O compositor Christian Gibbs pode ser considerado um homem que não se prende ao tempo atual. Seu novo disco, Sleep The Machines é uma verdadeira volta ao passado que mostra sua voz, sua guitarra e algo mais. Ele pode ser considerado um trovador que foi transportado para um mundo repleto de tecnologia e equipamentos digitais, mas que ainda faz música com o único intento de cativar o ouvinte. Na verdade, ele já tem mais de dez lançamentos em sua discografia, incluindo trabalhos que assinou como C. Gibbs ou com a banda Lucinda Black Bear. Adepto daquele estilo musical puramente americano, como o que consagrou Bruce Springsteen, Christian fala nessa entrevista sobre o novo disco e sobre sua carreira.
O que levou você a registrar Sleep The Machines de uma forma tão crua e orgânica?
Christian Gibbs: Eu sempre quis gravar um disco dessa forma! O produtor Andrew Hollander propôs que fizéssemos um trabalho acústico e eu percebi que era uma ótima ideia já que as músicas cabiam perfeitamente nesse formato.
Você criou as linhas de vocal e de guitarra ao mesmo tempo?
Christian: Sim, fiz as duas simultaneamente. Foi ideia de Andrew criar um disco assim, ele achou que daria uma cara mais natural, mais orgânica às músicas.
Patches Of Steven tem um arranjo baseado em piano e cordas. Qual sua inspiração para criar algo assim? Beatles? Música Clássica?
Christian: Acredito que isso vem de Beatles e de outras bandas, como Flaming Lips. Eu também adoro Música Clássica, mas essa canção em especial surgiu de uma forma totalmente espontânea.
Você já tocou no formato elétrico mas é evidente que prefere o acústico. Por quê?
Christian: Eu toco violão desde que era criança e me sinto mais à vontade nesse instrumento – acho-o também mais inclusivo. Eu tenho uma guitarra Fender Telecaster feita no México que tem me acompanhado há muito tempo, ou seja, também amo o som da guitarra elétrica. Na minha última turnê, quase comprei mais uma guitarra, mas já estava no limite de bagagem que podia embarcar no avião, então acabei não comprando.
Quais são suas maiores influências em termos acústicos?
Christian: Eu adoro Mississippi John Hurt, John Fahey, John Prine, Nick Drake e Elliott Smith.
Você conhece Bert Jansch? John Renbourn? Jimmy Page?
Christian: Sendo totalmente franco, não conheço os dois primeiros. Jimmy Page é claro que conheço.
Você gosta de usar afinações alternativas?
Christian: Sim, há várias delas que eu adoro, mas fica muito complicado usá-las ao vivo.
Ainda falando de violões, quais instrumentos você usa para alcançar o timbre que você procura?
Christian: Eu adoro um violão Gibson que tenho, de corpo pequeno e construído antes da II Guerra Mundial. Ele é ideal para se trabalhar em estúdio. Eu uso cordas de aço nele, a ponte quase sai fora com a tensão. Esse instrumento eu ganhei de minha avó, ele pertencera a seu esposo, que faleceu há alguns anos. Ela mandou para minha casa pelo correio – e sem o case! Também adoro um Guild ano 1976 modelo jumbo que é ideal para usar no palco. Ele é perfeito para ser dedilhado e fica muito bom quando amplificado e turbinado por alguns efeitos. Quando eu faço um solo dedilhado, adoro ouvir o som da madeira rangendo!
Você já trabalhou com artistas dos mais variados estilos, incluindo o grupo Foetus (N.T.: projeto experimental criado pelo músico australiano J.G. Thirlwell e que lançou nove álbuns entre 1981 e 2010). Você participou do disco Love, de 2005. Como foi essa experiência?
