“Oh, você não tem como evitar”, disse o Gato, “somos todos loucos por aqui. Eu sou louco. Você é louca.”
Eu estava um dia desses conversando com um amigo e chegamos à conclusão que a maioria dos artistas que admiramos, principalmente os ligados a literatura e música, sempre tiveram comportamento social peculiar. Drogas, gosto excêntrico, hobby estranho, posição política controversa, verdadeiros “pontos fora da curva”.
Dentre tantos, esse artigo é sobre uma personalidade que soube combinar várias ciências em uma genial obra “nonsense”, “alucinógena” e “inteligente” que vai muito além de uma simples história para crianças.
Lewis Carroll, cujo verdadeiro nome era Charles Lutwidge Dodgson (1832-1898) além de escritor, foi matemático, filósofo, lógico, inventor, fotógrafo e diácono da Igreja Anglicana. Notável por suas habilidades em geometria, álgebra matricial, lógica matemática, lecionou no famoso Christ Church College de Oxford.
“Gosto de crianças (exceto meninos)” – Lewis Carrol
Aqui está o ponto peculiar. Carroll gostava de fotografia, e tinha preferência em fotografar meninas com pouca roupa e, por vezes, nuas. Somente meninas. Importante ressaltar que todas as fotografias eram feitas com o consentimento dos pais. Uma das modelos de Carroll chamava-se Alice Liddell, e era filha de Henry George Liddell, deão da Christ Church College (futura Universidade de Oxford). Carrol disse que a menina não foi a inspiração para a personagem principal do livro. Pode até ser, mas a história surgiu num passeio de barco com a garota e suas irmãs.
Nas fotos tiradas por Carroll, as crianças parecem que estão à vontade, não demonstram temor por ameaça ou assédio. Podemos conferir as fotos pesquisando ‘Pleasures Taken — Performances of Sexuality and Loss in Victorian Photographs’, livro da autora Carol Mavor.
De qualquer maneira os pais de Alice proibiram que Carrol continuasse a ver a menina. (A quem tem interesse, sugiro pesquisar sobre o tema e tirar suas próprias conclusões).
“A única forma de chegar ao impossível, é acreditar que é possível.”
Em 1865 são lançados: “Alice no País das Maravilhas” e a sequela “Alice Através do Espelho”.
As obras têm como pano de fundo um país povoado por seres antropomórficos em um contexto da lógica do absurdo. Repleto de poemas, problemas matemáticos, enigmas, filosofia. Os desenhos de John Tenniel contribuíram muito para trazer uma amostra do universo de Alice para os leitores, além de se tornar referência a futuros ilustradores e desenhistas.
Alice foi uma sensação agradando a adultos e crianças, entre os leitores mais assíduos estavam Rainha Vitoria e Oscar Wilde.
“Não é que eu goste de complicar as coisas, elas é que gostam de ser complicadas comigo.”
Os conceitos matemáticos em ambas as obras é muito utilizada por Carroll, alguns exemplos:
– No Buraco do Coelho, enquanto encolhe, Alice tem receio do tamanho final que atingirá, com medo de desaparecer completamente. Esta observação reflete o conceito do limite de uma função;
– O Gato de Cheshire desaparece, deixando apenas o seu sorriso largo no ar. Alice percebe que já viu um gato sem um sorriso, mas nunca um sorriso sem um gato.
“Alice no País das Maravilhas” é muito popular por seu apelo infantil, principalmente pelos filmes produzidos pela Disney. Mas o livro é de difícil compreensão em sua essência, o que fascinou e ainda inspira muitos artistas nos dias de hoje.
“Você é louco, louquinho, mas deixa eu te contar um segredo: As melhores pessoas são assim.”
Beatles – Na capa de “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” a montagem de Peter Blake tem a imagem de Lewis Carrol. Podemos identificar a influência do universo de Carroll nas canções “Cry Baby Cry”, “Come Together”, “Glass Onion” e principalmente em “I Am The Walrus”.Durante uma entrevista de 1965, John Lennon declara que “Alice no País das Maravilhas” e “Alice Através do Espelho” eram dois de seus livros preferidos quando era criança. No livro “Beatles: A História por Trás de Todas as Canções”, o autor Steve Turner conta que a letra de “Lucy in the Sky with Diamonds”, tem a admiração de Lennon pelo surrealismo, pelos jogos de palavras e pela obra de Lewis Carroll.
Dokken – A música “Maddest Hatter” do álbum “Erase the Slate” (1999).
Jefferson Airplane – A música “White Rabbit” do album “Surrealistic Pillow” (1967). Letras com referencias a pílulas que fazem crescer e encolher.
Symphony X – “Twilight in Olympus” (1998) contém o épico de 13 minutos “Through the Looking Glass”.
Blind Guardian – A banda tem o DVD “Imaginations Through the Looking Glass” (2004), com músicas de “Imaginations from the Other Side” influenciado pela obra de Lewis Carrol.
Annihilator – “Alice in Hell” (1989) e “Never, Neverland” (1990), dois clássicos da banda canadense influenciados pela obra de Lewis Carrol.
Pink Floyd – Os trabalhos iniciais demonstram certa tendência e inspiração de “Alice no País das Maravilhas” e “Alice Através do Espelho” como na música “Country Song” (com referencias a Rainha Vermelha, Rei Branco, e o Gato Sorridente).
Tom Waits – Pianista, compositor, lançou em 2002 o álbum “Alice”. Este trabalho registrou momentos ainda não editados de uma turnê europeia.
Para quem tem interesse em mais detalhes recomendo o livro “Alice – Edição Comentada” (Editora Zahar). Contém “Aventuras de Alice no País das Maravilhas” e “Através do Espelho” com ilustrações originais e notas do escritor Martin Gardner.