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LIVING COLOUR: Música e show poderosos

Trinta (e um) anos depois do lançamento do primeiro álbum, “Vivid”, o Living Colour continua uma força sem igual. Durante todo esse tempo, o trabalho de Corey Glover (vocal), Vernon Reid (guitarra), Doug Wimbish (baixo) e Will Calhoun (bateria) continuou incomparável e intocável. São todos músicos extraordinários, sem dúvida, mas é a obra sem barreiras, num horizonte artístico ilimitado, que mantém a banda relevante num cenário que muda de humor a todo instante. Rumo ao Brasil pela oitava vez, pouco mais de um ano depois da última passagem, quando fez um solitário show em São Paulo, o Living Colour volta à capital paulista (dia 14 de junho), mas incluiu no roteiro o retorno ao Rio de Janeiro depois de dez anos. Um verdadeiro presente para os fãs cariocas, que receberão o grupo nova-iorquino mais uma vez no Circo Voador, dia 13 – vamos combinar que a apresentação no Palco Sunset do Rock in Rio em 2013 não conta, afinal, a banda foi muito mal escalada no mesmo dia de Ivete Sangalo, David Guetta e Beyoncé. E se a música do quarteto é única e formidável nos discos, em cima do palco ela ganha proporções ainda melhores. Para falar disso e mais um pouco, conversamos com Calhoun, então coloque o “Vivid” para rodar – sim, eles vão tocá-lo na íntegra! –, aproveite o papo e se prepare para os espetáculos.

Vamos começar falando dos próximos shows no Brasil. O Living Colour esteve no país em 2018 para uma única apresentação em São Paulo, e agora há uma data no Rio de Janeiro, onde a banda não toca desde 2009… Quais são as expectativas?
Will Calhoun: Deixe-me começar agradecendo a você pela oportunidade de fazer essa entrevista. Amamos o Brasil e estivemos aí no ano passado, é verdade, mas estamos ansiosos por esses novos shows, para agradecer a todos os nossos fãs pelo apoio durante todos esses anos. É o trigésimo aniversário do “Vivid”, então montamos uma combinação interessante de músicas para essas apresentações.

É o que eu iria perguntar, porque andei olhando os setlists de shows recentes da Vivid 30th Anniversary Tour, mas a banda não está tocando o “Vivid” na íntegra…
Will: Mas agora planejamos tocar algumas canções de discos variados e também o “Vivid” da primeira à última faixa. Queremos dar aos brasileiros um show de aniversário realmente fantástico, com músicas variadas (N.R.: o Living Colour realmente tocou as 11 faixas do disco de estreia na primeira noite da turnê sul-americana, em Santiago, no Chile).

Living Colour

A primeira vez do Living Colour no Brasil foi em 1992, como headliner do Hollywood Rock. Doug Wimbish havia acabado de substituir Muzz Skillings, mas ainda não era integrante fixo, e a banda foi eleita por público e crítica como o melhor show do festival. Quais são suas lembranças?
Will: Aqueles shows foram incríveis! Não esperávamos ser tão bem recebidos no Brasil, até porque era nossa primeira vez. Particularmente, eu estava ansioso para visitar seu país porque o meu filme favorito na infância era “Orfeu Negro” (N.R.: também conhecido como “Orfeu do Carnaval”, produção ítalo-franco-brasileira do cineasta francês Marcel Camus, o longa foi lançado em 1959). Depois de assistir àquele filme, eu queria desesperadamente conhecer o Brasil, por isso fiquei aí por um mês depois daquelas apresentações. Aluguei um carro e fui com um amigo brasileiro de São Paulo para a Bahia, e essa viagem mudou a minha vida. Tive a oportunidade de visitar escolas de samba, conhecer e me divertir com Carlinhos Brown e os músicos da Timbalada. Fui apresentado a Lenine e Marcos Suzano, a uma comida maravilhosa, ao ritmo do maracatu e a tantas outras coisas maravilhosas da cultura brasileira.

