O fã do Blind Guardian está mais do que acostumado ao som com pompa e circunstância da banda alemã, que começou a refinar o trabalho em Somewhere Far Beyond (1992) e terminou de construir sua identidade em Nightfall in Middle-Earth (1998). Daí para frente, o vocalista Hansi Kürsch e os guitarristas André Olbrich e Marcus Siepen sempre experimentaram dentro da própria proposta, a ponto de alguns fãs até torcerem o nariz para A Night at the Opera (2002). E talvez sejam estes mesmo fãs que irão fazer cara feia para Legacy of the Dark Lands, afinal, o grupo se despiu para dar vida ao sonho do trabalho orquestral. Ou orquestrado, porque o que temos aqui não é power metal com grandiosos arranjos de orquestra. São grandiosos arranjos de orquestra sem power metal.
Não à toa a grife ganhou a companhia de um “Twilight Orchestra”, fazendo com que Legacy of the Dark Lands não seja simplesmente o 11º álbum de estúdio do grupo. Contando com a The Prague Filmharmonic Orchestra para musicar suas ideias, Kürsch e Olbrich escreveram a sequência de “Die Dunklen Lande” (o título original para “The Dark Lands”), obra do escritor compatriota Markus Heitz. E apesar de o livro ter sido lançado em março último, a dupla e o autor trabalharam os últimos cinco anos juntos na continuação da história, o que torna o trabalho ainda mais interessante, porque tudo cheira a novo – você confere mais detalhes em breve, num bate-papo com Kürsch que estará nas páginas da ROADIE CREW.
Fazendo uma simples analogia, Legacy of the Dark Lands causa o mesmo efeito do livro. Você lê este e ouve aquele enquanto idealiza cenários e personagens, mas o disco tem uma vantagem: a música transporta sua imaginação para a telona, uma vez que as 24 faixas são a trilha sonora de um longa-metragem que (talvez ainda) não foi filmado. Essa perspectiva é corroborada também pela participação dos atores britânicos Normal Eshley e Douglas Fielding, que haviam trabalhado com o Blind Guardian fazendo as narrações de Nightfall in Middle-Earth – infelizmente, Fielding faleceu no fim de junho –, mas são as canções que garantem a viagem.
Obviamente, as comparações com “O Senhor dos Anéis” são inevitáveis, mas é curioso que a relação mais próxima seja com a franquia “Harry Potter”, uma vez que 1618 Overture e In the Underworld têm melodias idênticas à do tema principal da saga do bruxo da literatura cinematográfica infantojuvenil. Nada que comprometa, porque o trabalho da orquestra tcheca – aliás, sacou o trocadilho no nome dela? – tem um adorno de luxo: a voz de Kürsch. Sem o peso de guitarra, baixo e bateria por trás, o vocalista abusa de uma performance formidável, e canções como War Feeds War, Point of No Return, Nephilim, Dark Cloud’s Rising e Harvester of Souls são de arrepiar. Se Legacy of the Dark Lands pode até não cair nas graças do fã tradicional, tem tudo para agradar a quem não dá bola para o Blind Guardian.