Responsável por um dos melhores discos de 2023 no mundo do heavy metal, o In Flames faz única apresentação no Brasil, em São Paulo, no dia 9 de novembro, no Tokyo Marine Hall. Anders Fridén (vocal), Björn Gelotte e Chris Broderick (guitarras), Liam Wilson (baixista que vem fazendo os shows depois da saída de Bryce Paul, em junho último) e Tanner Wayne (bateria) vão mostrar não apenas o habitual poder de fogo da banda sueca no palco. O quinteto vai, também, traduzir ao vivo o que “Foregone” representa: sem abandonar o lado contemporâneo, uma volta às raízes de um dos grandes nomes do death metal melódico sueco conhecido como Som de Gotemburgo. Momento ideal para conversarmos com Broderick sobre isso é muito mais. Confira.
Como tem sido a turnê de “Foregone” até agora?
Chris Broderick: Tem sido muito legal! Os últimos seis meses foram basicamente de tocar em festivais na Europa, e todos eles foram ótimos. Ou seja, tem sido bom também para assistir a shows de várias bandas que eu nunca tinha visto, já que essa temporada de festivais serve basicamente para ver bandas com as quais você já fez turnê junto, mas que não via há algum tempo, então poder passar um tempo junto com elas. No nosso caso, as músicas de “Foregone” estão realmente pesadas, ainda mais pesadas ao vivo, e o público está amando! É um ótimo material para tocar ao vivo.
E o In Flames vem ao Brasil novamente, só que pela primeira vez com você. Quais são as expectativas?
Chris: Eu não sei exatamente quanto à banda, mas conversamos sobre a última vez que estiveram aí, em São Paulo e outras cidades, e eles comentaram como foi legal andar pelas ruas, encontrar bares e se meter em problemas por terem bebido demais (risos). Do jeito que os rapazes falam, parece que foi ontem (N.R.: o In Flames esteve no Brasil pela última vez em 2017, quando tocou em Belo Horizonte, Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo). Na verdade, também parece que foi ontem para mim, embora já são dez anos desde que estive na América do Sul pela última vez, então mal posso esperar para voltar e ver se a plateia continua insana e barulhenta como foi da última vez.
Sim, e você esteve no Brasil tanto com o Megadeth (N.R.: em 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014) quanto com o Nevermore (N.R.: em 2001 e 2006). Quais são suas lembranças?
Chris: Ah, elas são sempre sobre o público, que é completamente empolgado e demonstra um grande apoio às bandas. É mais fácil fazer um show quando o público é muito enérgico e dá tudo de si, porque faz com que a banda também dê tudo em troca.
E há alguma coisa que você ainda tenha vontade de fazer por aqui?
Chris: Ah, são as coisas de sempre, né? Preciso repetir o que já fiz, porque estive em muitas churrascarias e espero conhecer outras quando voltar, porque lembro que as carnes eram de alto nível (risos). Também estive numa praia no Rio de Janeiro, e era um cenário lindo demais. Foi algo de que gostei e que seria legal poder fazer novamente, mas também gostaria de circular um pouco, sentir mais de perto a cultura e a energia. Isso realmente seria bem interessante, porque quero me sentir num lugar diferente quando viajo, gosto de absorver o que o lugar e as pessoas são no dia a dia.
Você entrou no In Flames em 2019, a princípio para substituir temporariamente o Niclas Engelin. Como aconteceu?
Chris: À época, recebi uma ligação de uma amiga que conhecia o empresário deles, ela me perguntou se eu estaria interessado, eu disse que sim, e a banda entrou em contato comigo. Dois dias depois, eu estava a caminho do Texas para fazer meus primeiros shows com o In Flames. Foi meio louco, porque tive uns quatro dias, no máximo, para aprender 18 músicas, então fiquei com todas aquelas partes e pedaços das canções rodando na minha cabeça, mas subi ao palco e fiz o meu melhor. E foi divertido, também, porque conheço a banda desde quando eu estava no Jag Panzer. Depois daquela turnê, durante uma conversa com o Björn, ele mencionou a ideia de me manter na banda para os shows que viriam pela frente, o que culminou no convite para fazer parte definitivamente do In Flames. Aceitei imediatamente porque é muito bom tocar ao vivo com eles, é tudo muito tranquilo e relaxado. Então foi simples assim: depois dos primeiros shows, a ideia se morfou num convite para permanecer.
