou elogios ao apresentar seus companheiros e apresentou a nova e veloz Cosmic Redemption, que integrará o quarto álbum do Noturnall.
Era chegada a hora de a primeira atração ser chamada ao palco. Enquanto Bianchi fazia as honrarias, o telão cometeu ‘spoiler’ mostrando a capa do álbum Rebirth do Angra, com o nome de Edu Falaschi escrito abaixo. O vocalista, que dispensa apresentações, chegou cumprimentando o público e teve que enrolar em seu discurso, enquanto ligavam o teclado do também convidado Fabrizio Di Sarno. Com tudo nos conformes, Falaschi comandou Nova Era, do citado álbum de 2001, seu debut com o Angra. Depois dessa, Pucci, Sarno, Xakol e Orlando deixaram o palco livre para o líder do Almah, ex-Angra e Symbols, mandar um set acústico, no formato voz/violão. Falaschi quis começar a primeira música, porém parou e chamou o roadie, dizendo: “eu não toco com violão desafinado, nem fodendo”, brincou. Enquanto o violão era afinado, Bianchi retornou ao palco e declarou amizade à Edu. Eles se abraçaram e comoveram os fãs. Já com seu violão de doze cordas empunhado, Edu foi acompanhado pelo público em Rebirth. Depois veio The Silent Man (Dream Theater), com os fãs cantando, já que Edu a aprendeu dias antes e não havia decorado a letra. Por último, tocou Pegasus Fantasy, música da banda japonesa MAKE-UP, usada como tema do anime Cavaleiros do Zodíaco. Após a trinca acústica, Bianchi, Sarno, Orlando e Pucci se juntaram novamente à Edu e receberam os ilustres Luis Mariutti e Alírio Netto, para uma homenagem à Andre Matos (Viper, Angra, Virgo, Symfonia, Avantasia e carreira solo). Tocaram o hino Carry On, que o saudoso cantor, tecladista, pianista e maestro gravou com o Angra no debut Angels Cry (1993).
Finalizada essa parte do show, o público vibrou quando o pano que protegia a bateria de Mike Portnoy foi retirado. Portnoy se uniu ao Noturnall e à Falaschi, que se despediu cantando As I Am, música que o baterista gravou quando no Dream Theater, no álbum Train of Thought (2003). Na sequência, com Bianchi de volta, Portnoy quebrou tudo em Under A Glass Moon, música do aclamado Images and Words (1992), segundo álbum do Dream Theater – meu favorito, seguido de Awake (1994). Era impressionante ver Portnoy executar arranjos tão complexos com tamanha naturalidade e tranquilidade, ao ponto de, em dados momentos, jogar uma das baquetas ao alto enquanto tocava. Aliás, falando em baterista, não posso deixar de elogiar o ex-Project 46 Henrique Pucci, outro monstro dos tambores. Antes da próxima, Portnoy agradeceu o público, comentou que estava tocando músicas do Dream Theater que ele nunca mais tocou ao vivo, e agradeceu Thiago Bianchi por ter feito tudo isso acontecer e por lhe trazer ao Brasil. O público não só aplaudiu, como fez o tradicional “olê, olê, olê, olê, Portnoy, Portnoy”, coro que sempre emociona os artistas estrangeiros. O baterista agradeceu e relembrou: “Depois que saí do Dream Theater, estava em uma banda com Russell Allen (vocal), John Moyer (baixo) e esse filho da puta aqui, o senhor Mike Orlando. O último show que fiz com eles (Adrenaline Mob), foi aqui no Brasil, em São Paulo. E aqui estamos nós, seis anos depois! Eu e Mike Orlando faremos alguns sons do (álbum) Omertá (2012), que vocês conhecem”. Primeiro veio Hit the Wall; depois foi a vez de Indifferent, na voz de Orlando, que antes falou ao público que o Brasil é a sua segunda casa; por fim, Undaunted. Encerrando o primeiro ato do show, veio uma pérola do Dream Theater: Take the Time, outra de Images and Words.
Voltando à falar de redenção, não do Noturnall, mas de Thiago Bianchi especificamente, é justo um parágrafo só para falar dele. É surpreendente vê-lo no palco após tudo o que passou com sua saúde. Para se ter uma ideia, quando esteve internado em 2016, devido à um grave quadro de pancreatite, o médico chegou a decretar que Bianchi teria apenas seis meses de vida. Felizmente, seu médico errou feio e se precipitou no diagnóstico. Não bastasse estar de volta aos palcos, Bianchi continua cantando com a maestria de sempre, justificando ser um dos melhores vocalistas do metal mundial. Neste primeiro ato do show, foi de impressionar vê-lo esbanjando versatilidade, tirando de letra não apenas as complexas músicas do Noturnall, como também as igualmente difíceis de serem interpretadas e eternizadas nas vozes de ninguém menos do que “monstros” como Russell Allen (Adrenaline Mob), André Matos – quem mais você vê se atrever a cantar Carry On do Angra e alcançar as altas regiões vocais que André explorava, a não ser Bianchi? – e James LaBrie. Bem, neste caso, Thiago Bianchi tem feito ainda mais bonito em músicas que o próprio vocalista do Dream Theater não se arrisca mais a cantar, tendo em vista que ao vivo sua voz já não tem mais a potência de antes. Em recente entrevista, o próprio Mike Portnoy se rendeu ao talento de Bianchi.
