Para quem acha que o Metal é só feito de estereótipos e que nada bom aparece no novo cenário brasileiro, o Last Sigh é muito claro no seu release ao dizer que com eles “você não vai encontrar nenhuma calça apertada, riscos nos olhos ou qualquer enchimento seja de qualquer forma visual ou apelações de ideologia, mas apenas cinco dedicados músicos, sem nada para provar seu amor pela escuridão, Hardcore, Heavy Metal e as suas competências em suas criações”. Recado dado, é assim que o quinteto curitibano chega chutando a porta e mostrando a que veio. O primeiro disco, “Beneath The Flesh, Rotten”, lançado (oficialmente) este ano foi produzido, mixado e masterizado por Alexander Dietz (guitarrista do Heaven Shall Burn). Desde as primeiras demos, a banda vem conquistando seu espaço e dividindo palco com outros ícones do Metal e Metalcore atual. A ROADIE CREW conversou com o guitarrista Renato Rossi para saber como anda a cena paranaense, próximos shows e projetos da banda para este ano.
Essa atual formação não é a que está desde o início da banda e que gravou a primeira demo. Quantas mudanças teve e como tudo começou?
Renato Rossi: Exatamente. Às vezes tenho a sensação que já tivemos mais membros que o Slipknot (risos). Passamos por três guitarristas e por três vocalistas até chegar à formação atual que, na minha opinião, é a mais forte que já apresentamos. Quando se tenta ter uma posição mais profissional, algumas pessoas não aguentam a pressão e o comprometimento que a banda necessita para seguir em frente, por isso tantas trocas. O baterista, Douglas, é meu irmão. Toco com ele desde quando começamos a tocar em bandas. Através de um fórum de Metal aqui de Curitiba, há uns quatro ou cinco anos, conheci o Marcus (baixista) e montamos a primeira formação da Last Sigh. O Deko (vocal) e o André (guitarra) conhecemos através das bandas que tocavam com a gente por aqui. A princípio, o Deko ia apenas quebrar um galho, pois quem costumava cantar com a gente saiu duas semanas antes de entrarmos em estúdio. Aí ele foi ficando e agora é o vocalista permanente. (risos)
O primeiro disco foi disponibilizado em streaming no mês passado. Qual tem sido o retorno até agora? Como foi a produção dele?
Renato: A repercussão tem sido muito boa. A maioria dos comentários que ouvimos foram positivos. O que aumentou o interesse de produtores em nos levar para cidades que nunca fomos antes, além do aumento significativo nas vendas do nosso ‘merch’. Para o primeiro CD até que estamos muito bem. (risos) A produção foi enrolada, desde o primeiro contato com o Alex (Dietz) até o final de todo o processo. Demoramos quase dois anos e meio. Levantar o dinheiro para uma produção desse tamanho foi o que mais nos atrasou. Como fizemos tudo de forma independente, havia algumas horas em que as coisas ficavam paradas até termos dinheiro para continuar. O Alex foi paciente o suficiente para esperar tudo dar certo e nos ajudar a superar essas dificuldades. Com certeza, uma ótima pessoa para se trabalhar junto.
Como rolou o convite para a participação dele na produção?
Renato: O Alex masterizou o CD ‘Reverse The Flow’ da banda paulistana Paura e, foi através deles, que conseguimos o contato. Na época em que o contatamos pela primeira vez, tínhamos apenas as três músicas da demo – muito mal gravadas por sinal. (risos) Mas, felizmente, foi o suficiente para ele acreditar no disco e topar trabalhar conosco. A partir de então, a cada música que fazíamos, nós gravávamos uma demo e mandávamos para ele, que retornava com algumas ideias novas e uma lista de alterações. Infelizmente, para gravar a master ele não pôde vir ao Brasil, mas ficou acompanhando as gravações pelo Skype. Assim que terminamos, enviamos tudo para ele mixar e masterizar. A cada nova versão ele mandava para gente conferir. Isso durou meses. (risos) Extremamente estressante mas, no final, deu tudo certo e superou nossas expectativas.
Desde 2008 vocês estão tocando em outras capitais do Brasil. Qual foi o primeiro lugar que a banda tocou depois de Curitiba? E fora do Paraná, qual o lugar que vocês tiveram ou tem o melhor público?
Renato: O engraçado é que, na verdade, o primeiro show da banda foi fora de Curitiba. (risos) Tocamos em Piraquara, região metropolitana de Curitiba, em uma festa de amigos nossos. Fomos tocar em Curitiba apenas no terceiro ou quarto show. Nesta época, não havia tantas bandas no estilo, quando tocávamos com bandas de Metal, nos achavam Hardcore demais. E quando tocávamos com as de Hardcore, nos acham Metal demais. (risos) Atualmente, nossos melhores shows fora de Curitiba têm sido em São Paulo. Lá a galera é extremamente interessada, prestigiam as bandas de outras cidades e sempre somos muito bem recepcionados. Porém, apenas agora que estamos tocando em cidades que nunca havíamos tocado antes, como Rio de Janeiro e Cabo Frio, vamos ter algum tipo de parâmetro para comparar.