E vocês não demoraram a voltar. Já no ano seguinte, em 1993, mas para um único e incrível show em São Paulo. O local estava eletrificado, e lembro-me do Corey Glover se jogando três vezes na plateia…
Will: Toda a turnê do “Stain” em 1993 foi mágica, mas o público naquele show foi inacreditável, então nós ficamos ainda mais empolgados para tocar no Brasil novamente.

Mas aí a banda encerrou as atividades ou, como eu costumo dizer, entrou num hiato de 1995 a 2000. Como foi para você?
Will: Aquele foi um período muito desafiador… Eu tive de me adaptar a não estar mais numa banda, mas o tempo livre permitiu a mim a maravilhosa oportunidade de viajar para pesquisar sobre música. Voltei ao Brasil e fiquei aí durante três meses, desta vez no Recife. Visitei um incrível escola chamada Centro de Educação e Cultura Daruê Malungo, fundada e gerida por um grande amigo e músico, o Mestre Meia-Noite (N.R.: como é conhecido o capoeirista, bailarino e educador Gilson Santana). Ele e sua adorável família tomam conta da escola, e eu fiquei impressionado em como os jovens aprendiam no local a focar na própria cultura. Fiquei impressionado com todas aquelas belas crianças criando fantasias, aprendendo danças tradicionais e se reconectando com sua ascendência angolana. Aliás, fiz um pequeno documentário sobre essa viagem e o lançarei no próximo ano. Também viajei e estudei no Marrocos, Mali, Senegal, Belize, China e partes limitadas do Caribe, e o que fez com que nos reuníssemos foi o tempo. Ao retomarmos a banda, todos trouxemos experiências musicais muito especiais que colocamos na mesa para criar um novo capítulo musical para o Living Colour.

Living Colour

“Collideøscope” foi lançado em 2003, e no ano seguinte a banda voltou ao Brasil. Vocês esperavam ser tão bem recebidos depois de tanto tempo?
Will: Não! Nós apenas torcemos para que fosse incrível como havia sido nas vezes anteriores, e foi!

E continua sendo. Falando especificamente sobre a cidade onde moro, o Rio de Janeiro, o último show completo na cidade ficou marcado por uma noite em que vocês tocaram por três horas.
Will: Sim! Todos as nossas apresentações no Rio foram maravilhosas, mas não tínhamos planejado tocar por três horas naquele dia (N.R.: 16 de outubro, terceira das quatro datas da perna brasileira da turnê do “The Chair in the Doorway”). Acontece que vocês foram tão espetaculares que não queríamos sair do palco (risos).

Vamos falar um pouco do álbum mais recente, “Shade” (2017). Oito anos o separaram de “The Chair in the Doorway”, e isso é muito tempo. O que houve que deixou o processo tão demorado?
Will: E não levamos oito anos para gravá-lo, porque em boa parte desse tempo nós não trabalhamos no “Shade”. Foram apenas três anos em cima do disco. Gravamos muitas músicas, usamos vários estúdios, experimentamos diferentes produtores e engenheiros de som. Esse processo acabou expandindo o tempo de gravação, mas também trocamos de empresário, de agentes e de advogados durante esse período, além de termos estudado oportunidades em outras gravadoras. No fim das contas, estávamos tentando criar a melhor situação possível para lançar o “Shade”.

E foram sete estúdios diferentes, incluindo até mesmo um no Reino Unido. Como foi essa experiência?
Will: Interessante e longa… No entanto, ter opções demais às vezes pode causar problemas.

Living Colour

“Shade” tem 13 músicas, sendo que no EP “Who Shot Ya?” (2016) há duas que poderiam facilmente ter entrado nele, “Regrets” e uma versão fabulosa de “This Place Hotel” (N.R.: composição de Michael Jackson em sua época no The Jacksons). Quantas vezes vocês mudaram o track list?
Will: (rindo) Foram muitas mudanças, em minha opinião, porque nós continuamos compondo mesmo durante as gravações de “Shade”. De certa forma, não estávamos satisfeitos com todas as canções que tínhamos, então ficamos compondo e gravando sem parar.

A propósito, “Who Shot Ya?” saiu apenas no formato digital. Alguma chance de o EP ser lançado em CD?
Will: (empolgado) Absolutamente!

