Desde que surgiu para o mundo na segunda metade da década de 1980, o death metal vem sendo uma força ativa no cenário. Sempre com muitos lançamentos, o gênero também acabou se tornando a raiz de muitos subgêneros, cada um com suas próprias características, cada um com sua própria maneira de expressão.
Tudo isso para dizer que, diante da efervescente cena atual, quando novas bandas surgem todos os dias e onde velhos medalhões voltam com álbuns e turnês avassaladoras, alguns ainda preferem seguir fieis ao mais antigo dos moldes, àquela vertente pioneira do estilo, que hoje denominamos ‘old school’.
Essa parece ter sido a proposta do guitarrista Gustavo Camargo. Guitarrista da banda WAR ETERNAL, que em 2018 lançou um ótimo EP de mesmo nome, Gustavo é o idealizador deste MORTAL WAYS, e foi da sua mente que brotaram as ideias originais que culminaram neste primeiro registro de mais uma excelente força do death metal do interior paulista.
Para que você compreenda a alma e a essência deste primeiro álbum autointitulado do Mortal Ways, atente para o seguinte: A temática voltada para ufologia, distopia e ficção-científica em geral não é um fenômeno moderno no death metal. O que hoje bandas como BLOOD INCANTATION, SCOURGE, TOMB MOLD e tantas outras fazem tão bem é basicamente a evolução dos velhos moldes, perpetrados para todo o sempre por bandas clássicas como HYPOCRISY, GENOCÍDIO, e claro, NOCTURNUS. Caminhe pelos lados do technical death metal, do doom/death ou do old school, a questão no death metal é que ele precisa soar com alma, com fúria, com vontade e com verdade. E é justamente isso que o Mortal Ways nos entrega em seu disco de estreia.
Assim que você coloca o álbum para rolar, a primeira impressão já é das melhores, pois o riff principal de Cumulonimbus é daqueles que dão gosto de ouvir! Sujo, pútrido e ao mesmo tempo melódico, me fez lembrar um pouco do DISMEMBER da época de Massive Killing Capacity (1995). Mas, nem só de riffs vive a boa música pesada, e já nesta faixa de abertura percebemos a importância do vocalista Flavio Diniz (KINGDOM OF MAGGOTS) para a exploração de todo o potencial que essas músicas demonstram, uma impressão que viria ainda a se confirmar mais a seguir.
E, se seguir adiante é o fundamental, continuamos nossa jornada interplanetária com Uninvited Visitors. De cara, foque nas novas nuances apresentadas nas linhas de voz, que já colocam o ouvinte no clima da nova canção. Caminhando pelos anteriormente citados caminhos da ficção-científica e da ufologia, a letra também traz a carga necessária para prender a atenção do ouvinte, então, se prepare para uma jornada que não é apenas musical. Mas, se é na música que você quer se prender por completo, perceba a perfeição com que o solo de guitarra se integra ao riff, com a pegada densa e melódica exata para nos fazer lembrar os melhores tempos do velho HYPOCRISY. Aliás, acho que Peter Tägtgren se deliciaria em ter um álbum como esse nas mãos.
A bateria programada não compromete a eficiência do som, e até acrescenta certa densidade ao clima etéreo de Death From The Sky, a terceira parte da nossa jornada. Em um álbum guiado por temas de ficção, onde o futuro se apresenta mais como ameaça do que como uma esperança, a presença de um elemento musical ‘não humano’ não soa tão deslocada quanto se pode imaginar, na verdade, pode até se imaginar que é parte do conceito. O fato é que a programação é convincente, e pasmem, a bateria soa mais natural do que em muitos álbuns que foram de fato gravados com bateristas. E tenho certeza que vocês sabem exatamente em que direção estou apontando, certo?
A faixa que carrega o nome do disco (e da banda) vem logo na sequência, e novamente você sentirá a urgência de ‘bangear’ já nas primeiras notas das guitarras (obrigado Gustavo Camargo e Ronaldo Alves), e novamente os vocais apresentam novos e variados elementos. O solo é muito interessante, e novamente se integra com o momento rítmico da música, sem forçar a barra e sem nenhuma pretensa arrogância técnica, vilã principal de tantas boas obras death metal. Aqui, cada elemento foi medido e dosado no limite para fazer a diferença, e nenhuma linha soa deslocada, você precisa conferir.
Operation Saucer continua a jornada, trazendo à baila relatos ufológicos brasileiros, bastante conhecidos do público. Como essa é a mesma pegada de Official UFO’s Night, não perca a oportunidade de acompanhar as duas músicas com atenção. O recurso narrativo na primeira, e a inteligente estratégia do ‘sinal de rádio’ na segunda ajudam a criar o ambiente macabro e sinistro que as músicas exigem. Mas, acredite, essas são as únicas semelhanças entre essas duas canções, já que a primeira segue por um caminho mais linear e melódico, enquanto a segunda ruma por caminhos levemente mais técnicos e cheios de quebras rítmicas e alternâncias de andamentos.
Aliando toques de ciência ao agora já habitual mundo do fantástico, as duas músicas que fecham o álbum chegam para dar um toque diferencial ao álbum. Extreme Home é outra que remete aos grandes astros do death metal sueco dos anos 90, traz boas linhas de guitarra e voz. The Fermi-Hart Paradox, outra que conta com forte elemento ambientador em seu começo, é talvez a mais melódica do álbum, mesmo que não perca nem uma única gota da brutalidade usual esperada no death metal.
Sim, um álbum de estreia que merece atenção, uma prova de qualidade e de criatividade, e que imediatamente já pede por uma sequência. Como serão os caminhos do Mortal Ways de agora em diante, não ouso adivinhar. Mas que eles criaram um dos melhores álbuns de death metal de 2020, ah sim, isso eu já posso afirmar.
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