fbpx

ANGRA – SÃO PAULO (SP)

21 de dezembro de 2024 – Tokio Marine Hall

Por Daniel Agapito

Fotos: Denis Svet

Poucas bandas nacionais são tão conceituadas na cena internacional quanto o Angra. Isso é fato desde seu sucesso no Japão nas épocas áureas de Angels Cry às altas turnês europeias que fizeram ultimamente com Fabio Lione. Seu último álbum de inéditas, Cycles of Pain, foi bem-recebido mundialmente e experimentou diversas sonoridades do power e prog metal, mas sem largar o núcleo brasileiro. Com um disco recém-lançado sendo aclamado pelo mundo e uma série de shows promovendo-o, não faria muito sentido parar a banda durante uma fase que parece ser um segundo renascimento, mas foi exatamente isso que anunciaram no começo de setembro, um “período sabático”, talvez seguindo o molde do outro colosso tupiniquim da música pesada, o Sepultura.

Coincidentemente, não deu nem um dia desse anúncio que já seguiram para o próximo; disseram que têm “muito trabalho pela frente”, e assim como alguns ex-integrantes já haviam feito (e fariam de novo), disseram que excursionariam o mundo mais uma vez, agora celebrando o brilhante Temple of Shadows. Lançado mais ou menos 20 anos antes, ele já havia sido objeto de uma turnê comemorativa por Edu Falaschi (e seria de novo em 2025), mas em relação ao Angra, não havia sido tocado na íntegra desde 2006, quando sua turnê original acabou. Antes de chegar no Tokio Marine Hall, eles ainda passariam com esse mesmo “interlúdio” por 10 cidades pelo sul, sudeste e centro-oeste, já tendo mais de 15 datas marcadas pelas outras regiões do Brasil e da América Latina para 2025.

Pincelando brevemente a história do disco, o ambicioso álbum conceitual segue a história de um cavaleiro convocado pelo papa para fazer parte do exército da Primeira Cruzada. Jerusalém, terra sagrada para tanto os judeus quanto os cristãos, se encontrava tomada pelos muçulmanos há anos. O cavaleiro encontra um rabino judeu, cego e maltratado, que pede para que “espalhe seu fogo”, queimando os templos que lá se encontravam. Antes de sair, este Caçador das Sombras havia conseguido montar uma família, mas viu todos morrerem por conta da guerra, lançando críticas à religião. Pulando para o final, seus últimos momentos são em uma cela, preso, e ele morre com os mesmos questionamentos de sempre, sobre ele, e sobre a sociedade. Muito provavelmente passei por boa parte dos detalhes e simplifiquei a ponto de perder a mensagem, mas o disco é incrivelmente complexo e merece ser ouvido na íntegra para realmente captar tudo que tem a oferecer.

As portas estavam para abrir às 19h30, mas muito provavelmente por conta da chuva que havia caído pela terra da garoa, a abertura atrasou bastante, só acontecendo por volta das 20h. A fila estava surpreendentemente curta para um show no Tokio Marine Hall, mas àquela altura não dava para distinguir se era pelo horário, por ter banda de abertura ou porque o público não engajou. Por volta do horário da primeira banda, essa história se confirmava: a pista premium estava com mais ou menos metade de sua capacidade, enquanto a pista normal estava praticamente às moscas.

Para iniciar os serviços, foi chamada a Azeroth, lendária banda de power metal Argentina, conhecida por sua abordagem mais melódica do amado “metal espadinha”, e que também acompanhara o Angra no dia anterior, em Curitiba. Mesmo com quase 30 anos de estrada (foi formada em 1995), esta seria a primeira sequência de apresentações deste pilar do metal melódico latino aqui no Brasil. 2024 foi um ano ativo para o grupo portenho, que lançou um single – No Te Rias – e um EP com algumas releituras de músicas de seu álbum Beyond Chaos, que em si já é uma versão em inglês do álbum Más Allá del Caos. Subiram no palco por volta das 20h50, horário marcado, e até conseguiram animar bem o público, que aumentava de pouco a pouco.

Nacho Rodriguez, o vocalista, esbanjava uma energia incrível, correndo pelo palco, jogando as mãos ao ar e incentivando o público a fazer o mesmo. Mesmo com o vocal estando um pouco fora do tempo por conta de falhas no retorno, parecia que a presença de palco enérgica deles compensava. Claramente, ele estava muito feliz por estar tocando em São Paulo, como disse diversas vezes durante o show. Falou que o Brasil tinha as maiores bandas do metal sul-americano e que éramos referência para o resto do continente. Tamanha era a conexão do vocalista com o local, que ele passou o show inteiro falando português, tocando apenas uma música em espanhol, La Salida. O resto do repertório focou em suas músicas em inglês, Left Behind, Falling Mask e Urd – que aborda temáticas da mitologia nórdica –, dentre outras. Uma grata surpresa em seu setlist foi a inclusão de Prelude to Oblivion, do Viper e lançada em seu disco de 2018, que desta vez foi dedicada ao saudoso Pit Passarell.