Ótimo! Como citei “This Place Hotel” anteriormente, gostaria de falar dos outros covers. “Who Shot Ya?” (N.R.: The Notorious B.I.G.) é autoexplicativa, mas como surgiu a ideia de regravar “Preachin’ Blues” (N.R.: Robert Johnson) e, especialmente, “Inner City Blues” (N.R.: Marvin Gaye), que ficou fantástica?
Will: Obrigado! Decidimos gravar “Preachin Blues” porque havíamos tocado essa música durante a comemoração do aniversário de cem anos do Robert Johnson, no Apollo Theater, em Nova York, num evento com vários outros grandes artistas (N.R.: batizada de “Robert Johnson at 100”, a celebração aconteceu no dia 6 de março de 2012). Acontece que fomos aplaudidos de pé, então vimos ali que iríamos fazer uma versão de estúdio. Gostamos tanto dessa música que ele precisava entrar no “Shade”, enquanto “Inner City Blues” foi uma decisão do Vernon Reid e do produtor Andre Betts.

Bom, tem uma faixa que chamou minha atenção, “Program”, porque é interessante que seja uma canção composta pelo produtor e outros dois coautores fora da banda. Qual a história por trás dela?
Will: Nunca gostamos dessa música por completo, então tentamos várias coisas diferentes. Usamos vocalistas de apoio, cordas, metais, teclados, loops e até mudamos a letra, então decidimos eventualmente pela versão que está no disco.

Eu poderia falar sobre todo o álbum, mas o que você pode dizer da belíssima “Two Sides”?
Will: Ela simplesmente lida com problemas… Há apenas dois lados, a verdade e a mentira, e as pessoas escolhem um deles conforme afeta particularmente seu resultado.

Mencionei “Who Shot Ya?” anteriormente, e é triste como ela ainda é atual (N.R.: gravada em 1995 pelo rapper Notorious B.I.G., assassinado dois anos depois, ela foi usada pelo Living Colour como uma canção contra as armas e a violência policial). Inclusive no Brasil, onde um caso recente ilustra um dos problemas que vivemos: o do músico negro Evaldo Rosa dos Santos, fuzilado com mais de 80 tiros pelo Exército enquanto ia com a família a um chá de bebê. Isso porque seu carro foi confundido com um usado por assaltantes…
Will: Eu li sobre esse terrível incidente e sinto muito, mesmo. É algo que está acontecendo no mundo todo, não é uma situação nova. O mundo está mudando rapidamente… É como o meu grupo favorito de rap, o Public Enemy, declarou de maneira clara e inteligente no disco “Fear of a Black Planet”, de 1990: essas mudanças são uma grande ameaça a muitas políticas estabelecidas. A estrutura de poder conservadora está e sempre continuará tentando barrar qualquer mudança positiva que ameace o seu controle colonial.

Para terminar, depois de mais de 30 anos de Living Colour, o que você pode dizer sobre cada disco da banda? Quero dizer, o que eles representaram à época e o que significam hoje para você. Suas lembranças, e começamos com “Vivid”.
Will: Nosso primeiro álbum. Ensaiávamos cinco ou seis dias por semana e tocávamos constantemente em casas locais, então a banda estava muito entrosada quando fez “Vivid”, que representa o mundo para mim! Foi ele que trouxe atenção internacional para o Living Colour. De Mick Jagger e Rolling Stones a ser empossado no Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana, em Washington D.C., incluindo a oportunidade de fazer música honesta e de verdade num nível supremo, com um produtor fantástico, Ed Stasium. E a turnê do “Vivid” foi um desafio, pois estávamos desbravando novos territórios para nós mesmos e definido um movimento… Com ajuda do Bad Brains e do Fishbone. Foram precisos alguns shows para as pessoas entenderem nossas reais intenções, mas éramos e ainda somos uma banda muito poderosa em cima do palco. Nossa música ao vivo é mais progressiva do que nos discos.

