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LORD VICAR: O Vigário Das Trevas [Entrevista Exclusiva]

Com um cenário musical em constante expansão desde o final da década de 80 e com um apego incondicional a quaisquer subgêneros do metal, a Finlândia tem se destacado em todos os ‘fronts’ da música pesada, seja pela sua tradicionalíssima cena death/black, seja também pelo power e pelo symphonic metal. Com o doom metal não poderia ser diferente, e dentre os principais nomes do gênero no mundo é fácil incluir os gigantes Reverend Bizarre e Spiritus Mortis. Pois é justamente do Reverend Bizarre que vem o guitarrista Kimi Kärki, um dos fundadores do Lord Vicar. Ao seu lado, também desde o início estão Gareth Millsted (bateria, ex-Centurions Ghost) e o vocalista Christian “Chritus” Linderson (ex-Count Raven, Terra Firma e Saint Vitus), com o time sendo completado pelo baixista Rich Jones, que se uniu ao grupo em 2016. Chegando ao seu quarto álbum completo, o grupo tem em The Black Powder seu primeiro registro com esta formação. Conversamos com Gareth Millstead para compreender os caminhos seguidos pelo grande vigário finlandês nesta lúgubre jornada doom.

Você diria que este álbum tem conseguido as melhores respostas da jornada do Lord Vicar até aqui?

Gareth Millsted: Sim, com certeza, pois as resenhas em geral têm sido muito positivas. Temos recebido muitas mensagens dos fãs dizendo o quanto amaram este álbum e a maioria deles tem dito que é o melhor entre os nossos quatro álbuns. Na verdade, este também é o sentimento dentro da banda, acho que realmente alcançamos o nosso melhor resultado até aqui.

Sim, logo na primeira audição percebemos que este álbum é mais profundo que os anteriores.

Gareth: Eu acredito nisso também, acho que realmente conseguimos ir mais fundo com The Black Powder. O meu sentimento como compositor é de que eu e Kimi alcançamos nosso lado mais sombrio, e acho que isto reflete o que temos sentido nos últimos anos, então creio que ele é mais profundo porque é necessariamente mais sombrio, entende? Inicialmente foi difícil encontrar o direcionamento correto, mas conforme íamos avançando no processo criativo as coisas iam ficando mais claras para nós, então simplesmente fomos deixando fluir nesta direção.

Houve um momento em que perceberam que era a hora de compor esse álbum?

Gareth: Não especificamente, foi uma conjunção de fatores. Quer dizer, a maneira como trabalhamos tem muito a ver com os nossos compromissos pessoais, a disponibilidade de agenda, os compromissos familiares, é mais ou menos ‘vamos fazer as coisas no momento em que surgir um espaço para isso’. Então, logo que o álbum anterior foi lançado, em 2016 (N.R.: Gates of Flesh), Kimi apareceu com uma ideia e disse que gostaria de gravar um EP. A música em que ele estava trabalhando era Levitation e era uma ótima canção. Então ele comentou que tinha outra canção em que trabalhava, Sulphur, Charcoal and Saltpetre, mas ela simplesmente não aconteceu naquele momento, não se materializou. Pouco depois, percebemos que havia muito mais interesse na criação de um álbum completo do que em um EP, nenhum selo parecia interessado em um EP e um álbum era a maneira correta de seguirmos em frente. Foi neste momento que começamos a realmente juntar ideias, unir partes que eu tinha composto com aquelas que Kimi tinha guardado, e então a coisa finalmente começou a cristalizar.

The Black Powder, 2019

Nesta época vocês já trabalhavam com o título The Black Powder?

Gareth: Eu não lembro exatamente, mas acho que Kimi havia comentado algo sobre esse título no começo do processo… A questão é que é um ótimo título, na medida em que permite várias interpretações. The Black Powder tem essa espécie de conotação negativa, pode ser entendido literalmente como ‘pó preto’, como uma espécie de droga que tem destituído a humanidade de sua maneira de agir, alterando a sua psique ou algo do tipo. Veja, você pode entender esse título como um trocadilho com a cocaína, que é essencialmente um pó branco que tem dilacerado a humanidade há décadas, então aqui jogamos com o sentido negativo, letal e obscuro falando em um ‘pó preto’. Porém, olhando com uma visão mais técnica, você percebe que em toda a nossa longa história de guerras e conflitos armados existem muitas referências ao uso de armas de fogo e de munições pesadas, e daí a ‘pólvora negra’, que também ceifou milhares de vidas ao redor do mundo.

É verdade, a humanidade se tornou uma máquina de matar muito mais eficiente quando dominou o processo de fabricação da pólvora negra. Mas ela não foi usada apenas para abastecer canhões, também foi utilizada na fabricação de fogos de artifício. Existe aquele contraste do bem e do mal aqui.

