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LIVING COLOUR – SÃO PAULO (SP)

12 de outubro de 2024 - Tokio Marine Hall

Por Leandro Nogueira Coppi 

Fotos: Roberto Sant’Anna

Em um ano comemorativo como 2024, em que o Living Colour celebrou 40 anos de uma carreira respeitada e vitoriosa, o Brasil não poderia ficar de fora das festividades. O país sempre acolheu a banda nova-iorquina calorosamente, desde sua estreia no extinto festival “Hollywood Rock”, em janeiro de 1992, até a mais recente passagem pelo “Rock in Rio” de 2022, com várias apresentações ao longo dos anos. Animados com a oportunidade de comemorar com sua grande e fiel base de fãs brasileiros, Corey Glover (vocal), Vernon Reid (guitarra), Doug Wimbish (baixo) e Will Calhoun (bateria) retornaram ao país entre os dias 10 e 13 de outubro, realizando shows no Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), São Paulo (SP) e Brasília (DF), respectivamente. Em Sampa, como de costume, o público compareceu em peso, agora ao Tokio Marine Hall, com muitos fãs chegando bem antes do horário marcado para prestigiar a apresentação de abertura do Black Pantera, banda mineira que já deixou de ser uma promessa para se consolidar como uma das grandes forças da música pesada brasileira.

E por falar em Black Pantera, não poderia haver escolha mais apropriada para abrir os shows do Living Colour. O trio formado pelo baterista Rodrigo “Pancho” Augusto e pelos irmãos Charles Gama (vocal e guitarra) e Chaene da Gama (baixo e vocal) também se apresentou no “Rock in Rio” em 2022, onde conquistou a admiração do guitarrista Vernon Reid, que elogiou a banda em entrevista ao Multishow nos bastidores do festival. Desta vez, assim como Belo Horizonte (MG), São Paulo presenciou o encontro de duas bandas de gerações distintas, mas unidas pela mesma luta antirracista e com letras de forte teor social, abordando temas como desigualdade e resistência.

Às 20h40, já no palco, enquanto os músicos do Black Pantera afinavam seus instrumentos, ecoava ao fundo uma introdução poderosa: a voz do rapper Mano Brown em um discurso memorável de uma apresentação do Racionais MC’s, feito antes de o grupo tocar a música A Vida é Desafio. A partir desse momento, os uberabenses reafirmaram seu domínio absoluto de palco. Vale destacar que, sonoramente, já não é mais necessário apresentar o tipo de música feita pelo Black Pantera. Com uma base sólida de fãs em todo o país, a banda foi abraçada pelo público desde o início do show – reflexo de uma trajetória consistente e relevante ao longo de uma década. Isso prova que sua mensagem segue sendo amplamente assimililada e valorizada por onde quer que passem.

A noite começou com muita energia ao som de Provérbios, faixa que abre o novo e quarto álbum de estúdio, Perpétuo, lançado em maio passado. No entanto, nas primeiras músicas o som estava embolado. Felizmente, à medida que a qualidade sonora foi ajustada, o público pôde absorver com maior clareza as letras contestadoras e reflexivas da banda, que exaltam a luta em defesa dos povos originários. Desde o início, como de praxe nos shows do Black Pantera, é impossível não se contagiar com a “ignorância” com que Chaene domina o baixo. Com uma pegada monstruosa e sem o uso de palheta, além da técnica refinada e um groove impressionante e cheio de estilingadas nas cordas, ele transforma cada performance em algo único. O digníssimo é um cavalo nas cinco cordas! Certamente, Chaene já tem assegurado seu lugar entre os grandes baixistas da música brasileira.