O que obviamente tem a ver, também, com o fato de você ter dado conta do recado naquelas circunstâncias.
Chris: É verdade, mas devo dizer que não importa o quão foda você seja como guitarrista, porque ter de aprender 18 músicas em quatro dias para logo em seguida tocá-las ao vivo é muita coisa! No entanto, quem focar nisso consegue dar conta! Eu aceitei na hora porque se tinha de acontecer, então iria acontecer, e eu queria ajudá-los. Eles perceberam que eu queria ajudá-los, e eu fiz o melhor que pude. Honestamente, fiquei até surpreso com o primeiro show, só que ainda assim me sentia muito novato com as músicas. Fiquei tocando as músicas do setlist por umas duas ou três semanas, enquanto praticava guitarra, para realmente solidificar e entender o que eu estava tocando. Foi um redemoinho, com certeza, mas deu certo.
E não muito tempo depois, a Covid-19 fez tudo parar e fechou o mundo. Como você enfrentou a pandemia?
Chris: Tive bastante sorte. Em primeiro lugar, não tive parentes muito próximos que faleceram; em segundo lugar, dou muitas aulas de guitarra on-line, então isso não mudou nada; em terceiro lugar, eu e minha namorada viajávamos no nosso trailer para acampar em lugares bastante remotos, então foi uma ótima oportunidade para passarmos mais tempo juntos em vez de eu ficar meses fora em turnê.
Voltando ao In Flames, com o que a sua experiência, do Jag Panzer ao Act of Defiance, pôde contribuir no processo de composição e gravação de “Foregone”?Chris: Boa pergunta, porque tudo aconteceu exatamente como a minha entrada na banda: de maneira rápida e em cima da hora (risos). Entramos no estúdio e fizemos acontecer, uma situação bem diferente das que estou acostumado! Normalmente, quando você começa a pensar num disco novo, primeiro vem a gravação de demos das coisas que imaginou, ou seja, a criação dos materiais da melhor forma possível antes de entrar no estúdio. Porém, a forma como Anders e Björn gostam de trabalhar, e ainda não sei exatamente qual é o processo deles, na verdade, é vir para Los Angeles, entrar no estúdio e então começar a compor. Ou seja, as coisas acontecem enquanto eles estão no estúdio, e a minha parte, quando passei a me envolver com isso, foi gravar meus solos, melodias e harmonias por cima. Muitas vezes, quando eu aparecia no estúdio, eles falavam ‘queremos tocar essa parte aqui, então vamos ver como fica?’, e eu só escutava o que havia gravado quando estava com os dois. Para mim, foi uma realidade bastante diferente, e tive de aprender a lidar com ela, só que foi uma ótima experiência. Eles são muito tranquilos, e não havia aquela pressão tipo ‘o tempo está passando, e o dinheiro, também’ para concluir tudo correndo, sabe?
Como o ‘timing’ agora é diferente, talvez você possa se envolver ou ser envolvido no processo de composição do próximo disco.
Chris: É difícil dizer. Conversamos a respeito, e essa é uma possibilidade que foi mencionada, mas que ainda não foi formalizada. Anders e Björn também falaram sobre como estão acostumados a trabalhar, sobre a forma como trabalham, e eu entendo ambos os lados. Creio que assim que passar a me envolver com o processo de composição, eu me tornarei, como qualquer músico, muito apegado às minhas ideias e a como eu acredito que algo deva soar. No momento, temos um nível diferente de interação.