Dando continuidade ao show, na volta para o bis Thiago Bianchi anunciou os vencedores do concurso realizado em parceria entre o Noturnall e a Rádio Kiss FM. Foram chamados para tocar com a banda e Mike Portnoy os felizardos Miguel Arthur dos Santos para o baixo, Guilhos Lacerda para a guitarra, e a vocalista Angel Sberse. E eles seguraram bem a bronca em Cowboys From Hell do Pantera, apesar de umas escorregadelas na letra da música e uma falha na guitarra de Lacerda no início do solo. O encerramento do show aconteceu em grande estilo, com Portnoy e Pucci (que entrou no decorrer) debulhando, juntos, em seus respectivos kits de batera, duelando na também nova Scream For Me! – algo até então inédito na história do metal nacional, além de inspirador para qualquer batera ver ao vivo dois verdadeiros tratores das baquetas lado a lado no palco em uma mesma música. Falando em Scream For Me!, recentemente ela ganhou um videoclipe de enredo cinematográfico e produção hollywoodiana, o primeiro do país a conter cena de capotamento automobilístico. Se no vídeo de Mysterious, música do álbum 9, o Noturnall havia contado com os pilotos da Stock Car Rubens Barrichello, Cacá Bueno, Giulio Borlenghi e Vitor Baptista, dessa vez foi o próprio Bianchi que assumiu o volante, no caso do carro tunado que capota no vídeo.
Passado o show do Noturnall em São Paulo, Thiago Bianchi nos atendeu e falou sobre o grande momento que está atravessando na carreira: “De fato, é a melhor época da minha vida. Em uma comparação esdrúxula com o Annus Mirabilis de Einstein (N.R.: o cantor se refere ao ano de 1905, referente ao domínio da Física, o ano em que Albert Einstein publicou suas descobertas sobre o efeito fotoelétrico, movimento Browniano e a teoria especial da relatividade, além da equação E=mc²”), acho que teria a ver com a Noturnall. Desde que essa banda mudou de formação, parece que soltaram realmente as âncoras do barco e ele começou a ter mais velocidade. A empatia dos fãs aumentou, parece mais verdadeira, não sei se havia um bloqueio quanto aos ex-integrantes. Tudo começou a dar certo de uma forma que não dava. Ficamos muito tempo tentando fazer uma turnê com o Disturbed e agora conseguimos, rapidamente; Estávamos tentando entrar na mente do “Rock in Rio” e conseguimos voltar. Mesmo no terceiro palco, fomos novamente lembrados; A turnê com esse cara (Mike Portnoy), que escolhe a dedo como e com quem ele trabalha; Finalmente, a vinda do Mike Orlando pra banda, que era algo que queríamos muito; Os clipes, sendo o atual (Scream For Me!) o mais legal da minha carreira. É um momento de coroação de muito trabalho, que vem de vários anos, desde Karma e Shaman até Noturnall, em sua primeira fase. Acho que hoje posso dizer que, finalmente, cheguei aonde eu queria musicalmente. Vivo uma fase maravilhosa, como vocalista e como produtor, são mais de 400 discos produzidos e estou produzindo 48 bandas neste momento. Tenho uma confiança imensa dessa galera e fico muito à vontade e orgulhoso de ter tantos sonhos empilhados em minhas mãos”, comemorou.
Antes de se despedir, Bianchi desabafou: “As pessoas têm esse lance de acharem que sou ‘riquinho’ por minha mãe ser cantora. Minha mãe batalhou muito, me criou no gogó, cantando em boate. Diferente do que as pessoas imaginam, não foi uma pessoa com grana. Hoje ajudo e sempre ajudei em casa, e realmente ganho muito bem, não tenho vergonha nenhuma de falar, mas tudo que ganho vem das bandas de heavy metal, e todo meu trabalho, tudo que faço você pode ouvir nele. Reinvisto o que ganho em minha família e na banda, que é meu grande sonho. Então, acho justo, e fico muito feliz de ter essa oportunidade e tentar fazer o metal nacional um lugar melhor do que o que eu encontrei. Realmente, estamos vivendo nossa melhor fase, essa capa da Roadie Crew (#249, out/2019) coroou esse momento. E tem mais coisa vindo por aí, logo contarei à vocês, é mais uma bomba que fechamos durante essa turnê, uma notícia maravilhosa. Estou louco para dar com a língua nos dentes (risos)”, finalizou. E teve boatos de que o Noturnall ainda estava na pior. Se isso é estar na pior, porra… O que quer dizer estar bem, né?