Ao lançar o álbum de estreia, homônimo, o trio instrumental Hoistway vem chamando a atenção não só pela musicalidade, mas também pelo fato de ter em sua formação três pioneiros do Hard N’ Heavy brasileiro que há muito tempo estavam afastados da cena. Ao contrário do que possa parecer, Tomas Catafay (baixo, ex-Abutre), Adriano Giudice (guitarra, ex-Centúrias) e Nardis Leme (bateria, ex-Salário Mínimo) não pararam de tocar, mas somente agora resolveram explicitar novamente o prazer de se fazer música. Tomas conta mais detalhes sobre o projeto e relembra passagens da fase inicial do Metal brasileiro.
A última vez que as pessoas ouviram falar seu nome em um registro foi no SP Metal 2, com as músicas Rock Rock Rock e Quando o Fogo Começa a Arder do Abutre. Por que você passou tanto tempo afastado da cena?
Tomas Catafay: Foi questão de momentos e escolhas. Na época, e acredito até hoje, eram raros os dias que quando se fazia a conta do consumo do bar sobrava algum trocado ao final das apresentações. A opção foi seguir com a música de uma forma mais pessoal até que os planetas se alinhassem novamente. O legal é que com isto se teve todo o tempo do mundo para trabalhar nas composições com tranquilidade e curtir o processo de criação.
Os outros integrantes têm basicamente a mesma história. O guitarrista Adriano Giudice – irmão do guitarrista original do Abutre Ricardo Giudice – foi considerado um prodígio quando gravou o álbum Última Noite do Centúrias, mas sumiu do cenário assim como Nardis Lemme, baterista que gravou Beijo Fatal (Salário Mínimo). Como vocês se reuniram para tocar?
Tomas: Acredito que tanto o Adriano como o Nardis viveram os mesmos dilemas que mencionei anteriormente, e cada um seguiu seu caminho. Tinha já este projeto na cabeça há algum tempo, e fui costurando as coisas aos poucos. Mantive contato bastante próximo com o Nardis que continuou gravando com bandas e tocando ao vivo, e quando pintou uma brecha agendamos umas jams. Trouxe as composições do disco em um período onde foi possível bastante dedicação nos arranjos. A ideia original era chamar guitarristas convidados para gravar duas faixas cada um e fazer um CD com diferentes pegadas. Contamos com ótimas contribuições do André “Tri” Ferraz e do Fabio Christianini. Sempre admirei o talento do Adriano que, como você mencionou, foi prodígio no Centúrias. Depois que fez suas faixas acabou levando o projeto até o fim como integrante da banda.
Por que escolheram o nome Hoistway (‘caixa de corrida do elevador’) para este projeto?
Tomas: Quem já teve banda sabe como a questão do nome pode ser complicada. A preferência era por algo que representasse o cotidiano, sem grandes viagens. Hoistway têm uma sonoridade legal e atende o que se queria. Se existir algum “simbolismo” talvez seja o fato de estar aí mas a gente não se dar conta.
Existe alguma razão por terem escolhido gravar um álbum instrumental de Rock ao invés de montar uma banda com um vocalista?
Tomas: Este é outro ponto pessoal e complexo. Sem nenhum desprezo à contribuição dos vocalistas, acredito que deva existir além da linha melódica de voz alguma mensagem que se queira passar – as palavras têm muita força. Para ser franco, a mensagem a passar em nosso caso é o prazer de se fazer música, que o arranjo instrumental dá conta. A admiração por bandas que promoveram esta abordagem musical também foi sempre muito grande.
Além de influência explícita de Rush na faixa L’atitude, quais foram as outras referências para a composição das músicas contidas neste ‘debut’?
Tomas: É muito tempo vivido com o Rock’n’Roll na cabeça. Algumas influências podem ser mais explícitas do que outras, mas acredito que se encontra de tudo um pouco no CD. De qualquer maneira, se estão lá apareceram de forma involuntária e fica como homenagem para quem fez parte da nossa história. Curtição é sacar a fonte – se entregar de bandeja perde a graça!
Títulos de músicas instrumentais ou trazem boas histórias por trás ou são absolutamente aleatórios. No caso do Hoistway, de onde vieram as ideias para músicas como BR 015, Bounce To Disk, Pulmão e Arame Farpado?