Após a agressiva Padrão é o Caralho, uma das que apresentam duo vocal entre os irmãos, o sempre simpático e comunicativo Charles dirigiu-se ao público pela primeira vez. Em suas palavras, ele expressou profunda admiração pelo Living Colour, destacando a mensagem que a banda americana vem transmitindo há décadas – um legado que, segundo ele, o Black Pantera continua a levar adiante nos dias de hoje. Seu breve discurso foi recebido com aplausos, iniciados por seu próprio irmão. Na sequência, Chaene voltou a “agredir” as cordas de seu baixo, dando início à dançante Dreadpool Zero. Antes da próxima, o baixista apresentou a banda e resumiu o clima daquela noite: “Escola Living Colour; noite preta de rock and roll para caralho!”. Em seguida, ele ergueu uma bandeira com o nome do Black Pantera que lhe foi arremessada por um fã na pista, agradeceu ao público pelo acolhimento e devolveu a mesma ao seu dono. Dando continuidade, o grupo emendou a ‘porradeira’ Boom! com aquela que considero sua melhor composição, tanto musical e liricamente quanto pela linha vocal: a emocionante faixa-título de Perpétuo, música essa que aborda a ancestralidade e conta com um videoclipe belíssimo. 

Sempre a mais aguardada pelos fãs, Fogo Nos Racistas veio em seguida. Mantendo a tradição, no meio da música, Charles e seus companheiros reduziram o ritmo, enquanto o vocalista e guitarrista pedia ao público que se agachasse. Após o comando, todos se levantaram e voltaram a agitar intensamente. A resposta foi imediata, trazendo uma energia renovada ao show, especialmente porque, até aquele momento, a plateia estava um tanto quanto parada.

Um momento especial foi a execução da pacata Tradução, música composta e dedicada à mãe dos irmãos Gama. Logo depois, o trio se divertiu dançando ao som mecânico de September, do grupo Earth, Wind and Fire, para, em seguida, retornar com tudo e alternar o groove do soul com o peso do hardcore em Fudeu. Dali em diante, o show atigiu dois pontos altos. O primeiro foi durante Sem Anistia, quando Charles Gama organizou um ‘circle pit’ exclusivo para as “minas”, um gesto que foi muito bem recebido. O segundo veio com a pesadíssima Revolução é o Caos, que começou com um solo de Chaene, incluindo um trecho de Anesthesia (Pulling Teeth), tema de autoria de Cliff Burton, gravado pelo finado baixista no lendário álbum de estreia do Metallica, Kill ‘Em All (1983). O momento ainda contou com um solo de Pancho bem percussivo. Para o encerramento, após o recado incisivo de Chaene, dizendo “Ensinem seus filhos a serem antirracistas!”, ele, Charles e Pancho mandaram Boto Pra Fuder. Quem chegou ao Tokio Marine Hall apenas próximo ao horário do show do Living Colour perdeu uma apresentação de abertura que teve toda a força e presença de um potencial headliner.

Instantes após a apresentação do Black Pantera, o ambiente foi tomado pela icônica sinfonia The Imperial March (Darth Vader’s Theme), composta por John Williams para o filme “Star Wars: O Império Contra-Ataca”. Nesse clima épico, os “Stormtroopers” de Nova Iorque – os sessentões Corey Glover (vocal), Vernon Reid (guitarra e backing vocal), Doug Wimbish (baixo e backing vocal) e Will Calhoun (bateria) -, caminharam tranquilamente rumo ao palco, ovacionados por uma plateia em êxtase, ávida pela explosiva mistura de hard rock, hardcore, funk ‘o metal, hip hop e jazz do Living Colour.

O quarteto deu início ao show com a envolvente Leave it Alone, hit do belíssimo Stain, de 1993. Em seguida, revisitou seu aclamado álbum de estreia, Vivid, de 1988, incendiando o público com a eletrizante Desperate People. Essa música foi marcada por uma performance exuberante de Wimbish, um verdadeiro monstro no baixo, que há 32 anos assumiu o posto deixado pelo não menos talentoso Muzz Skillings, após o lançamento do EP Biscuits (1991). Embora os álbuns mais bem-sucedidos da carreira do Living Colour sejam os dois primeiros – o já mencionado Vivid Time’s Up (1990) -, foi Stain o grande destaque da noite. Ter dado ênfase à este álbum foi uma ótima decisão da banda; os fãs paulistanos que já estão acostumados a ver o Living Colour ao vivo, finalmente puderam desfrutar das músicas de Stain. Nas três últimas passagens do Living Colour por São Paulo, o disco havia sido completamente descartado no setlist. Dando continuidade ao show, a banda emendou logo quatro pérolas consecutivas de Stain: a pesada Ignorance is Bliss, a cadenciada Bi – essas duas com direito a solos de Wimbish -, Ausländer, que começou com uma introdução suingada do exímio baterista Will Calhoun, acompanhada por Wimbish mandando uma base com efeito hipnótico no baixo – e a deliciosa Never Satisfied. Foi uma sequência de tirar o fôlego!

