Vamos combinar, não é necessário relembrarmos todo o imenso currículo que transformou OZZY OSBOURNE no ‘Príncipe das Trevas’, até porque você certamente já conhece toda a história há muito tempo. Então, de antemão, gostaria apenas de citar alguns pequenos adendos, como o fato que Ozzy já não lançava um novo registro de estúdio há dez anos, e o fato de que ele veio com novos parceiros para o estúdio, excluindo um dos seus favoritos (e favoritos dos fãs), o guitarrista Zakk Wylde. Mais algumas coisas precisam ser levadas em consideração, já que após um longo período de complicações na saúde que geraram sucessivos cancelamentos de sua turnê de despedida, o vocalista voltou a aparecer para o mundo com a comercialmente bem-sucedida, mas musicalmente infame (para a maior parte dos fãs, ao menos) parceria com o rapper Post Malone, que rendeu o primeiro fruto, a canção Take What You Want já no ano passado.
Certo, Take What You Want é um desastre, é uma música um tanto quanto constrangedora, e, essa parceria seria repetida no então anunciado novo álbum de Ozzy. Mais que isso, o produtor (e guitarrista, na maior parte das canções do novo álbum), Andrew Watt, teria sido indicado por Malone. E não teria Zakk Wylde. E Ozzy não estava vivendo um dos seus melhores momentos. Ok, de quantas desconfianças precisamos para um julgamento prematuro, impreciso e preconceituoso?
Fato é que muitos narizes foram torcidos nos meses que antecederam o lançamento deste Ordinary Man. Quando os primeiros singles começaram a aparecer nas redes sociais e ‘plataformas de streaming’, os narizes permaneceram torcidos, independentemente ao fato de que o ‘cheiro’ não era tão ruim quanto o previsto. E sim, o meu nariz estava entre esses, e demorei muito, mas muito mesmo para realmente dar uma chance para esse álbum. Que bom que finalmente deixei para trás o que eu acreditava ouvir para prestar atenção naquilo que realmente estava sendo apresentado no álbum.
Mas, logo de cara, vamos deixar claro que não se trata de um disco imaculado. Muitas coisas aqui poderiam ser refinadas, repensadas ou simplesmente evitadas em nome de um resultado mais homogêneo e até mesmo mais assimilável da obra, mas desde quando isso foi uma preocupação de alguém que se tornou mundialmente conhecido sob a alcunha ‘Madman’? Não, Ozzy não queria um disco normal, principalmente neste momento da sua carreira. Ele já não precisa provar mais nada, mas ainda assim desejou provar que faria do seu jeito. Pois é, isso dá problemas, e eles aparecem durante a audição. Nem por isso deixa de ser uma postura artística admirável, e de alguém que nunca se considerou um verdadeiro artista. Ele simplesmente é.
Assim, colocamos o disco para rodar, e percebemos que Ozzy mantém o hábito saudável de se cercar de músicos talentosos. Tenho minhas críticas quanto a sonoridade da bateria neste álbum, mas quanto às linhas tocadas por Chad Smith (RED HOT CHILI PEPPERS, CHICKENFOOT), tudo soa tão irrepreensível e perfeito quanto o esperado. O baixo de Duff McKagan (GUNS N’ ROSES) nunca comprometeu nenhum projeto do qual participou, e as participações especiais de gente como Slash (GUNS N’ ROSES), Tom Morello (RAGE AGAINST THE MACHINE, AUDIOSLAVE) são tão previsivelmente boas que não causam nenhum desconforto, muito pelo contrário, são como um alívio para aqueles que acreditavam que só de parcerias estranhas vivia Ordinary Man.
Pois bem, Slash garante a boa primeira impressão com a faixa de abertura, Straight To Hell. Um belo riff para abrir o álbum, e o tradicionalíssimo ‘all right now’ do Príncipe das Trevas (repetido desde os primeiros dias do BLACK SABBATH) nos mostram que as coisas afinal não estavam tão transformadas, e meio que devolvem as nossas esperanças de um bom álbum. Emotiva, a balada All My Life fisga cada um dos velhos fãs, já que traz todas as marcas registradas da carreira solo do velho Madman. Goodbye, por sua vez, trata de trazer aquela aura mais soturna típica da carreira do vocalista inglês, e em momentos chega a rabiscar aquele doom ‘classudo’ do BLACK SABBATH, e só esbarra na limitação de não ter um guitarrista como Tony Iommi à mão, o que deixaria essa música perfeita.
Quando chega a faixa-título, você já está convencido de que este álbum é melhor do que você havia julgado. Com o piano do lendário Elton John em local de honra na canção, ela adquire um tom emotivo e bibliográfico que arrancou lágrimas dos fãs tão logo o vídeo oficial deu as caras na internet. Quem de nós não se sentiu um pouco idiota e ingrato quando viu o vídeo pela primeira vez, quando sentiu ali uma espécie de despedida de um dos nossos grandes ídolos? E a música é sim muito bonita, seja você um novo ou velho fã.
Na sequência, Under The Graveyard é outra das mais conhecidas do álbum. E outra composição que traz ótimos momentos. Com aquele clima tão típico das ‘power ballads’ dos anos 80, ela caminha em direção a um refrão memorável, as guitarras dão o tom, os vocais sobem o tom… E uma quebra de ritmo tira metade do tesão da música, que assim se torna menos previsível. Confesso, preferiria que essa música fosse mais previsível, que fosse até um tanto quanto cafona e datada, pois se ela entregasse o que prometia, teríamos em mãos um dos grandes clássicos de 2020. Como isso não se cumpre, seguimos com Eat Me, que em seus primeiros segundos me fez pensar na clássica The Wizzard (BLACK SABBATH), apesar de não ter nada a ver. Maldito saudosismo despertado em nós em Ordinary Man, e nada mais.
Do lado das decepções, vale dizer que ouvi maravilhas sobre ‘o incrível solo’ de Today is The Day, mas ao conferi-lo pela centésima vez, ainda não consegui perceber nada além de um amontoado de notas tocadas às pressas e sem nenhuma emoção. Por outro lado, destacando uma produção ‘suja’ na medida certa, Scary Little Green Man é aquela música tipicamente boba e maravilhosa que conhecemos do Ozzy da década de 90, época em que ele deixou de ser simplesmente o ‘Príncipe das Trevas’ nos palcos para se tornar o astro de TV, uma espécie ainda mais doidona e chapada de Charlie Sheen, o típico sujeito que criaria uma música inspirada nos assustadores homenzinhos verdes…
Para encerrar, os bons arranjos de Holy For Tonight entram em colisão com a simples It’s A Raid (com Post Malone), e que tem aquele som típico do rock alternativo dos anos 90, com todos os seus defeitos e qualidades (leia-se: rápida e acessível, mas insossa e com letra boba). Por fim, é torcer para você ser um dos sortudos que conseguiu uma cópia do álbum sem a ‘bônus track’ Take What You Want, pelos motivos apontados no início deste texto. Não é necessária uma decepção justamente agora, certo? Se a sua cópia vier com a faixa bônus, faça como fizemos em 1997, quando o OBITUARY decidiu que era uma boa ideia incluir a Bullituary em seu Back From The Dead: Simplesmente ignore e volte para o início, pois este álbum vai crescer em você. Não é um clássico, nem um dos destaques da jornada. Também torcemos para que não seja uma despedida. Mas, se for, obrigado por tudo grande mestre.