Por Valtemir Amler
Ao longo dos anos, colecionamos muitos e muitos depoimentos de músicos poloneses que nos contaram as reais dificuldades que os fãs e músicos de música pesada sofreram ao longo dos anos em seu país natal. Grandes líderes da cena, Vader e Behemoth foram bem claros ao expressar que, embora o heavy metal nunca tenha sido proibido na Polônia, nunca faltaram meios para perseguir e reprimir os metalheads. Por sua vez, também nunca faltou aquele típico espírito guerreiro que leva os fãs a criarem bandas e frequentar shows, garantindo crescimento ao cenário mesmo diante de tantos problemas e perseguições. Um dos tantos guerreiros que fizeram da Polônia um sinônimo de metal extremo é o vocalista e multi-instrumentista Adam Buszko, mundialmente conhecido sob a alcunha Adam The First Sinner. Fã das bandas clássicas de metal e de todo o então jovem cenário do metal extremo, Adam fundou o Hate na Varsóvia bem no início dos anos 90, mas precisou esperar até meados daquela década para lançar seu debut, Daemon Qui Fecit Terram (1996). Embora seja difícil especular à respeito, muito dessa demora certamente advinha do fato da Polônia não ser na época um dos principais celeiros do metal extremo mundial (posto que muito merecidamente já alcançou há quase uma década e meia), mas nem isso serviu como empecilho para o grupo, que hoje ultrapassa três décadas de atividades e já conta com doze álbuns completos, além de EP’s, compilações e até um registro ao vivo. Para conhecer parte dessa história e saber mais detalhes da recente trilogia dos poloneses, conversamos com o fundador.
Já há muitos anos o Hate ultrapassou o estereótipo das letras de black metal, partindo em busca de um conceito cada vez mais amplo e completo, por assim dizer. É interessante que esse mesmo caminho esteja sendo seguido por várias outras bandas do gênero, o que você acha que tem motivado isso?
Adam “The First Sinner” Buszko: Em primeiro lugar, acho que você está certo, realmente sinto que evoluímos quando o assunto são as letras, especialmente quando comparado ao que fazíamos nos primeiros álbuns. Não que eu me arrependa de nada do que disse neles, pelo contrário, acho que tudo aquilo realmente precisava ser dito, um garoto precisa destilar o seu ódio e frustração contra uma organização milenar que faz de tudo para transformar as pessoas em gado, em ‘seguidores’ de ideias mentirosas que já foram responsáveis por tantas tragédias. Aquilo foi necessário, e, de certa maneira, ainda é isso que fazemos hoje. Acho que apenas estamos mais inteligentes e sabemos melhor como expressar as nossas frustrações e raiva, de uma forma que se adapte melhor com a música e o todo que estamos criando com a nossa arte. Assim como você, também percebo que outras bandas seguem nessa direção, e acredito que boa parte pode ser isso que falei: estamos mais velhos, aprendemos muitas coisas, e encontramos uma maneira mais inteligente de dizer certas coisas, maneiras que as pessoas acabam recebendo melhor a ideia do que o confronto puro e direto, por assim dizer. E isso é engraçado, pois é um processo natural, que vem acompanhando as bandas de black metal desde os anos 80, eu acho.
Ah, sim. Ainda lembro quando o Bathory partiu de In Conspirasy With Satan (Bathory, 1984) para Call From The Grave (Under The Sign Of The Black Mark, 1987). Quer dizer, eram dois lados da moeda, mas que diferença a nova abordagem fez.
Adam TFS: Sim, é disto mesmo que estou falando. Quorthon não mudou de ideia e não partiu para algo diferente, ele apenas encontrou uma nova maneira de dizer o que pensava. Em vez de cuspir blasfêmias em um ataque frontal, ele criou essa letra em que o protagonista implora pela ajuda de um deus que não o ouve, que ou não existe ou não liga para a sua existência. No primeiro caso, as pessoas apenas se assustam e saem de perto de você, o que é legal (risos), mas no segundo caso, elas começam a pensar. Gosto das duas posturas, e fico feliz em usar ambas, tudo depende de como a música vai soar.
Tudo isso dito, gostei muito da forma como abordaram as letras no seu álbum anterior, Auric Gates Of Veles (2019).
