A ideia de se fazer um documentário sobre a cena do rock de Campinas em várias de suas vertentes (heavy metal, hard rock, rock clássico e hardcore) só poderia ser muito bem-vinda. Afinal, a cidade do interior de São Paulo sempre foi berço de bandas e movimentos musicais (leia-se rockeiros) bastante interessantes. Pena que “Inside Note (Nota Interior)”, criado e dirigido pelo cineasta Robson Clério e produzido pela Arttería Filmes, ficou devendo, como se viu na pré-estreia que aconteceu na noite de 15 de março no Top Cineplex no Shopping Prado em Campinas, diante de uma plateia lotada basicamente por músicos que participaram do filme – foram treze grupos no total.
Tecnicamente, o trabalho é impecável – o que não surpreende, haja vista o vasto currículo de Clério. Assim, som e imagem beiram a perfeição e algumas soluções visuais bastante criativas aparecem ao longo do filme. Porém, é no desenvolvimento da película que a roda pega. Se você pretende apresentar a cena de determinada cidade, antes de mais nada, tem que pensar em fazer algo dinâmico e atrativo. Assim, as respostas longas e sem cortes que surgem a vários momentos tornam tudo repetitivo e cansativo. Documentário de rock, ainda mais com quase duas horas de duração como este, tem que ter edição de videoclipe.
Da mesma forma, há incontáveis assuntos a se debater quando a intenção é discutir uma determinada cena – afinal, cada local e cada região têm suas particularidades. Porém, praticamente metade do documentário foca no processo de composição de cada uma das bandas, assunto de menor importância dado o contexto de “Inside Note (Nota Interior)” e que gerou respostas quase sempre iguais – lembre que eram treze bandas respondendo a essa questão.
A propósito, também é bastante questionável esse cast. A ideia de buscar representantes de vários gêneros do rock e de mesclar grupos veteranos com outros menos conhecidos é digna de aplausos, mas alguns nomes relevantes definitivamente não podiam ficar de fora – Kamala e Fabiano Negri são os exemplos mais gritantes –, assim como algumas das bandas novas poderiam ser substituídas por outras menos irrelevantes.
Também faltou entrevistar produtores de shows de bandas “das antigas” (década de 90, início dos anos 2000), época em que o rock autoral de Campinas fazia a cidade literalmente ferver, ao contrário do que ocorre hoje, e era um tema digno de ser discutido. Aliás, passa-se de forma bem superficial (ainda bem!) na batida e desnecessária questão que contrapõe bandas autorais e bandas cover – gerando urros corporativistas da plateia.
A coisa melhora quando se discute a forma de divulgação da música. Dá pra perceber que pouca gente tem segurança de pra onde e como correr nos tempos em que a internet mudou completamente a forma de se distribuir música. Aí se destaca a resposta de Daniel ETE, baixista do veteraníssimo Muzzarelas (26 anos de atividades), dizendo que sua banda lança disco em vinil, em CD, nas plataformas de streaming e libera pra quem quiser ouvir de graça na internet: “A gente tem que ser astronauta e homem das cavernas ao mesmo tempo.”
As intervenções mais relevantes, a propósito, vêm dele e do também experiente produtor Mauricio Cajueiro, que consegue vislumbrar a música como um produto e, assim, ter uma noção bem clara daquilo que uma banda nova pode (deve?) fazer para se dar bem nesse mercado tão emaranhado.
O documentário também foca fortemente no fato de praticamente todos os músicos manterem atividades profissionais ditas “normais” em paralelo a suas bandas. Apesar de tratados como deferência pela dupla jornada, o que vem de imediato à mente é o ensinamento de Kiko Loureiro em um dos recentes vídeos que divulgou no Facebook: “Você não vai ter uma carreira musical se só ensaiar com sua banda nos sábados à tarde.” Pode parecer cruel, mas é tremendamente verdadeiro.
Uma ótima sacada foi colocar as bandas para se apresentarem ao vivo e registra as performances. Pelo menos uma música completa (ou quase completa) de cada banda aparece no vídeo e aí dá pra distinguir bem os homens dos meninos – os destaques acabaram sendo Freak Company e o espetacular guitarrista Kiko Shred, que é integrante do Slippery e também mantém uma profícua carreira solo.
Enfim, para quem conhece as bandas participantes, boa parte dos aspectos levantados aqui podem até se tornar irrelevantes, já que o vídeo acaba se tornando quase que uma “ação entre amigos”. Porém, como será quando for exibido em festivais e em cinemas de outras regiões, para as quais boa parte dos integrantes do documentário são ilustres desconhecidos? Para esses, vai faltar algum atrativo extra. Se o filme tivesse metade de sua duração (uma hora em vez de quase duas), daria o recado do mesmo modo e de uma forma bem mais dinâmica.
A iniciativa de Robson Clério é brilhante e digna de elogios. Mas ainda está faltando um documentário que registre de fato o rock de Campinas.