Falando nisso, nos últimos anos Curitiba tem sido uma das passagens obrigatórias de algumas bandas de Metal. O fato de ter mais shows gringos mudou alguma coisa na cena? Lembro que quando tocaram em São Paulo com o Parkway Drive vocês disseram que o público de lá agitava muito menos, comparecia em menor número. A casa só lota quando tem banda gringa ou nem assim?
Renato: Bom, os shows aqui agitaram muita coisa na cena. Vejo na galera mais nova uma vontade de montar bandas com propostas de sons mais recentes. Com mais bandas virão mais festivais. Acredito que o interesse geral aumentou. A chance de ver e tocar com seus ídolos é bem maior, e isso inspira muita gente por aqui. O lance de Curitiba é que o público é meio mal acostumado. Apesar de não termos muita tradição em formar bandas que se destacam nacionalmente, sempre tivemos uma cena forte aqui, independentemente de estilo. As casas têm uma estrutura legal, são poucos os lugares ruins. Então, todo final de semana tem algo acontecendo. Contudo, mesmo que tenha um lado bom, faz com que o público se desinteresse. Sabe aquele pensamento de ‘essa banda esta sempre por aí, semana que vem eu confiro’? Qualquer coisa que fique ‘fora de mão’ é pretexto pra deixar para a próxima semana, como chuva, ter que pegar ônibus e etc. Adoramos tocar em Curitiba, afinal, é nossa casa. Já fizemos shows incríveis aqui e gostaríamos de continuar fazendo, mas é sempre uma caixa cheia de surpresas. Para muitos, seremos sempre a banda daqui. Já ouviu a frase ‘Santo de casa não faz milagre’? É isso (risos).
Como aconteceu o convite para tocar junto com bandas como Caliban, As I Lay Dying, August Burns Red e o próprio Parkway Drive? Qual dessas bandas mais curtiram conhecer? E quem falta aí nessa lista?
Renato: O primeiro show ‘grande’ que abrimos foi o do As I Lay Dying, em Curitiba, na primeira vez em que eles vieram. Na época, estávamos apenas com a demo lançada. Resolvi entrar em contato com a Liberation pelo email que era disponibilizado no site, apenas por desencargo de consciência. Mandei uma música em anexo e contei um pouco sobre a banda. Não esperava retorno. Algumas horas depois, recebi uma resposta, perguntando sobre os shows que já tínhamos feito. Naquele ponto, já tínhamos tocado também com o Asesino aqui em Curitiba, isso nos ajudou a demonstrar certo profissionalismo, que nem sei se tínhamos na época. (risos) Mais tarde, acabamos sendo confirmados como abertura. Como todos estavam focados no show de São Paulo e, na época, não tínhamos muitas bandas por aqui, isso facilitou um pouco as coisas. Acredito que depois que você consegue o primeiro, os outros ficam mais fáceis. Para mim, os caras mais legais que conhecemos foram os do Parkway Drive, com certeza. Eles são interessados em tudo, no Brasil e nas bandas daqui, fizeram um puta show e são extremamente humildes. Nos trataram de igual para igual, não apenas como uma banda local qualquer. Já tocamos com bandas que o show nem foi lá essas coisas, e os caras tinham o nariz empinado. Os caras do As I Lay Dying nos trataram muito bem, também. Estávamos meio tímidos perto deles, mas eles que quebraram o gelo e vieram trocar ideia com a gente, muito atenciosos. Pessoalmente, estou muito satisfeito com as bandas que já tocamos, mas se fosse pra escolher, acho que seria Lamb Of God, que é minha banda preferida desde 2005. Veil Of Maya também seria legal. Tenho escutado muito eles recentemente, o show deve ser animal.
Além das estrangeiras, vocês também tocaram com as brasileiras Krisiun e Tuatha de Danann. Qual a banda que vocês acham que é a melhor da atualidade no Brasil? E quais as influências de vocês, o que mais se inspiram na hora de compor?
Renato: Sempre tivemos bandas muito boas como referência. Eu sei que o Marcus, nosso baixista, está ouvindo bastante Korzus. Eu pessoalmente curti o ‘Kairos’ do Sepultura e estou esperançoso pros novos sons. Mas acredito que as revelações estão se destacando mais, acho que algumas bandas mais novas como Project 46 e Ponto Nulo no Céu estão fazendo um som mais próximo do que se tem feito fora do Brasil. Não que eu ache que temos que fazer o que os gringos fazem, mas volta e meia ouço reclamações de que, principalmente no Metal, estamos sempre um passo atrás. Com essa leva de bandas mais novas, essa diferença diminuiu bastante.
