Logo na primeira olhada, a capa do álbum já traz algumas ótimas impressões: Primeiro, você não tem como evitar a associação desse cenário desolado e ameaçador com as histórias sombrias e repletas de mistério de Howard Phillips Lovecraft. Quais entidades vagam pelas sombras dessas paragens insólitas? Que potestades tornam esse ambiente em algo tão hostil à vida? Que tipo de criatura antediluviana sagra essas terras e as transforma nesse caos infértil de solidão e desesperança? Em seguida, a mente começa a traçar paralelos com outras capas que trazem essa mesma vibração. As escadarias e as cascatas belas e ameaçadoras na arte de Transcend The Rubicon (BENEDICTION, 1993), a solidão esmagadora de um caminho funesto na arte de Left Hand Path (ENTOMBED, 1990), duas obras do incrível Dan Seagrave que retratam com maestria o causticante universo ‘lovecraftiano’, que vemos aqui também nessa incrível arte criada pelo espanhol Juanjo Castellano.
Assim, tomando apenas a capa como referência, temos conexões feitas com ENTOMBED e BENEDICTION, duas bandas lendárias; temos referências a Left Hand Path e Transcend The Rubicon, duas das maiores obras da época de ouro do death metal; uma sólida aura de terror e mistério, algo que sempre fez tão bem a um estilo de música tão extremo e desafiador quanto o death metal. Ou seja, o artista espanhol (conhecido também pelo seu trabalho incrível ao lado de ATARAXY, NOMINON, PAGANIZER, REVEL IN FLESH, AVULSED e muitos outros nomes seminais da ‘podreira’) fez a sua parte e criou uma ótima primeira impressão, então, o que nos resta saber agora é se o CARNATION realmente merece ser mencionado entre os gigantes que mencionamos até agora. E essa é uma ótima pergunta para guiar a nossa jornada através deste novo Where Death Lies.
Bastam os primeiros segundos da já bem conhecida Iron Discipline (a faixa de abertura foi uma das que ganhou vídeo oficial) para perceber que a banda deu nova força para velhas armas nesse novo álbum. Fundada em 2013 na Bélgica, a CARNATION lançou o seu primeiro álbum completo em 2018 (Chapel Of Abhorrence, que sucedeu o EP Cemetery Of The Insane, de 2015), e já lá apostava em uma mistura poderosa e violenta de thrash/death com o death metal típico da Suécia nos anos 1990. Essa mistura continua extremamente efetiva aqui, mas a velocidade absurda e os riffs cortantes de Iron Discipline parecem evocar um peso maior no lado thrash/death, aquele mesmo peso absurdo que ouvimos em bandas seminais como VADER, TORTURE SQUAD, JUNGLE ROT, MALEVOLENT CREATION e SADUS.
Mas não é nada que deverá preocupar os fãs, já que a ênfase se confirma novamente no ‘lado sueco’ das coisas. Sepulcher Of Alteration, outra que foi premiada com videoclipe, dá as caras com um riff inicial que qualificaria a canção para qualquer dos discos iniciais do BLOODBATH, e se você gosta de death metal, sem dúvida sabe ao que equivale dizer isso. Aliás, é preciso abrir um parêntese para destacar a performance absurda do vocalista Simon Duson (pois é, você lembra da banda thrash PREMATORY? Nada aqui é coincidência…), que canta com muita clareza, embora mantendo sempre o gutural. E já que falamos em BLOODBATH, você sabe aqueles ‘drives’ insanos que Mikael Åkerfeldt costumava usar, quebrando frases longas em sentenças mais curtas e violentas? Pois bem, espere muito disso por aqui.
Na sequência, a faixa-título chega com mais um riff death/thrash seminal, rápido e vicioso. Além de uma performance absurda do destacado vocalista e dos riffs, essa música realmente agarra o ouvinte pelo refrão, repleto de ‘groove’ (aquele groove assassino de um DYING FETUS, e nada ‘pula-pula’, as referências aqui são outras…), que destaca o trabalho da ‘cozinha’ formada pelo baterista Vincent Verstrepen (ex-HÄMMERHEAD, outra banda thrash) e o baixista Yarne Heylen (que trabalhou na mixagem dos viciantes novos álbuns de WARBRINGER e SKELETAL REMAINS, entre muitos outros).
Se Spirit Excision traz algumas variações nos vocais (não se assuste, nada estranho, nada incomum ou fora do extremo) e ótimos riffs, a sua sucessora, Napalm Ascension chega para se provar uma das melhores do disco. O ritmo é cravado no old school death metal que tanto louvamos. A música começa modorrenta, levemente arrastada, mas ganha em tom e força. Essa impressão é gerada principalmente pela letra, repleta de frases fortes que ganham um peso ainda maior ao acompanharmos com atenção. “To free my soul, I must destroy my exterior”, canta Duson enquanto as guitarras parecem entrar em combustão, “Like a burning coal, I will combust into oblivion”, o vocalista continua, enquanto sentimos o sangue ferver nas veias com mais uma passagem daquele groove que só o death metal é capaz de construir. Bela pedida, para ouvir repetidas vezes.
Em seguida, chamo atenção para o riff inicial de Serpents Breath, que fará você lembrar de Override of the Overture, música que apresentou o seminal Like An Everflowing Stream (DISMEMBER, 1991) para o mundo. Aliás, referências ao velho DISMEMBER não faltam em todo esse álbum, mas é curioso como o CARNATION soa exatamente como aquilo que eles de fato são: em nenhum momento eles parecem uma banda sueca dos anos 1990, mas sempre como uma nova banda, uma banda moderna mas completamente devotada àquele som. Isso te faz pensar em algo? Em BLOODBATH, talvez? ENTRAILS (que é bem mais antiga, mas só lançou seu álbum de estreia em 2010)? Quem sabe MORDBRAND? Tanto faz, todas as opções estariam certas, então, sugiro que comece a pensar seriamente sobre a aquisição deste álbum para a sua coleção, pois está na cara que ele foi criado com um certo perfil de ouvintes em mente.
Para fecharmos, não posso deixar de recomendar a audição repetida dos riffs sensacionais da dupla de guitarristas Jonathan Verstrepen (ex-EVIL INVADERS) e Bert Vervoort (ex-WARBEAST REMAINS) em Malformed Regrowth, a entrega vocal absurda de Duson em Reincarnation (outra com letra incrível) e o encerramento brutal com In Chasms Abysmal, que com seus quase oito minutos é a mais longa composição já criada pelo CARNATION. Um encerramento digno para um álbum tão bom. Agora, o CARNATION merece ser mencionado entre os gigantes do death metal? Só o tempo dirá, mas, pelo que ouvimos até agora, eles vão agarrar esse posto ‘à unha’! Nada mal para um disco criado sob a lua daquele infecto lugar ‘onde a morte repousa’…