Com uma introdução longa e cinemática, com pilares de fumaça e alvoroço dos fãs, o Angra subiu ao palco tocando Faithless Sanctuary, uma das faixas mais diferentes do Cycles of Pain, mesclando um som mais progressivo com “brasilidades”. Enquanto o show era sim uma celebração a Temple of Shadows, o começo e o final viram algumas outras músicas além da execução do disco em si. Com duas batidas fortes de Bruno Valverde sinalizando o início da Acid Rain, Fabio Lione mostrou suas habilidades de tenor, que podem não ser perfeitas para atingir os agudos estrondosos do André Matos, mas para fazer a introdução deste destaque do Rebirth cabem perfeitamente. Após um grito singelo de “olê, olê, olê, olê, Angra, Angra!”, vindo de um público agora já muito maior, deram sequência ao show com ambas as partes de Tide of Changes, novamente do novo álbum.

Lione até tentou interagir com o público para introduzir Temple, mas vendo a reação meio morna do público, passou o microfone para Rafael Bittencourt. Quando soaram os primeiros acordes de Spread Your Fire, uma coisa ficou clara: o público estava lá única e exclusivamente para prestigiar Temple of Shadows. O refrão foi cantado em uníssono e a plenos pulmões por um grupo de fãs que evidentemente tinha apreço gigante pelas músicas da época. Na pista premium, havia até um grupo de pessoas pulando, quase abrindo mosh, em um show do Angra. Um mar de celulares foi ao ar para registrar o momento, que naquela hora, era realmente algo mágico.

Seguiram a ordem do CD, tocando a vertiginosa Angels and Demons, que teve seu refrão ecoado com força pelo público, algo que viria a se tornar comum no resto das músicas. Provando que ainda é muito mais italiano do que brasileiro, Lione nos mostrou seu molejo com uma pequena dancinha antes de Waiting Silence, que realmente até é relativamente “dançante”, e também um pouco mais progressiva. O vocalista chegou a fazer um baita suspense, dizendo que a próxima possivelmente não tinha sido tocada em São Paulo, e anunciou Wishing Well. Para os que ficaram curiosos sobre a faixa e sua passagem pela capital paulista, ela foi tocada mais de 10 vezes na cidade, inclusive duas vezes em shows no Playcenter.

Como muitos sabem, na versão gravada, The Temple of Hate conta com a voz inconfundível de Kai Hansen (Helloween, Gamma Ray), e para deixar mais fidedignos os versos que eram de Hansen, Lione até adotava um drive diferenciado na voz, que oscilava entre Kai Hansen e Dave Mustaine, tomando um aperto no saco, mas deu um algo mais à música. Mesmo já praticamente sabendo qual seria o setlist do show, cada música nova arrancava uma reação extremamente positiva e de surpresa dos fãs, como em The Shadow Hunter, que mesmo com Bittencourt escorregando um pouco para fazer a introdução incrivelmente complexa no violão, foi recebida calorosamente, com uma avalanche de gritos. A icônica ponte “Vanitas! Vanitas! Utters the oracle” foi cantada quase tão forte pelo público do que pela banda, com os fãs praticamente igualando o volume ao de Lione.

Antes de No Pain for the Dead, Lione disse que tinham uma surpresa, uma cantora convidada que iria cantar com a banda. As luzes se apagaram, Bittencourt dedilhava o violão e o suspense reinava. Os primeiros versos foram cantados de maneira linda por Lione, com uma boa ajuda dos espectadores. Depois do primeiro refrão, Lione anunciou Vanessa Moreno, cantora e instrumentista que já tem um portfólio decente com o Angra. Ela participou de algumas músicas de Cycles (Tide of Changes – Part II e Here in the Now), gravou o CD acústico deles (cantando Tide e a própria No Pain) e, de acordo com o site setlist.fm, quase iguala Edu Falaschi (depois de ter saído da banda) em termos de participações em shows.

O vocalista deu uma de Freddie Mercury e interagiu com os fãs, fazendo aquela famosa troca de “uôôô” antes de seguir com Winds of Destination. Em alguns shows, Felipe Andreoli cantava as partes que em estúdio foram interpretadas por Hansi Kürsch (Blind Guardian), mas desta vez foi só Fabio mesmo. A performance de Sprouts of Time foi, de certa forma, “histórica”, por ser a primeira vez em que o Angra a tocou em São Paulo com Lione, mas, fora isso, foi recebida de forma morna pelo público – afinal, ela está profundamente no lado B. Morning Star seguiu nessa mesma linha, mas os canhões de fumaça na frente do palco antes do solo deixaram minimamente mais interessante.