E o segundo álbum, “Time’s Up” (1990)?
Will:
A banda havia acabado uma turnê com o Rolling Stones e terminado uma turnê própria sem tempo para respirar. Começamos a gravar o disco em Los Angeles, que não é a minha cidade favorita para ficar num estúdio depois de meses na estrada. Prefiro Nova York, então levou um tempo para eu me ajustar a um novo ambiente e sistema. Mas assim que começamos a finalizar as músicas, as gravações ganharam forma e caráter próprios. Estávamos um pouco exaustos das turnês, por isso nossos humores estavam ainda mais afiados para criar arte, e foi um período interessante na indústria musical. Eu adorava o “Time’s Up” quando o fizemos e gosto ainda mais dele agora, e a sua turnê foi ótima. Fomos convidados para o primeiro Lolapalooza.

E chegamos ao “Biscuits” (1991).
Will: Foi um EP para colocarmos algum material novo sem que fosse preciso lançar um disco completo. Tínhamos muitas músicas ao vivo e faixas de estúdio inacabadas para escolher, e as canções de estúdio foram finalizadas em apenas um dia.

“Stain” (1993).
Will: Doug Wimbish, nosso baixista, se juntou oficialmente à banda. Nosso som havia mudado, então mudamos de produtor, usando o Ron St. Germain. Estávamos entrando numa cena cujo som era mais pesado. Tínhamos uma sala de ensaios só nossa para trabalhar no “Stain”, então passamos muito tempo compondo e ouvindo nossos próprios conceitos. Eu amo esse disco, e as turnês foram fenomenais. A produção, a iluminação e a equipe técnica eram apenas nossas, o que nos permitiu dar aos fãs uma experiência mais pessoal do que era o Living Colour ao vivo. Pessoalmente, estava lidando com o fato de o meu irmão mais velho lutar contra o vício em drogas, e foi isso que me inspirou a compor “Nothingness”.

“Collideøscope” (2003).
Will: Foi um álbum muito difícil de fazer. Havíamos voltado depois de quase seis anos separados, então ainda lutávamos para nos libertar de vários problemas. Não é o meu disco favorito da banda, mas é um que tivemos de fazer… Foi quase como uma terapia. Gosto das músicas, mas a produção não é tão forte como a dos três primeiros trabalhos. Excursionar para promover “Collideøscope” foi muito desafiador, porque não estávamos todos de acordo com o direcionamento musical do Living Colour àquela época.

“The Chair in the Doorway” (2009).
Will: Grande parte do disco foi feita em Praga (N.R.: capital da República Tcheca), e foi mais uma vez estranho gravar fora de Nova York. Desafiador, mas não tão ruim quanto em “Collideøscope”. Ainda não estávamos todos na mesma página, mas as coisas estavam melhorando. A produção é boa, mas não ótima, e gosto das músicas. No entanto, eu preferia mesmo que tivéssemos gravado em Nova York. Mas tivemos grande ajuda do Pierre de Beauport, um querido amigo e técnico de guitarra do Keith Richards. Usamos seu estúdio (N.R.: The Library, em Greenfield, Massachusetts) para finalizar algumas músicas. Uma delas é “Not Tomorrow”.

Por último, “Shade” (2017).
Will:
Comecei a sentir que estávamos voltando a um grande som e a uma grande produção. Querido amigo da banda, Andre Betts, que é do Bronx como eu, fez um trabalho formidável em “Shade”. Foram três duros anos para completar esse disco, por causa das muitas mudanças no nosso time… Empresário, gravadora, advogados, produtores, estúdios e engenheiros de mixagem. Nós também interrompemos os trabalhos algumas vezes para sair em turnê, na maioria das vezes na Europa, e gravamos tantas músicas que tivemos um demorado processo de eliminação até decidirmos quais eram as que precisavam estar no CD. Mas assim que começamos a turnê, vimos que tínhamos a seleção perfeita de canções para antigos e novos fãs. Além disso, muitas das letras fazem referência ao nosso atual clima político.

E espero que o sucessor de “Shade” não leve oito anos para ser lançado. Vocês já pensam no próximo disco?
Will: Sim! Já estamos planejando o novo álbum. Na verdade, já começamos o processo.

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