O Picture estava de volta. O Tygers Of Pan Tang debutava. A união das bandas holandesa e inglesa prometia uma ótima noite de Heavy Metal no Rio de Janeiro. Então por que o público que compareceu ao Teatro Odisseia não foi suficiente para ocupar ao menos 1/3 da capacidade da pequena casa? Houve quem justificasse a ausência porque os grupos são parte do segundo escalão do gênero. Até mesmo do terceiro. Trazendo à tona a maravilhosa apresentação do Raven no mesmo local, em março de 2015, para alguns felizardos, a resposta que posso dar é a seguinte: errar é humano, persistir no erro…
Enfim, sorte dos poucos mais de cem fãs que saíram de casa naquela noite de quinta-feira. Até porque Pete Lovell (vocal), Andre Wullems e Mike Ferguson (guitarras), Rinus Vreugdenhil (baixo) e Laurens “Bakkie” Bakker (bateria) fizeram um show carregado de energia. Muita energia. Os primeiros acordes de “Griffons Guard The Gold” foram o estopim para movimento incessante de pescoços, acompanhado por punhos no ar. Essa é uma das maneiras para se medir se o negócio é bom ou não: se as pessoas, de uma maneira ou de outra, não conseguem ficar paradas. E isso não inclui idas ao bar ou ao banheiro.
Com a trinca retirada de “Diamond Dreamer” (1982) – “Message From Hell”, “Diamond Dreamer” e “You’re All Alone” – o Picture mostrou a importância dos riffs de guitarra. Estranho ter de ressaltar isso? Não necessariamente, uma vez que há bandas que se preocupam mais com a velocidade comandada por dois bumbos do que com a simples, porém eficaz junção de acordes. E os holandeses não se fazem de rogados na hora de puxar as músicas com guitarras muito bem calibradas. Some-se a isso levadas e refrãos cativantes e temos uma plateia soltando a voz com sorriso no rosto.
Coincidentemente ou não, o quinteto gastou um de seus principais cartuchos ainda na primeira metade do show. Sim, estou falando de “Eternal Dark”, faixa-título do álbum lançado em 1983. Canção que uma geração mais recente conheceu com a regravação feita pelo HammerFall em 1998. O retorno dos presentes ao clássico, claro, foi caloroso, mas o fato de esta mesma geração mais recente não ter dado as caras talvez explicar por que “Make You Burn”, mais uma de “Eternal Dark”, tenha sido recebida com igual estima.
O mesmo serviu para “Heavy Metal Ears”, e talvez nem mesmo os integrantes estivesse esperando algo assim, vide o semblante de felicidade estampado no rosto de cada um. Baita ‘frontman’, Lovell comandava as ações com desenvoltura, mas quem disse que os outros não poderiam ser o centro das atenções? Em “Bombers”, Vreugdenhil foi literalmente para a galera ao descer do palco com seu baixo para tocar na pista, ao lado dos fãs.
O Picture mostrou que ainda sabe largar o braço. “Battle Plan”, de “Warhorse” (2012), ficou ainda mais poderosa ao vivo. Que porrada, amigos! Mas a noite era uma volta ao passado, basicamente de “Eternal Dark”, que cedeu “The Blade”, “Battle For The Universe” e “Into The Underworld” na reta final, e “Diamond Dreamer”, que teve a missão de encerrar o set com “Lady Lightning”. Sim, a banda holandesa pode ser incluída no rol das que formaram o segundo escalão do Metal nos anos 80. Até o terceiro. Isso, no entanto, só a ratifica como a década foi, de fato, a mais rica para o estilo. Mas isso significa que hoje em dia não se faz nada de bom, então? Claro que não, mas tem chato para tudo. Inclusive para levantar bandeira de paladino da modernidade.
A apresentação do Picture foi tão boa que causou um problema ao Tygers Of Pan Tang. O público sentiu a diferença na adrenalina, colocou o pé no freio da empolgação e em parte foi indo embora durante o show do quinteto inglês. Uma pena, porque Jacopo Meille (vocal), Robb Weir e Micky Crystal (guitarras), Gav Gray (baixo) e Craig Ellis (bateria) fizeram um bom show repleto com ótimas músicas de um dos pilaresda New Wave Of British Heavy Metal.