Tomas: Tenho o hábito de registrar as composições em casa, em gravador digital, para enviá-las eletronicamente aos demais integrantes da banda. BR015 foi o registro eletrônico desta faixa. Bounce To Disk trata do suado momento quando todo o trabalho de gravação do dia todo vira registro final na técnica do estúdio. O nome Pulmão veio depois de uma ideia doida que surgiu no curso do trabalho de gravação desta música. Quem prestar bastante atenção, vai notar que depois do ‘didgeridoo’ (instrumento de sopro australiano) que abre o disco segue em plano de fundo uma espécie de mantra que exigiu plena capacidade pulmonar do André Ferraz, um dos guitarristas convidados e mago da Oficina Eletroacústica. Já no caso de Arame Farpado, a origem é bem mais simples. Apresentei a faixa com o nome original para minha filha que, sem pensar duas vezes, mandou ver: ‘muda para Arame Farpado’. Talvez o riff meio Country tenha contribuído.
Voltando no tempo, do surgimento em 1982 ao encerramento das atividades em meados de 1986, o Abutre conseguiu um bom status no underground paulistano e até hoje é reverenciado. Como você vê o legado deixado não só por você, mas também pelo Centúrias e o Salário Mínimo, bandas contemporâneas de SP Metal?
Tomas: Existiu este momento muito legal, com uma boa sinergia entre os grupos. Todo mundo ralava agendando shows, carregando equipamentos, procurando oportunidade para gravar, arrancando leite de pedra. O SP Metal, idealizado pelo Luizinho Calanca da Baratos Afins, deu espaço para a galera mostrar seu trabalho, o que quero acreditar acabou abrindo algumas portas para quem vinha na sequência. O registro que ficou, se não é tecnicamente fantástico, certamente é honesto. Saudades dos oitos canais do Vice Versa!
Com esta união de vocês, é inevitável não lembrar o show no festival “Metal 4”, realizado a 3 de maio de 1986 no ginásio da Sociedade Esportiva Palmeiras (SP). Você se lembra daquele evento, que contou com Centúrias, Salário Mínimo, A Chave do Sol e acabou sendo o último do Abutre?
Tomas: Não dá para esquecer, até porque ainda existe registro gravado. A adrenalina estava alta. Me recordo também de outros bons eventos na Vila Belmiro em Santos, no SESC Pompéia, e pelo interior do Estado. Acredito que o “Metal 4” foi sim o principal show que participamos. Por alguma razão acabou não detonando tudo na sequência como se imaginava. De qualquer forma fechou em alta um ciclo que foi muito legal.
Outra ligação indireta entre vocês, pioneiros, é que o logotipo do Abutre foi desenhado pelo primo de Rubens Guarnieri, ex-baixista do Centúrias; e o Ricardo Giudice gravou as músicas do SP Metal 2 com o amplificador de Rubens Gióia (A Chave do Sol). Você acredita que naquela fase inicial do Metal brasileiro as coisas eram realmente feitas com mais paixão e colaboração mútua entre os músicos?
Tomas: Que memória! Havia sim colaboração e paixão no que se fazia. Acredito que a paixão permaneça, mas muita coisa mudou para o músico, possivelmente para melhor. Existe agora uma facilidade grande para se registrar um trabalho. Nem amplificador se precisa pedir emprestado – o Pro Tools cuida disto. Estúdios à disposição, prensagem fácil, transmissão eletrônica de músicas, homepages para as bandas, rede de relacionamento, etc, tudo ao alcance das mãos. Agora, se vai sobrar algum troco no fim do dia já é outra história.
Após promover este lançamento do álbum de estreia pela Voice Music, gravadora comandada por outro veterano da cena brasileira de Metal – Silvio Golfetti (ex-Korzus) –, o que vocês planejam?
Tomas: O Sílvio deu um suporte legal para colocar o ‘Volume 1’ na rua pela Voice Music. Têm ainda bastante material inédito para processar – mais um ou dois CDs. Seguimos na Oficina Eletroacústica com as gravações do ‘Volume 2’. O objetivo é disponibilizar o produto já no ano que vêm. Neste ínterim, a intenção é promover o CD recém lançado. Com o tempo a gente fica um pouco mais crítico, e também escolhe um pouco mais!
Deixe uma mensagem final aos leitores e aos entusiastas da fase inicial do Metal brasileiro.
Tomas: O Rock’n’Roll entra no DNA e não sai mais. Tenho certeza que os leitores da ROADIE CREW sabem disto melhor do que ninguém. Produzimos material porque acreditamos que exista quem aprecie o trabalho. Têm muita coisa boa por aí, além daquilo tudo que temos à disposição desde muito tempo. Seguimos nesta estrada.
Sites relacionados:
www.hoistway.com.br
www.voicemusic.com.br