Falando em shows, é a primeira vez que participam do ‘Grito Rock’. O que acharam desse o esquema do festival e do ‘Fora do Eixo’?
Renato: Exatamente. Já ouvimos falar do ‘Grito Rock’ antes, mas não lembro de ver alguma banda amiga participando. O ‘Fora do Eixo’ é muito conhecido, já tinha me informado antes e acho animal a ideia. Vejo que muitas bandas tentam refazer o que as bandas fazem na gringa para entrar em tour, porém se esquecem que aqui o contexto é completamente diferente, a cena é diferente. O ‘Fora do Eixo’ ajuda as bandas a ter um contato maior com a realidade aqui do Brasil, de sobreviver na estrada aqui. Acho as duas ideias animais, falta mais festivais assim como o ‘Grito Rock’ no Brasil. Temos uma produção cultural muito rica nacionalmente falando, mas não há muitos meios de mostrar o que nós brasileiros estamos fazendo. Esse intercâmbio que rola neste tipo de festival, com apoio de prefeituras só faz o interesse aumentar, mais bandas surgem e assim vai. Só não podemos deixar a peteca cair.
Nos próximos lançamentos vocês têm intenção de lançar singles ou faixas avulsas ou novamente um disco cheio?
Renato: Ainda não sabemos, qualquer ideia ou pensamento sobre uma nova gravação ainda é muito vaga. Não descartamos nenhuma possibilidade, vamos esperar e ver o que as oportunidades nos oferecem.
O primeiro disco saiu em formato físico? Há previsão ou já estão se programando para um próximo?
Renato: Apesar de disponibilizamos inteiro para streaming na nossa fanpage do Facebook (facebook.com/lastsigh), lançamos também o álbum físico e quem quiser dar uma aprofundada no conceito pode adquirir a versão física em nossa loja oficial (www.lastsighmetal.com/loja). Até agora não temos previsão de trabalharmos em material novo, porém essas coisas acabam acontecendo de uma hora para outra. Temos algumas ideias já,mas nada realmente concreto, a intenção agora é trabalhar em cima do ‘Beneath…’ e do que ele pode nos proporcionar. Não queremos apressar as coisas também, pois queremos manter uma distância criativa do que foi este CD. Adoramos como ficou o resultado final, mas para um novo trabalho queremos trazer coisas novas, não apenas reproduzir aquilo que deu certo. Para essa situação acontecer precisamos dar um tempo, se informar sobre novos temas e vivenciar outras coisas, para que a nossa linha criativa recomece de outro ponto.
E quanto a um videoclipe, existe esta possibilidade?
Renato: Exatamente agora estamos trabalhando em cima do roteiro. Tivemos algumas ótimas ideias, vai levar um tempo até organizar tudo corretamente porque não é tão simples de executá-las assim. Queremos fugir um pouco do convencional, podíamos colocar a banda tocando num galpão abandonado e filmar, resolveríamos tudo em uma semana. Porém, queremos que o clipe traga uma outra abordagem para as letras, que acrescentasse algo para quem está interessado na temática do CD.
Ano passado rolou uma polêmica sobre público e bandas do Metal brasileiro. Uns dizendo que as bandas não se divulgam e outros que a “culpa” é do público que não comparece. Para encerrar, queria que dissessem se aquele trecho final do release de vocês é meio que uma resposta para esse jogo de ‘empurra-empurra’ que virou parte da cena brasileira. E já que vocês tocaram com alguns gringos, o que acham que falta então para que a coisa aconteça melhor por aqui?
Renato: Uma das coisas é profissionalismo, com certeza. Qualquer uma das bandas gringas que tivemos contato, independentemente se eram grandes ou não, eram extremamente profissionais. Temos uma síndrome no underground de relaxo. Todo mundo faz o mínimo e quer ser bem recompensado por isso. Não é por aí. Ensaiar toda semana, tirar dinheiro do bolso para instrumentos e etc, toda banda faz. É no que você faz a mais que suas exigências são correspondidas. Ninguém vira profissional agindo como amador, comece a agir profissionalmente que as pessoas irão te tratar profissionalmente. Acredito que respeito também, principalmente o próprio. Como brasileiros, temos o costume de ter autoestima muito baixa, isso faz com que entremos em projetos com a mentalidade de derrotados. Esse ‘senso comum’ totalmente falho, de que não conseguimos criar nada novo, e que tudo daqui não presta não ajuda ninguém. Vejo o Sepultura como exemplo. Precisou os gringos falar que era uma puta banda para que a gente começasse a considerar motivo de orgulho. Valorize o que temos aqui.
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