Por Daniel Agapito
Fotos: Lara Zugaib (*exceto onde indicado)
Para alguns, são a pior banda da história. Para outros, os pais do doom metal, e para alguns outros ainda, “aquela banda lá que é tipo Maiden”. Eles se juntaram inicialmente em 1971 e nesses mais de 50 anos na ativa (tirando um hiato entre 1992-2015), o Cirith Ungol se tornou um dos grandes nomes ‘cult’ do metal. Com um som épico e característico da época, eles têm mantido viva a chama do heavy metal. Sobre a despedida, Robert Garven, baterista e membro-fundador, comentou comigo em entrevista: “Queremos sair em grande estilo em vez de virarmos uma paródia de nós mesmos”.
Para iniciar a noite, tivemos o ataque metálico do Chumbo, banda de heavy metal paulistana que está na ativa desde 2016. Por conta do trânsito de São Paulo, este que vos escreve não conseguiu comparecer a tempo de prestigiá-los, mas seu repertório consistiu majoritariamente do seu álbum autointitulado, com faixas como Você Contra o Mundo e Rock de Alta Voltagem. Sobre a apresentação, Rodolfo “Aço Selvagem” disse: “Muito heavy metal, muita cerveja, alegria, amizade! Nosso show foi muito bom, ficamos satisfeitos com o resultado. Estava com a voz rouca, mas entreguei o melhor que foi possível, os caras tocaram perfeitamente. As outras bandas foram muito bem também! Um dos melhores rolês que já fiz, uma das melhores noites de heavy metal da minha vida!”
Às 19h50 veio o Hellish War, banda veterana com aquele power metal bem tradicional. Começando as atividades na cidade de Campinas em meados de 1995, nestes 30 anos de atividade se consolidaram como uma das “joias escondidas” da cena nacional. Deram início à apresentação com Hellish War, segunda faixa de Defender of Metal (2001), e era óbvio que já eram um nome conhecido por boa parte do público, que era surpreendente jovem, dada a época de sucesso inicial dos headliners. Seguiram espalhando a palavra do metal com The Challenge, cuja gravação original já conta com o vocalista atual, o brilhante Bil Martins. Em meia hora de show, passearam bem por sua discografia, só não contemplando Wine of the Gods, álbum mais recente, que realmente vai para uma direção mais power metal, menos parecida com o resto das bandas da noite. No geral, foi um ótimo aquecimento para a noite de metal que estava por vir.

Um dos pilares do heavy metal mais moderno, o power trio estadunidense Night Demon subiu no palco do Hangar assim que o relógio bateu 21h. Ao som de Prelude tocando pelo sistema de PA, foram calorosamente recebidos por uma casa que já estava bem mais cheia, e começaram mais de leve, com Outsider, um tanto chiclete. Não demorou muito para o bate-cabeça começar, pois deram sequência com Screams in the Night, um verdadeiro ataque metálico. Com percussão rápida e riffs diretos e retos, Screams cabe perfeitamente no molde mais oitentista do metal tradicional, bebendo muito menos da fonte do hard rock do que seus trabalhos atuais. Vale destacar também a habilidade do guitarrista Armand Anthony, que sem falar uma palavra conseguiu estabelecer uma conexão com o público, e mais importante, toca muito.
Introduzida por uma virada vertiginosa, veio Escape from Beyond, mais uma do disco mais recente, que constituiu grande parte do setlist daquela noite. Não eram todas as faixas da banda que eram recebidas com altas cantorias, o público até conhecia o material do Night Demon, mas não a ponto de cantar junto – a atração mesmo era a banda que viria depois. Voltando para seu material mais antigo, executaram Dawn Rider e The Howling Man, e após esta os fãs já gritavam “Night Demon! Night Demon!” Acalmaram as coisas com Beyond the Grave e The Wrath, que beira uma balada e seria a hora de levantar o isqueiro (e alguns realmente levantaram).
Welcome to the Night foi introduzida com uma pergunta simples de Jarvis Leatherby (vocal e baixo): “Tem algum fã de heavy metal old school aqui?” Impondo sua autoridade, continuou: “Então guarde o celular! Vocês estão aqui conosco. Podem parar com os vídeos, as pessoas já sabem quem somos, não precisamos da promoção de vocês, e não é como vocês chegarem em casa e assisti-los.” Com uma reação mista vindo dos fãs, você realmente não via mais os dispositivos, e seguiram normalmente com a primeira parte da faixa. Não chegaram nem no primeiro refrão, que alguém no meio da pista foi lá e levantou o celular. Claramente perturbado, Leatherby parou a música e ameaçou parar o show se visse mais algum: “Se qualquer um de vocês vir alguém usando, mande pra puta que pariu! Viemos de longe, viva o momento!”
Ao som de música clássica pelos alto-falantes, era iniciada a aula de metal proferida pelo Cirith Ungol. Começaram logo com Atom Smasher, e o público cantava em um volume ensurdecedor, que quase igualava a banda. Um clima de conquista dominava os fãs, pois o que por muito tempo parecia impossível finalmente aconteceu – e pela segunda vez. A formação já não era a mesma desde a primeira vez em que vieram (no Setembro Negro de 2019), desta vez estavam só com um guitarrista. Eram Tim Baker no vocal e Robert Garven na bateria, com Armand Anthony e Jarvis Leatherby do Night Demon voltando ao palco para fazer “turno duplo”. É incrível como a voz do Tim permanece a mesma das gravações de mais de 40 anos atrás. Rob (e seus oclinhos redondos) tocava com precisão e foco – não é aquele baterista insanamente técnico, nem bate fortíssimo que nem o Eloy, mas ele não errava uma batida nem saía do tempo, era claramente muito experiente.