Adam TFS: Ah, muito obrigado. É engraçado pensar sobre aquilo hoje, pois é como se o passar dos dias estivesse confirmando o que falávamos. Aquele álbum é muito niilista, muito mesmo, talvez o niilista que escrevemos até então. E digo isso em um sentido realmente apocalíptico, pois era disso que realmente falávamos naquele disco, dessa corrida para o abismo, dessa ânsia e busca da morte que parece estar encravada no espírito humano. É como te disse antes, com o passar do tempo a gente vai aprendendo um bocado de coisas simplesmente por estar atento e ser um bom observador, e isso é especialmente verdade quando você tem uma banda que viaja pelo mundo todo, você vê e percebe muitas coisas. Uma coisa que percebi é que não importa quão rica seja uma nação, quão próspero seja o seu povo, todos estão sempre em um caminho sem volta, e ninguém verdadeiramente se importa com o que acontece além do seu próprio umbigo. A humanidade está a caminho da autodestruição, e está acelerando fundo nessa direção. Não busquem por uma mensagem positiva em Auric Gates Of Veles, pois essa mensagem não está lá, não estou interessado em escrever mentiras pop para as ondas do rádio. Eu viajei por todo esse mundo, e observado as pessoas percebi que as sociedades estão totalmente desestruturadas, todos buscando uma razão para destruir o outro, até que não sobre mais nada para destruir. Sei que isso está soando muito pessimista, mas eu reafirmo, eu acho que a vida humana está chegando a um ponto sem volta, estamos chegando ao fim, e esse fim está chegando mais rápido do que se poderia prever.
E aí veio 2020.
Adam TFS: Pois é (risos). Lembra daquelas pessoas que diziam que a humanidade iria voltar melhor depois da pandemia? Pelo contrário, nunca as pessoas se odiaram tanto quanto agora, somos simplesmente incapazes de aprender qualquer lição, não importa o quão dura seja.
Sim, e acredito que essa seja a chave para tudo isso que você está dizendo.
Adam TFS: Sim, é exatamente isso! Somos absolutamente incapazes de aprender com os nossos antepassados, as lições das gerações anteriores ficam perdidas e dispersas no vazio. Desde sempre a humanidade se envolveu com guerras, elas foram ficando cada vez piores e mais violentas, cada vez ficou mais claro que não é uma boa ideia entrar em uma guerra, mas isso aplaca o ‘espírito guerreiro’ da humanidade? Veja o caso da Europa, quantas guerras terríveis foram travadas por aqui, acho que é certo dizer que não existe um centímetro do solo europeu que não tenha sido banhado em sangue ao longo dos anos, e o que aprendemos? A cada geração uma nova guerra acontece por aqui. Eu olho para os jornais e já consigo imaginar uma nova guerra começando por aqui, sabe? Acho que em breve teremos uma nova guerra na Europa, e não vou me espantar se isso acontecer logo, pois é assim que a humanidade é (N.R: A entrevista aconteceu pouco antes da Rússia invadir a Ucrânia).
Isso me fez pensar em Crusade:Zero, de 2015.
Adam TFS: Sim, tem tudo a ver. Naquele álbum, imaginei a palavra ‘cruzada’ como a soma de todos os esforços da humanidade ao longo dos anos, a nossa busca pela civilização a qualquer custo, e ‘zero’ é o resultado de todos os esforços. É o mesmo pensamento. Somos completamente incapazes de aprender com as experiências anteriores, e por isso estamos cada vez mais na beira do precipício.
Seu mais novo álbum, Rugia, mergulha fundo na história da Europa Central e do Leste. O que pode nos contar sobre ele?
Adam TFS: Rugia é o nome eslavo arcaico para a hoje ilha alemã de Rugen. Ela fica na região da Pomerânia, no Mar Báltico. Rugia era um centro religioso há dez séculos. Também foi o último bastião do paganismo eslavo ocidental porque este era o lugar onde o famoso templo de Arkona estava localizado, e eles eram pagãos até o século XII. A Polônia foi cristianizada por pelo menos dois séculos e as tribos que viviam naquela área eram na verdade inimigas dos príncipes poloneses e, posteriormente, do rei polonês, então era um movimento de luta, resistência e batalhas em nome de ideias, uns defendendo o seu direito de crer naquilo que os seus antepassados acreditavam, e outros tentando impor uma nova fé que nada tinha a ver com a História e a vida daquelas pessoas. Você pode chamar este de álbum tributo ou algo do tipo por esse motivo, especialmente porque em geral sou muito inspirado pela história desta ilha e seus habitantes, aquelas antigas tribos que se recusavam a abrir mão de suas crenças, cultura, filosofia e tudo o que envolvia o seu dia a dia, eles não queriam abrir mão da sua História, não era só uma questão de crenças. Achei que seria uma boa ideia resgatar nem que fosse apenas uma pequena parte da História desse povo, para nos lembrar desta grande herança. É por isso que o álbum se chama Rugia, e também é por isso que tenho tanto carinho por ele.
Alguma chance de vermos essa nova turnê passando pelo Brasil?
Adam TFS: Você sabe que sempre teremos um carinho especial pelo Brasil e pelos fãs de metal extremo daí, que estão entre os melhores do mundo, então, se surgirem convites, é claro que estaremos aí. Seria bom rever velhos amigos e destruir os palcos por aí novamente, e Rugia tem algumas ótimas composições que vocês precisam ver ao vivo.
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