Como o vocalista informou, haviam chegado no final do disco, faltando só uma música – aquela que seria realmente o diamante da coroa da discografia do Angra, uma das composições mais lindas da história, dentro ou fora do metal: Late Redemption, que originalmente conta com um dueto lindo com o gigante Milton Nascimento. Como já era de esperar, quem assumiu as partes de Milton foi Rafael Bittencourt, mas a estrela foi realmente dos fãs, que em uníssono gritavam com força os versos do Bituca.

Temple of Shadows havia chegado ao fim, mas o show ainda não, visto que já era quase meia-noite. Fizeram uma trinca que começou com Make Believe, que como boa parte das músicas do André Matos não está exatamente no alcance vocal do Lione, mas em show do Angra não pode faltar – a banda não tocar Make Believe é como Eric Clapton não tocar Layla (o que vem acontecendo nos últimos anos, por incrível que pareça). Durante Make Believe, fizeram questão de passar o clipe, que se você, leitor, não está lembrado de como é, vá assistir, pois é no mínimo diferenciado.

E podem dizer o que for de Lione, mas uma coisa é fato: quando ele vai cantar as músicas dele, é uma força da natureza. Isso ficou evidente na execução de Vida Seca, que é quase uma tentativa de reacender a chama de Late Redemption, que conta com participação de Lenine em estúdio. No show, Bittencourt novamente assumiu a segunda voz. A “última” da noite foi Rebirth, contando novamente com o reforço de Vanessa Moreno. A voz dela orna demais com o Angra, parece que compensa perfeitamente Lione. Acertaram em cheio trazendo ela para participar.

Que nem o Sepultura, todo mundo sabe que a “última” música do Angra nunca é a última. O Sepultura sempre fecha com Ratamahatta e Roots Bloody Roots, e o Angra, com Carry On e Nova Era. Como dizia Rodolfo Abrantes, “são as leis da natureza e ninguém vai poder mudar”. Saíram do palco, voltaram dois minutos depois e foi aquilo lá: Unfinished Allegro pelo PA e “tchan-tchararan-tchan-tchararan-tchan-tchararan”, mas sem a parte final, como sempre, porque ninguém a não ser o André Matos chega naquele último agudo. Por mais que seja uma música já bem batida, que ninguém que já viu Angra aguenta mais, é um clássico, e dizer que levanta o público seria minimizar muito o efeito que ela produz nos fãs. Em Nova Era, a mesma coisa: quem viu uma vez, viu tudo. O vocalista até deu algumas “tremidas” na hora de cantar, mas ele não só executa as músicas do Edu melhor do que as do André, mas atualmente canta as do Edu melhor que o próprio Edu. Com esse hiato, sabe Deus o que virá nesta possível terceira nova era.

O show certamente não foi perfeito, mas nenhum show nunca é. Como grande parte das coisas ligadas ao famigerado “Angraverso”, especialmente no caso desta turnê comemorativa, o forte era mesmo o saudosismo, e com o hiato iminente, havia aquela sensação de “nossa, talvez seja a última vez que veja o Angra, pelo menos por um bom tempo.” Lione inventou moda com os vocais? Um pouco, mas pelo menos tentou chegar nos agudos, diferente de um certo ex-membro do Angra que faz shows com exatamente esse mesmo repertório. O “legal” de ir para show é exatamente o fato de não ser algo perfeito, de ser algo mais humano, com uma energia diferente. O que pesa não é necessariamente a música, mas sim a energia de quase 4 mil fãs de Angra, que estavam lá reunidos em um sábado chuvoso, quase no Natal, para prestigiar o que sobrou de uma das maiores bandas da história do Brasil.

Se esse hiato foi um “tchau” ou apenas um “até breve” não sei, mas aquele show com certeza foi uma “despedida” digna.

Azeroth setlist

Left Behind

Falling Mask

Urd

The Promise

La Salida

Beyond Chaos

Prelude to Oblivion (Viper)

Trails of Destiny

 

Angra setlist

Faithless Sanctuary

Acid Rain

Tide of Changes – Part I

Tide of Changes – Part II

Deus Le Volt! *

Spread Your Fire

Angels and Demons

Waiting Silence

Wishing Well

The Temple of Hate

The Shadow Hunter

No Pain for the Dead

Winds of Destination

Sprouts of Time

Morning Star

Late Redemption

Make Believe

Vida Seca

Rebirth

 

Bis

Unfinished Allegro *

Carry On

Nova Era

Gate XIII *

*pelo sistema de PA

 

  • Clique aqui para receber notícias da ROADIE CREW no WhatsApp.

 

 

Compartilhe:
Follow by Email
Facebook
Twitter
Youtube
Youtube
Instagram
Whatsapp
LinkedIn
Telegram

MATÉRIAS RELACIONADAS

EXCLUSIVAS

ROADIE CREW #283
Novembro/Dezembro

SIGA-NOS

49,6k

57k

17,2k

980

23,4k

Escute todos os PodCats no

PODCAST

Cadastre-se em nossa NewsLetter

Receba nossas novidades e promoções no seu e-mail

Copyright 2025 © All rights Reserved. Design by Diego Lopes

plugins premium WordPress