Como começar a descrever o que aconteceu naquela noite de sábado? Não necessariamente porque estou com três emplastros de Salonpas no pescoço. Não, definitivamente não é porque incomoda um pouco virar a cabeça para olhar para os lados, apesar de os movimentos estarem comprometidos exatamente por causa do que fizeram Mark Tornillo (vocal), Wolf Hoffmann e Uwe Lulis (guitarras), Peter Baltes (baixo) e Christopher Williams (bateria) – e não, não é culpa deles, que fique bem claro. O problema é o peso da idade. Bom, já consegui escrever, digo, enrolar um pouco para começar esta resenha, porque, na verdade, não há palavras que façam justiça ao que o Accept aprontou no Imperator. Afortunados foram os que compareceram em ótimo número, enchendo a casa, e bem disse um amigo ao fim do show: todos deveriam ter saído, comprado novamente um ingresso e voltado para continuar aplaudindo.
A força do Accept pode ser medida com a trinca que abriu a apresentação: “Stampede”, “Stalingrad” (com Tornillo empunhando a bandeira do Brasil) e “Hellfire”, todas da fase mais recente do grupo alemão e com participação ativa e empolgada dos fãs, principalmente nos refrãos e coros – o que foi uma constante, abrindo a todo instante um enorme sorriso no rosto de Hoffmann. Resumindo: de um set de 21 músicas, dez foram tiradas de “Blood Of The Nations” (2010), “Stalingrad” (2012) e “Blind Rage” (2014). Mais do que confiar no próprio taco, o Accept mostra ao privilegiar estes álbuns que hoje não existe banda melhor de Heavy Metal, em estúdio e no palco. Pode até ter igual, mas não tem melhor.
E se em 2015 os cinco engoliram o Judas Priest no Rio de Janeiro para dias depois, no Monsters Of Rock, em São Paulo, realizarem o melhor show do ano, desta vez eles pegaram tudo isso e multiplicaram por dois. Aquela horinha do ano passado começou a se transformar em duas numa sequência arrebatadora de clássicos. “London Leatherboys” (que refrão!), “Living For Tonite” (que refrão e que riff!), “Restless And Wild” (nunca foi tão legal tocar ‘air guitar’!) e, espetacular adição ao repertório, “Midnight Mover”, que, juro, fez algunsfãs ensaiaram até as rodadinhas do videoclipe. Isso antes de todos pularem num refrão que evoca o melhor do Hard Rock.
De volta para o futuro, “Dying Breed”, “Final Journey” e “Shadow Soldier“ reforçaram o poder de fogo alemão indo do cadenciado ao mais rápido, mantendo o alto nível para duas agradáveis surpresas: “Starlight”, de “Breaker” (1981), e Bulletproof, de “Objection Overruled” (1993), disco que marcou o retorno da banda com Udo Dirkschneider depois de um hiato de três anos. Logo em seguida, “No Shelter” provou que, sim, era possível ter um terceiro vocalista e ser tão bom, algumas vezes até melhor, como antigamente. E isso inclui também o excelente Williams (como toca fácil esse cara!) e Lulis, que brilha quando troca a timidez no lado direito do palco para, ao lado de Hoffmann ou não, ser o centro das atenções. Fato: o Accept de hoje está ainda mais forte.
“Princess Of The Dawn” soltou o coro de vozes num daqueles momentos de arrepiar, como se todos os presentes estivessem vivendo aquilo pela primeira vez – claro, certamente havia quem estivesse debutando num show do Accept. As excelentes “Dark Side Of My Heart” e “Pandemic” foram mais uma amostra do arsenal interminável de riffs de Hoffmann, que tem os louros divididos com Baltes, com quem sempre manteve acesa a chama do grupo. Tão viva que não havia um fã sequer que não conhecia o material mais recente. Alguém aí falou em relevância?
“Ein Heller und ein Batzen”, acompanhada em uníssono pelos fãs, anunciou “Fast As A Shark” e duas grandes rodas que se abriram na pista, numa explosão de energia como poucas vezes vi recentemente. Era o fim de uma apresentação já antológica. Antes do bis, obviamente. Mas previsível e protocolar não se aplicam ao que veio a seguir. “Metal Heart” foi mais do que emocionante. Foi especial. Pouco importa se já era esperado que o refrão fosse bradado com vontade, ou que “Für Elise”, a obra de Beethoven utilizada num riff e no solo, seria acompanhada por todos. Porque foi de arrepiar! Assim como “Teutonic Terror”, cuja reação causada nos fãs, amplificada por ter dado nem tempo de respirar, comprovou: é um clássico!
“Son Of A Bitch” foi outra daquelas surpresas agradáveis – preciso dizer que o refrão foi acompanhado com vontade, até mesmo com uma certa dose de raiva pelos fãs? –, e “Balls To The Wall”… Bom, imagine o clímax num show espetacular como esse! Eu bem que tentei nestas linhas, mas repito: não há palavras para descrever o que fizeram Tornillo, Hoffmann,Lulis, Baltese Williamsno palco do Imperator – que, diga-se, está tinindo com as reformas que o fizeram ser reaberto em 2012, depois de muitos anos fechado ao público. Mais do que ter entrado para a história de uma casa que recebeu vários grandes nomes nos anos 90, o Accept fincou bandeira como uma das melhores noites de Heavy Metal em todos os tempos no Rio de Janeiro. Você sabe que assistiu a um grande show quando vê as pessoas sorrindo ao fim da última noite. Mas sabe que testemunhou algo único, especial e antológico quando vê as pessoas, fossem amigos ou apenas conhecidos, se abraçando de felicidade. Obrigado, Accept! O prazer foi nosso.
Setlist
1. Stampede
2. Stalingrad
3. Hellfire
4. London Leatherboys
5. Living For Tonite
6. Restless And Wild
7. Midnight Mover
8. Dying Breed
9. Final Journey
10. Shadow Soldier
11. Starlight
12. Bulletproof
13. No Shelter
14. Princess Of The Dawn
15. Dark Side Of My Heart
16. Pandemic
17. Fast As A Shark
18. Metal Heart
19. Teutonic Terror
20. Son Of A Bitch
21. Balls To The Wall