Christian: Eu gosto de todos os tipos de música. Tanto que meu próximo disco não vai ser totalmente acústico, como muitos imaginam. Gosto de me desafiar como músico e tocar com o Foetus foi muito interessante porque os shows tinham todo um aparato envolvendo ‘samplers’ e a concentração tinha que ser total. Além disso, JG não se limita a ser um guitarristas, ele sempre dava muita liberdade para que todos experimentassem coisas novas em cima das bases pré-gravadas. Havia muita loucura, ele chegava a transportar o som de um elefante bramindo para sua guitarra! Era tudo muito criativo. Confesso que não consigo lembrar de qual música gravei no disco Love (N.T.: foi Time Marches On), mas lembro que cheguei lá um dia, pluguei minha guitarra num amplificador velho que ele tinha no estúdio. Ele ligou a guitarra em linha na mesa e eu sugeri que a gente microfonasse o amplificador com um Shure SM 58 e ele me olhou como se eu tivesse três cabeças… (risos) Dei umas sugestões de timbres mas ele nem me ouviu, fez tudo do jeito dele e eu fiquei imaginando que ninguém ia conseguir sequer ouvir minha guitarra no disco. Mas é tudo isso que faz o Foetus genial.
Como você foi parar no Modern English (N.T.: banda de Pós-Punk que surgiu no final dos anos 70)? Você curtia esse estilo de Rock? Chegou a gravar com eles?
Christian: Gravei um show com eles em Boston, mas não sei nem se o disco chegou a sair. Eu trabalhava como músico contratado e fiz umas duas tours com eles. Eu entrei na banda após ver um anúncio na revista Melody Maker, na época em que eu vivia em Londres. Isso foi depois antes de eles fazerem sucesso. Mas foi uma ótima experiência. Depois disso, passei a conhecer muitas bandas da 4AD (N.T.: selo independente britânico que tinha contrato com o Modern English e especializado no seu tipo de som). Foi aí que conheci Echo And The Bunnymen, Smiths, The Cure etc.
O Lucinda Black Bear (N.T.: banda de Chamber Rock liderada por Christian) é um grupo muito interessante. Qual seu objetivo musical com essa banda? Por favor, fale um pouco sobre o disco de estreia, Capo My Heart And Other Bear Songs.
Christian: Hoje somos um quarteto: eu na guitarra e vocal, Mike Cohen no baixo, Kristin Mueller na bateria e Chad Hammer no cello – ele é o mais novo membro da banda. Eu queria criar, ou ainda quero, um som experimental na linha do Folk orquestrado. Todos os músicos envolvidos ajudam a dar uma personalidade única ao nosso som. Capo My Heart and Other Bear Songs foi um álbum muito legal de se gravar. Ele foi feito de forma fragmentada, por assim dizer. Eu ia desconstruindo e remontando com bateria as faixas que havia gravado na demo do disco. Parte dele surgiu das demos que eu registrei num gravador Roland modelo 1680. Converti as faixas para o sistema digital e fui mexendo, incluindo outros instrumentos e até partes orquestradas.
Por outro lado, você se parece um pouco com os trovadores de antigamente, o sujeito que saía cantando acompanhado apenas por seu violão. De onde surgiu seu interesse por esse tipo de música?
Christian: Eu gosto do lado prático de ser, como você diz, um trovador. Você pode se expressar de forma clara e direta dessa forma. Apesar de eu preferir tocar com uma banda, é muito recompensador subir sozinho no palco com um violão e ganhar o público . Eu sempre admirei músicos que faziam isso, como Bob Dylan, John Fahey, Nick Drake e até Neil Young solo. Adoro quando os sons da voz e do violão se unem e se entrelaçam.
Então, você é fã Bob Dylan? E de Paul Simon? Leonard Cohen?
Christian: Sim, dos três. Mais de Dylan e Leonard Cohen. Mais de Dylan, pra ser totalmente franco.
Você chegou a se dar conta que essa sua abordagem da música se afasta completamente do mundo digital? Todos os recursos digitais à disposição de todo mundo fizeram com que o som intimista fosse deixado de lado?
Christian: Sim, mas muita gente ainda está tomando decisões conscientes e fazendo ótimos trabalhos acústicos mesmo com todos os recursos digitais. Gosto de muita coisa de Kurt Vile (N.T.: vocalista do grupo Indie americano The War On Drugs). Apesar de às vezes se mostrar um pouco rebuscada, sua música é diferente e interessante. Não me incomodo nem um pouco com a tecnologia e apoio todo mundo que queira brincar com o Garage Band. Acho que a coisa mais maravilhosa da música enquanto expressão artística é que ela se mostra aberta para todo mundo. Se ela é boa ou não é uma outra coisa, isso o ouvinte é que vai decidir.