A breve introdução mecânica que se seguiu foi o gancho para a grooveada e dançante Funny Vibe, de Vivid. Essa começou com um instrumental repleto de improvisações, onde novamente o destaque foi Doug Wimbish. De fato, ele parecia estar possuído naquela noite, exibindo não apenas sua técnica impressionante, mas também uma interação contagiante com o público. Além disso, Wimbish auxiliava Vernon Reid nos vocais de apoio a Corey Glover, que, curiosamente, até então havia se comunicado quase nada com a plateia entre as músicas. No entanto, Corey compensava essa aparente reserva com uma performance vocal de tirar o fôlego (o nosso, não o dele!). Ainda assim, o grande momento do frontman estava apenas começando…

Após Sacred Ground, música originalmente lançada na coletânea Pride (1995) e regravada em Collideøscope (2003), o Living Colour entregou uma das melhores performances de uma de suas músicas mais belas: Open Letter (To A Landlord). Escrita por Vernon Reid em parceria com a poetisa, atriz, escritora, cantora e artista performática americana Tracie Morris, a música se transformou em um espetáculo ao vivo, especialmente pela atuação de Glover. Durante os cerca de onze intensos minutos, o cantor ofereceu uma verdadeira aula de interpretação. Demonstrando um domínio absoluto de técnica, alcance, variedade vocal e improvisação, ele manteve o público hipnotizado, sem desafinar em nenhum momento ou recorrer à velha tática de passar o microfone para o público cantar por ele. Foi uma performance tão impactante que bastava olhar para Vernon, Doug e Will para perceber o orgulho nos sorrisos estampados enquanto assistiam seu frontman brilhar.

Ao final da música, a resposta do público foi arrebatadora: aplausos incessantes e o nome de Corey Glover entoado em coro por todos presentes. Surpreso (será?), Corey arregalou os olhos e exibiu um sorriso modesto, visivelmente tocado pelo caloroso reconhecimento. Aquela celebração espontânea foi um abraço coletivo, uma homenagem mais do que merecida para um artista que, prestes a completar 60 anos no mês seguinte, mostrou ser ainda um dos melhores vocalistas da atualidade.

Em seguida, os holofotes se viraram para o exímio Will Calhoun, que executou um solo de bateria cheio de pegada. Como de costume, em determinado momento da performance, ele se levantou do kit e se dirigiu a um pad eletrônico Korg Wave Drum, posicionado ao seu lado esquerdo. Com ele, Calhoun criou loops hipnotizantes que serviram como base para retornar e massacrar sua bateria.

Diferentemente dos dois últimos shows que a banda havia feito em São Paulo, dessa vez Will Calhoun não utilizou suas baquetas vermelhas luminosas, que mais pareciam tochas flamejantes, nem o peculiar aFrame — um cilindro percussivo de estrutura eletrogênica com o qual ele costumava descer para tocar na frente do palco, próximo ao público, proporcionando um momento ímpar em sua performance.

Infelizmente, após seu solo, o público vacilou ao não entoar o nome de Will Calhoun em coro, como havia feito para Corey Glover em Open Letter (To a Landlord) e para Vernon Reid na música seguinte, a pacata Flying, do álbum Collideøscope.

Durante Flying, Vernon Reid mostrou, com seu jeito estranhíssimo porém funcional de usar a mão direita, todo o seu talento ao exibir um solo que conquistou não apenas o público, mas também seu velho parceiro Corey Glover. Ao ouvir a plateia gritando seu nome ao final da música, Reid abriu um sorriso. Quando o coro de “Vernon, Vernon, Vernon…” diminuiu, Glover pediu que não parassem. Assim que o público retomou os gritos pelo guitarrista, Corey comentou: “Isso é música para os meus ouvidos!”.

Aquele bloco do show, de fato, foi planejado para que cada integrante pudesse esbanjar um pouco de seu talento. Faltava Doug Wimbish, mas logo Clorey anunciou a vez do baixista.

