Já faz um bom tempo que o Lacuna Coil se tornou uma das bandas mais queridas do público paulistano. E também já faz bastante tempo que os italianos adotaram a capital paulista como uma espécie de segunda casa, um daqueles locais onde você sabe que sempre será muito bem recebido. Não é por menos, já que eles são atração frequente em nossos palcos, e sempre conseguem mobilizar muitos fãs para as suas apresentações, independente do momento político, social ou econômico que o mundo (e o nosso país) vive. Então, é claro que desta vez não seria diferente, e a expectativa já era alta no ano passado, quando a vocalista Cristina Scabbia acenou para este show que ainda não estava confirmado encerrando a nossa longa entrevista com um caloroso e muito bem-vindo ‘até logo, nos vemos em São Paulo’.
Mas a expectativa era alta principalmente por sabermos do que o Lacuna Coil é capaz nos palcos. Se no início da carreira dos italianos eu tive a chance de acompanhar apresentações discretas, quase tímidas dos dois vocalistas, também tive a chance de acompanhar o desenvolvimento da dupla através dos anos, especialmente a partir da turnê do célebre e hoje clássico Comalies, de 2002. Se o terceiro álbum de estúdio mostrava uma banda mais desenvolvida e muito mais completa, esta era também a impressão que tínhamos ao vê-los nos palcos. Eles evoluíam não apenas musicalmente, eles de fato desenvolveram um espetáculo em suas apresentações. O palco passou a ser visto e entendido como um grande espaço onde eles deveriam brilhar, e neste contexto, indumentárias específicas para cada turnê começaram a ser providenciadas, a comunicação com o público durante o show se tornou mais efetiva, e a postura dos músicos no palco se tornou soberba. Eles sabiam como dominar cada centímetro do palco, seja em casas pequenas e apertadas, seja em grandes festivais. E tudo isso apenas para dizer que sim, eles ainda são um dos melhores nomes para você ver ao vivo.
Depois de celebrarem o aniversário do lançamento de seu EP de estreia autointitulado e de seu primeiro álbum (In A Reverie, 1999) com o lançamento do boxset The 119 Show – Live in London (2018), o LACUNA COIL lançou o seu novo álbum de estúdio, Black Anima, que traz um apelo mais sombrio para o universo musical da banda. Com um repertório forte, que inclui as já muito bem conhecidas Reckless e Layers Of Time, o disco mais uma vez trouxe os italianos para São Paulo, e adivinha?
Sim, foi um sucesso, assim como também foi um sucesso a apresentação da banda norte-americana UNCURED, que abriu a noite. Formada em 2014 em Nova York, e já com dois álbuns completos na bagagem (o mais recente, Epidemic, foi lançado no ano passado), eles mostraram confiança e competência, e fizeram um show de abertura bastante agradável, até para preguiçosos como este que vos escreve, que só soube da existência da banda quando a viu relacionada aos shows do Lacuna Coil. Pois é, até nós deixamos algumas coisas passar em branco, mas o importante é que estarei mais disposto a acompanhar a banda depois do bom show que fizeram por aqui.
Dito isso, era chegado o momento que esperávamos, o LACUNA COIL estava de volta ao palco do Carioca Club, quase três anos após a sua passagem anterior, ainda na turnê do álbum Delirium, de 2016. E foi, aliás, com uma música de Delirium que eles abriram a noite, Blood, Tears, Dust. As linhas vocais extremas de Andrea Ferro em contraste com as linhas altas de Cristina já marcaram o tom da noite, especialmente com todo o peso e groove que a banda emanava em cada passagem da canção.
As linhas vocais de Our Truth anunciaram a presença da única canção do louvado Karmacode (2006) a aparecer na noite, indício de que eles privilegiariam os dois álbuns mais recentes. E não deu outra, já na sequência a minha favorita do novo álbum, Reckless, colocou o povo todo para agitar, em um mar de mãos que se agitavam em direção ao palco. Por mais que seja ‘chover no molhado’, ainda é de impressionar o talento que Scabbia tem para realmente executar ao vivo as mesmas melodias que registra no álbum, com sua voz quase que completamente abafada pelos gritos ensurdecedores de uma plateia quase em convulsão. E veja, estamos falando de uma música do álbum mais recente do grupo, lançado há menos de seis meses, e não de um antigo clássico. Quantas bandas podem se orgulhar de fazer isso, neste nível? Realmente, o Lacuna Coil se mantém no topo do seu jogo.
Conforme a noite foi passando, a apresentação foi se tornando mais e mais especial para cada um dos presentes. Aqueles que queriam sentir na carne a força das novas músicas puderam se regozijar com Sword Of Anger, Veneficium, Save Me e Layers Of Time, ao passo que aqueles que ansiavam a hora de ouvir os antigos clássicos tiveram a sua sede saciada com Heaven’s A Lie, Comalies, A Current Obsession (nessa até eu quase chorei), Soul Into Hades (sim, sério, você viu isso?), e claro, Nothing Stands In Our Way. Confesso que destacar os melhores momentos de um show do Lacuna Coil é sempre uma tarefa complicada, pois poucas são as bandas que acompanhei tão de perto durante tanto tempo. Mas, sim, mais uma vez saí de uma apresentação dos italianos com um enorme sorriso no rosto, já esperando pela próxima turnê, pelo próximo álbum… Nem dava para lembrar que tínhamos as ‘festividades carnavalescas’ iniciando em São Paulo neste dia…