Quando você sabe que conseguiu um momento perfeito numa gravação?
Christian: Quando você sente aquele arrepio na espinha e percebe que sabe claramente por que você precisa continuar fazendo música. Você se sente recompensado na sua busca pela música e não se importa se vão ouvir ou não, você já se sente extasiado com o que sai dos fones de ouvido e não vê a hora de pegar o disco e ouvi-lo no carro viajando sozinho.
Você abriu para John Mellencamp e Son Volt (N.T.: grupo de Alternative Country). Como foi essa experiência?
Christian: Na verdade, nós estávamos nos apresentando em palcos diferentes e não chegou a haver um contato entre nós. O Son Volt foi quem abriu para Mellencamp, enquanto a gente se apresentava no palco próximo à entrada. Foi uma experiência ótima, mas a verdade é que nunca encontrei com John Mellencamp, apesar de termos a mesma agência de shows. E eu adoro seu trabalho, ele faz músicas realmente muito boas. Mas esse episódio que você lembrou aconteceu há muito tempo. Eu lembro que nessa tour a gente tinha credenciais ‘all access’ para as áreas de ‘backstage’ e de ‘catering’, mas um dia colocamos todos os nossos amigos lá e as credenciais foram tiradas de nós… (risos)
Você poderia falar um pouco sobre o projeto Why Make Clocks, que lançou o disco Midwestern Film (2006)?
Christian: Eu não tenho uma memória muito clara desse projeto, mas lembro que fui convidado por Dan Hutchison (N.T.: cantor e compositor americano). Chegamos a fazer ao menos uma tour.
E seu trabalho como engenheiro de som no disco Calypso & Island Songs, do grupo Merrymen?
Christian: Nem imagino o que seja isso! Deve ser alguém que me deu um crédito que eu não mereço (N.T.: o disco da banda de Calipso da ilha de Barbados lançou esse disco em 1988 e Christian Gibbs de fato é creditado como engenheiro de som).
Já o disco Fully Loaded (1995), do Morning Glories, no qual você cantava e tocava guitarra, tem uma influência clara do Blues Rock inglês. Você é fã de Yardbirds? Jeff Beck? Free?
Christian: Esse foi outro disco em que me diverti muito fazendo. Eu acho que a sonoridade dele tem mais a ver com o fato de eu ser um garoto sendo seduzido pela sonoridade das bandas do noroeste dos EUA dos anos 90 e pelas bandas de Blues da Costa Leste, como Jon Spencer e Railroad Jerk.
Você também produziu e fez os arranjos para o disco Play Some Pool, Skip Some School, Act Real Cool: Bruce Springsteen Tribute (2009). Bruce é um dos seus heróis? Você já teve a oportunidade de encontrá-lo?
Christian: Eu adoro o disco Nebraska (1982) e alguns outros que ele fez. Nunca cheguei a encontrá-lo pessoalmente. Mas fiz uma versão de Born To Run que eu toco sempre nos meus shows. É a mesma versão que está no disco que você citou. Eu praticamente mudei a música toda, só mantive a letra. Mas eu não cheguei a produzir o disco, só fiz minha versão de Born To Run.
Então, os aliens finalmente chegaram à Terra e encontraram a cápsula do tempo de Christian Gibbs. Lá há três músicas. Quais músicas você gostaria que eles ouvissem?
Christian: Waltz #3, de Elliott Smith. Essa música é incrível e mexe comigo toda vez que a ouço. Eu queria muito tê-la escrito. Depois, Kites, de Capo My Heart And Other Bear Songs. Ainda adoro ouvir essa faixa, ela tem uns detalhes muito interessantes. E Hush Too Loud, do meu novo disco. Ela tem uma sonoridade que chega a ser estranha, misteriosa. Eu a chamo de ‘Space Folk’! Divirtam-se, aliens!