Com um novo baixo Spector em mãos, Wimbish dirigiu-se ao microfone e perguntou aos colegas se aquele era mesmo um sábado à noite. Em seguida, voltou-se à plateia, indagando se ela estava preparada para a festa. Então mencionou que ele e seus parceiros tocariam algumas músicas de seu passado em Nova Iorque.

Com Doug Wimbish no vocal principal exibindo sua habilidade tanto no hip hop quanto na soul music, a banda apresentou um medley bastante dançante. O set incluiu White Lines (Don’t Don’t Do it), de Grandmaster Melle Mel; Apache (Jump On it), clássico da The Sugarhill Gang; e The Message, de Grandmaster Flash & The Furious Five. Que divertido foi!

Era chegada a hora do grande clássico do Living Colour, o funk/pop/reggae Glamour Boys. Aí não teve jeito: o públicou ficou ainda mais agitado e cantou o refrão em alto e bom som. Depois dessa, Vernon Reid foi ao microfone, enquanto Wimbish pegava com o roadie seu Spector anterior, e perguntou: “E aí, São Paulo? Como se sente? O que está acontecendo?”. E avisou: “Esta próxima canção é sobre amor!”. Ele falava de outro grande hit do Living Colour: a malemolente Love Hears it’s Ugly Head. De fato, é uma música que aborda o lado complicado e, por vezes, conflituoso do amor. A letra, escrita por Corey Glover, é uma reflexão sincera e irônica sobre as dificuldades de lidar com sentimentos românticos, especialmente quando se espera evitar envolvimentos emocionais profundos, mas acaba sendo surpreendido pela força do amor.

Depois de fazer os fãs dançarem ao som de Glamour Boys, e de emocionar com a reflexão sobre o amor em Love Hears it’s Ugly Head, o Living Colour quebrou tudo com a paulada Time’s Up. O clima esquentou ainda mais quando a introdução mecânica revelou a próxima pérola da noite: a atemporal Cult of Personality. A canção aborda o conceito de líderes carismáticos que conquistam seguidores por meio de sua personalidade magnética, frequentemente manipulando massas e fomentando uma devoção quase cega. Uma temática sempre atual, que, nos dias de hoje, aplica-se a políticos e líderes religiosos no Brasil e em outras nações. 

Antes de anúnciar a última música do show, Vernon Reid saudou o Black Pantera e dedicou a faixa Type ao power trio mineiro. Foi uma atitude louvável e muito aplaudida pelo público. Após mais um clássico de Time’s Up, que encerrou mais uma apresentação de alto nível do Living Colour em São Paulo, Corey Glover apresentou os integrantes da banda, que se despediu ovacionada pelos fãs brasileiros.

A cada show do Living Colour que presencio, penso: “Bendito seja Mick Jagger!”. Após conhecer Vernon Reid em Nova Iorque, o lendário vocalista dos Rolling Stones teve um papel crucial na trajetória da banda. Ele produziu uma demo do Living Colour, que foi fundamental para o grupo assinar contrato com a gravadora Epic Records. Além disso, Jagger proporcionou grande visibilidade ao colocá-los como banda de abertura na “Steel Wheels Tour” dos Stones, em 1989, e também contribuiu como coprodutor no álbum Vivid. Agora, a expectativa é pelo retorno do Living Colour ao Brasil, quem sabe já trazendo consigo seu aguardado sétimo álbum de estúdio, que começou a ser trabalhado em dezembro de 2022. Afinal, seu último álbum, Shade, já está prestes a completar oito anos!

BLACK PANTERA – setlist: 

Provérbios
Padrão é o Caralho
Dreadpool Zero
Boom!
Perpétuo
Fogo nos Racistas
Tradução
Fudeu
Black Book Club
Sem Anistia
Candeia
Revolução é o Caos
Boto pra Fuder

LIVING COLOUR – setlist: 

Leave it Alone
Desperate People
Ignorance is Bliss
Bi 
Ausländer
Never Satisfied
Funny Vibe
Sacred Ground
Open Letter (To a Landlord)
Will Calhoun – solo de bateria
Flying
Doug Wimbish medley (White Lines (Don’t Don’t Do it) / Apache (Jump On it) / The Message)
Glamour Boys 
Love Hears it’s Ugly Head 
Time’s Up
Cult of Personality 
Type 

 

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