Eu puxei esse assunto porque “Foregone” é o álbum que alguns fãs esperavam há algum tempo. É mais agressivo, traz de volta o In Flames da velha escola para o In Flames moderno. Você teve essa sensação?
Chris: Sim, e também vejo como uma mistura dos dois. Realmente, tem um fio mais pesado do que, por exemplo, o “I, The Mask” (2019), só que ainda mantém um olhar mais para frente nos refrões e nas harmonias. “Foregone” tem a energia do velho In Flames ao mesmo tempo em que soa bem moderno. É um disco que soma a raiva de antigamente com a modernidade de hoje.
E independentemente de você não ter contribuído com as composições, um dos destaques é o trabalho de guitarras, que está em outro nível em relação a tudo que o In Flames fez antes. Como é a química com o Björn?
Chris: Cara, é ótima! Somos nerds de guitarra! (risos) Sempre tocamos juntos quando nos encontramos, sempre falamos sobre as nossas influências. Uma de nossas primeiras influências é King Diamond, e também trabalhamos em vários solos de caras como Yngwie Malmsteen ou Nuno Bettencourt (Extreme), então tenho uma troca bem maior com ele do que com qualquer outro guitarrista com quem já toquei, principalmente nesse quesito de nos encontrarmos para tocar, o que tem sido muito legal! Na hora de gravar o “Foregone”, eu não quis exageros, porque, quando me sento para compor um solo ou uma melodia, procuro entender o que o ritmo está pedindo naquele momento. Eu não queria simplesmente sair jogando notas em tudo, e a ideia já era mesmo fazer algo que complementasse o que existia. Uma coisa legal é que Björn estava boa parte do tempo comigo, e se ele tinha ideias, trabalhávamos juntos nelas. Foi um momento bacana, em que eu pude não apenas compor os meus solos, mas também ver como ele fazia os dele, e é essa outras das razões por que o processo foi bem legal, mesmo.
Quando entrevistei o Anders, no fim de 2022, ele fez grandes elogios a você. Na verdade, no momento em que conversávamos, você estava praticando no fundo do ônibus de turnê, e ele brincou dizendo que você dormiria com a guitarra se pudesse.
Chris: (rindo) Bem, eu realmente mantenho a guitarra na minha beliche, mas isso porque é um ônibus com outras 12 pessoas, e o espaço é realmente limitado. Ou seja, ela dorme comigo, mas não tem nada a ver com a mentalidade de “dormir com a guitarra” (risos). Como a guitarra é bem fina, eu a coloco na parede perto de mim e economizo espaço.
As letras são outro destaque de “Foregone”, e pude conversar sobre elas com Anders, que é a pessoa certa. É a visão dele, mas qual a sua opinião sobre a abordagem mais pessimista?
Chris: De fato, o Anders pode falar sobre isso muito melhor do que eu, mas gosto de interpretá-las mais como um aviso, ainda que o nome do disco tenha um significado bem óbvio (N.R.: em português, “Foregone” é “abandonado”). Ainda temos a oportunidade de mudar as coisas, então vamos colocar as coisas da seguinte forma: o potencial que essas questões tiveram para surgir na cabeça do Anders aconteceu em diversos níveis, no sentido de que não se trata de ‘ou o mundo acaba ou o mundo sobrevive’. É mais sobre o quão ruim as coisas podem ficar até que consigamos resolvê-las. É por isso que vejo a abordagem dele como um aviso para deixarmos as coisas um pouco menos traumáticas.
Eu gostaria de falar um pouco sobre o Megadeth, uma vez que você esteve na banda por sete anos e, também, por causa dos rumores envolvendo a situação do Kiko Loureiro. Enfim, por que é tão difícil um guitarrista ter uma sequência mais longa depois do Marty Friedman?