Privilegiando os três primeiros álbuns – “Wild Cat” (1980), “Spellbound” (1981) e “Crazy Nights” (1981), que cederam 12 das 17 músicas do set, principalmente o trabalho de estreia, com seis –, o Tygers mostrou a todos, e principalmente a quem ficou até o fim, como se faz Heavy Metal com pitadas do que de melhor há em estilos coirmãos. Pegue o início do show, com “Euthanasia”, “Love Don’t Stay” e “Gangland”, por exemplo. Você tem Metal, Hard Rock e Rock’n’Roll, incluindo uma cozinha correta, um vocal afiado e um belo trabalho de guitarras.
Melhor nas canções originalmente gravadas por Jon Deverill, que tinha um timbre mais agudo que Jess Cox, Meille é muito bom, principalmente quando foge dos histrionismos. E Weir, único integrante da formação original, une com perfeição seu lado mais clássico e elegante nas seis cordas com o virtuosismo de Crystal – guardadas as devidas proporções, como se fosse a dupla formada com John Sykes há 35 anos. “Wild Catz” colocou os fãs para cantar o refrão com vontade, “Paris By Night” perdeu um pouquinho a aura AOR com o natural peso ao vivo, e “Rock ‘n’ Roll Man” e “Never Satisfied” reforçaram que estávamos num show de Heavy Metal.
Única música de “Ambush” (2012), do último álbum de estúdio, a ótima “Keeping Me Alive” foi dedicada a todos que (ainda) estava na plateia, uma vez que são os fãs o combustível para o Tygers continuar na estrada – pescou a brincadeira com o título, certo? “Killers” e, principalmente, “Rock Candy” deram uma sacudida nestes mesmos fãs. E com toda sinceridade, foi muito legal ver Weir mandando ver no ‘talk box’ durante esta última. Os remanescentes na pista acordaram, até porque em seguida veio “Don’t Stop By” com seu lindo refrão e solos matadores, então fica pergunta: por que apenas três músicas de “Spellbound”?
Não que “Wild Cat” precise ser esquecido, mas a dobradinha “Insanity/Suzie Smiled” poderia ter dado lugar a mais material do segundo disco do grupo inglês. “Take It”, “Silver And Gold”, “Tyger Bay” ou a maravilhosa “The Story So Far”… Bom, vida que segue, porqueo ótimo riff de “Raised On Rock” abriu caminho para um desfecho irresistível com “Hellbound”, “Don’t Touch Me There” e, claro, “Love Potion No. 9”, mais um daqueles casos clássicos de cover que virou muito particular de uma banda. E quando alguém no Teatro Odisseia imaginaria que um dia poderia cantar esse refrão? Pode parecer simples, mas foi daqueles momentos para guardar na memória. Tivesse o Tygers Of Pan Tang tocado antes do Picture, seu show teria um impacto maior. Mas no resumo da opera, felizardos foram os que saíram de casa para prestigiar holandeses e britânicos. Mais ainda os que ficaram até o último aplauso.
Setlist Picture:
1. Griffons Guard The Gold
2. Message From Hell
3. Diamond Dreamer
4. You’re All Alone
5. Eternal Dark
6. Make You Burn
7. Heavy Metal Ears
8. Bombers
9. Choosing Your Sign
10. Unemployed
11. Battle Plan
12. The Blade
13. Battle For The Universe
14. Into The Underworld
15. Lady Lightning
Setlist Tygers Of Pan Tang:
1. Euthanasia
2. Love Don’t Stay
3. Gangland
4. Wild Catz
5. Paris By Air
6. Rock ‘N’ Roll Man
7. Never Satisfied
8. Keeping Me Alive
9. Killers
10. Rock Candy
11. Don’t Stop By
12. Insanity/Suzie Smiled
13. Raised On Rock
14. Hellbound
15. Don’t Touch Me There
16. Love Potion No. 9