Mantiveram o foco no lado mais épico, mas agora passando para Frost and Fire com I’m Alive, que teve seu refrão cantado a plenos pulmões por um Hangar 110 praticamente cheio. De forma interessante, as luzes geralmente remetiam às capas dos álbuns; para as faixas de Frost and Fire, a maioria do jogo de luzes foi trabalhado em tons de verde. Pulando para a era atual, a terceira música da noite foi Sailor on the Seas of Fate, uma odisseia de mais de 8 minutos que aborda temas como incerteza e destino, retratando literalmente um “marinheiro nos mares do destino”.
Dark Parade, o novo álbum, contempla extensivamente temas como dor e pessimismo, algo explicado por Garven em nossa entrevista: “Tocar uma música mais doom nos dá uma saída para nossos sentimentos e para o que está acontecendo ao nosso redor. Todos nós queremos pensar que somos otimistas e ver o mundo sobreviver com todos felizes, mas se olharmos para o que está acontecendo, é difícil ver isto se manifestar.”
Antes de continuar, veio a primeira interação de Baker com o público, enquanto prefaciou a faixa seguinte: “Somos o Cirith Ungol, e viemos de longe para te trazer sangue e ferro (Blood & Iron)”. Durante o solo, Tim mostrou que apesar de ser bastante quieto, aquele vocalista que está lá para cantar e só, sem falar muito, ainda esbanjava carisma, indo aos cantos do palco cumprimentar os fãs e fingindo que ia dar um stagedive – com os fãs rapidamente estendendo os braços, apoiando-o. Chaos Descends, também de One Foot in Hell (1986), foi a primeira mostra mais explícita do lado doom metal deles, mais devagar e mais sombria. Independente disso, o ânimo continuou lá no alto. Falando em energia lá no alto, veio logo Frost and Fire, que trouxe uma energia absurda. Como o próprio Garven lembra, este álbum é um dos mais acessíveis do grupo, com “material para rádios” e lançado justamente para conseguir apoio de alguma gravadora.
Apesar do sucesso que o disco teve em tempos mais recentes, na época não havia sido assim: “Nenhuma gravadora se impressionou. Nos disseram: ‘Nossa, é muito esquisito, é muito pesado, é muito estranho.’ Decidimos que no seguinte, King of the Dead, não iríamos nos segurar.” Voltando ao show, contemplaram King… com uma simples frase de Baker: “Este será nosso último passeio… na máquina negra (Black Machine).” Após uma breve passagem pelo disco novo com Looking Glass, deram sequência ao trabalho de 1984 com Master of the Pit. Com os últimos acordes, vieram aqueles famosos gritos que todo artista gringo gosta: “Olê, olê, olê, olê, Ci-rith, Un-gol!” No setlist impresso, haveria ainda Forever Black logo antes de Master of the Pit, porém, por alguma razão que não foi explicada, ela e Down Below (que era para ser a penúltima) foram cortadas.
Fechando o lado A daquele mesmo álbum, tocaram a faixa que lhe dá título, King of the Dead, antes de encerrar com Join the Legion, única vez que destacaram Paradise Lost, disco controverso e que viu uma troca brusca de sonoridade: “Foi doloroso e um dos fatores que fez a banda acabar. Isso e outras trocas de formação, alguns problemas com integrantes. No final, só sobramos eu e Tim sentados em uma sala de ensaio pensando: ‘Por que estamos aqui? Por que estamos fazendo isso?’”. Desceram do palco ao som de gritos de “one more song, one more song”, mas infelizmente não houve bis.
Foi uma noite nostálgica, com sensação de sonho realizado. Era óbvio que todos que estavam lá viveram belas histórias ao som do Cirith Ungol, passaram a vida ouvindo Cirith Ungol. O que mais se ouvia pelo Hangar 110 era “não vi eles da primeira vez, nunca achei que fosse ver o Cirith Ungol” ou “podia jurar que iam aposentar sem voltar”. As bandas de abertura, por sua vez, mostraram que o heavy metal ainda está completamente vivo. Fora os headliners, o Hellish War era a banda mais veterana, visto que o Night Demon foi formado em 2011 e o Chumbo em 2016 – se restou algum preconceito com as bandas mais novas, não viram os mesmos shows que todo o resto da casa. Se este realmente for o adeus dos nativos de Ventura, podem ter certeza que não viraram paródia deles mesmos e que tiveram uma carreira incrível, com legado e influência que vão durar para sempre.
Setlist Chumbo
Forja de Hefesto *
Você Contra o Mundo
Lutar
Lixo Humano
Honra e Glória
Trabalhador
Rock de Alta Voltagem
Chumbo
Você Não É Ninguém
Setlist Hellish War
Hellish War
The Challenge
Destroyer
Defender of Metal
Metal Forever
We Are Living for the Metal

Setlist Night Demon
Prelude *
Outsider
Screams in the Night
Escape From Beyond
Dawn Rider
The Howling Man
Beyond the Grave
The Wrath
Welcome to the Night
Night Demon
Cirith Ungol Setlist
(Intro) Tocata em Ré Menor (Bach)
Atom Smasher
I’m Alive
Sailor on the Seas of Fate
Blood & Iron
Chaos Descends
Frost and Fire
Black Machine
Looking Glass
Master of the Pit
King of the Dead
Join the Legion
Clique aqui para receber notícias da ROADIE CREW no WhatsApp.