Chris: Não tenho certeza, porque não conheço a linha do tempo exata, mas honestamente acredito, e posso perfeitamente estar errado, que durei mais no Megadeth do que o Marty. De qualquer maneira, quando se tem um disco como Rust in Peace (1990), é isso que estabeleceu a banda. Em termos de tempo, eu talvez tenha ficado mais do que Marty, mas a reposta para a dificuldade que você mencionou provavelmente será diferente de cada um que passou pelo Megadeth. Para mim, foi o caso de seguir adiante e estabelecer a minha independência. Em maio de 2022, o In Flames esteve numa turnê com o Megadeth, e eu pude trocar uma ideia com o Kiko. Fizemos umas jams, e ele é um cara ótimo, muito bacana e excelente guitarrista, assim como todos os que passaram pela banda. Quando se tem o legado de músicos como Marty e Chris Poland atrás de você, não dá para ser desleixado.
Só para esclarecer, Marty ficou quase 11 anos no Megadeth, de 1990 a 2000, então faltou pouco para você, na verdade. (risos)
Chris: Ah, então é isso! Ele ficou um pouco mais do que eu, mas sinto-me satisfeito e realizado com o que deixei no Megadeth. Foram vários discos de estúdio (N.R.: “Endgame”, 2009; “Thirteen”, 2011; e “Super Collider”, 2013) e ao vivo (N.R.: “Rust in Peace Live”, 2010; “The Big 4 Live from Sofia, Bulgaria”, 2010; e “Countdown to Extinction: Live”, 2013).
E como você compararia a sua experiência em todas as bandas? Jag Panzer, Megadeth, Act of Defiance, Nervermore e In Flames?
Chris: Cara, são definitivamente diferentes! (risos) No Jag Panzer era mais sobre aprender como fazer, porque foi a minha primeira experiência com turnês. Eu era muito verde naquela época. O Mark Briody é incrível, nos falamos até hoje, e eu adorava sair em turnês com eles, enquanto as turnês com o Nevermore foram muito caóticas. Bom, pelo menos naquela época eles gostavam muito de festa, e eu não sou de beber muito. Ok, bebo uma coisa aqui e ali, tipo quando o Anders me oferece uísque ou o Björn me passa uma cerveja, mas gosto de estar sempre no controle. O que mais me lembro da época no Nevermore é esse caos de festas e shows, de alguma forma, que eu até hoje não sei qual é, conseguir chegar na apresentação seguinte (risos) Com o Megadeth, lembro-me das plateias lotadas e do quanto o público me aceitou. Sou muito grato por isso, porque substituir alguns dos grandes nomes da guitarra que tocaram na banda não é fácil, e fiquei muito feliz quando os fãs me receberam tão bem. E quem pode esquecer os shows com o Big Four? Eu estava no Megadeth quando a banda fez aqueles shows com Anthrax, Slayer e Metallica. Isso é para sempre! Com o In Flames, por sua vez, é como subir no palco com os seus melhores amigos. Sempre gosto de contar a história de quando eu entrei pela primeira vez numa banda, porque eu era jovem e achava que seria “a banda”, que ficaríamos juntos para sempre, e normalmente não é assim que funciona. No entanto, o In Flames traz um pouco dessa mentalidade de volta, porque somos amigos, eles são os caras com quem quero subir no palco e com quem quero sair depois do show para bater papo e falar dos erros idiotas que cometemos durante o show. É ter aquele momento quando vamos rir uns dos outros, e é isso. É assim que eu vejo o In Flames.
E qual o status do Act of Defiance? A banda realmente acabou?
Chris: Não digo que acabou, mas está num hiato. Faz tempo que não falo com alguns dos integrantes, então não quero dizer nem uma coisa, nem outra. Estou gostando tanto de tocar no In Flames que é nesta banda que estou focado agora.
Obrigado pelo papo, Chris, e o espaço final é todo seu.
Chris: Obrigado a você, porque foi bem legal. E quero dizer a cada leitor que mal posso esperar para voltar ao Brasil, porque já passou muito tempo. Então vamos nos ver e visitar umas churrascarias! (risos)