Gareth: Exato, é neste ponto que eu queria chegar. Esse é o grande segredo da nossa vida neste mundo, eu não acho que qualquer coisa que alguém possa pensar ou criar é necessariamente boa ou má, pois podemos usar as palavras e os inventos para o bem ou para o mal. A pólvora negra pode ser usada na guerra ou nas comemorações, o negativo ou o positivo, é neste paradoxo que todos vivemos. Nada é tão claro e simples nas nossas vidas.

E isso se encaixa muito bem com o doom metal. Geralmente as pessoas pensam na morte ao ouvir doom, mas as letras em geral são sobre a vida.

Gareth: Sim, acho que você está certo. Em muitas bandas doom existe muita positividade, a questão é que às vezes você passa por situações complicadas na vida e a música é criada para acompanhar um determinado momento, seja ele sombrio ou não. Aceitar o problema é parte do caminho de cura, por assim dizer, e muitas bandas doom de fato apresentam uma visão esperançosa do dia de amanhã. Você não pode evitar um problema simplesmente evitando pensar sobre ele. Não existe luz sem escuridão.

Bem, o álbum começa com a música Sulphur, Charcoal and Saltpetre, que são os elementos básicos para a fabricação da pólvora negra (N.R.: enxofre, carvão e salitre). Apesar disso, a letra não vai por esse caminho, certo?

Gareth: Não, a verdade é que eu apenas vejo uma única referência direta a isso, que é em um trecho específico da música que fala sobre o suicídio de um garoto. A música fala na verdade sobre o abuso infantil, sobre a violência contra as crianças e ao que isso pode levar.

Logo em seguida temos sua primeira composição para esse álbum, Descent.

Gareth: Ela foi a última música que escrevemos para o disco. Basicamente Kimi e eu tivemos uma espécie de reunião aqui na minha cidade, Basel (SUI), para que finalmente terminássemos os arranjos da música. Eu lembro que estava ouvindo todas as composições que tínhamos para The Black Powder e senti que estava faltando algo, existia uma lacuna a ser preenchida. Foi quando lembrei que eu tinha essa peça composta, era originalmente apenas uma pequena peça acústica, e foi isso que mostrei para a banda. Eles gostaram, mas a questão é que, quanto mais eu ouvia aquela peça, mais convencido eu ficava de que ela precisava se tornar uma canção muito pesada, com guitarras distorcidas permeando os versos, e foi o que fiz. Engraçado que a música tomou um longo tempo para chegar na forma que você ouve no álbum, mas a letra foi quase instintiva, ela surgiu completa na minha cabeça muito rapidamente.

A letra é também bastante clara, não é tão metafórica.

Gareth: Sim, às vezes você precisa encontrar uma metáfora para conseguir expressar o que sente em plenitude, mas não foi esse o caso aqui. Para mim foi muito fácil escrever sobre isso, a letra fala sobre estar tão abalado com a depressão que ela basicamente te deixa paralisado, você simplesmente não consegue fazer nada. Eu já me senti muitas vezes assim. Outras pessoas na banda também já viveram essa experiência, então é algo que não demandou de mim um grande esforço para escrever.

E essa letra toca em um ponto importante. Você sabe, por aqui convivemos com muita pobreza e violência, a vida é realmente dura por aqui. Para nós às vezes pode ser tentador olhar para vocês e pensar naquilo que diz a música: ‘Por que você lamenta? / Você tem tudo o que precisa na vida.’

Gareth: Exatamente, você tocou num ponto importante aqui: todos os dias vemos muitas pessoas que parecem muito saudáveis, pessoas que têm tudo na vida, ao menos tudo de material que alguém pode querer. Você todas essas estrelas do rock e do cinema, pessoas que têm imenso sucesso e riqueza, mas isso nunca será um substituto para a paz da mente ou algum tipo de satisfação interna, então essas pessoas vivem tristes, infelizes. Por outro lado, já conheci muitas pessoas pobres, que literalmente precisam lutar diariamente pelas suas vidas e que parecem plenamente satisfeitas com isso, pois estão em paz. Eu sei que isso é meio clichê, mas ao longo dos anos eu já viajei para muitos países e vi isso de perto, então, não existe uma fórmula para a felicidade ou para a paz de espírito. Ter muitos bens materiais não é a solução, mas claro que é difícil ter paz quando sua vida é ameaçada, quando está com dificuldades financeiras, enfim… Esse é outro dos paradoxos que quisemos tocar nesse disco. Externamente você pode ter tudo aquilo que precisa para ser feliz, mas por dentro pode estar absolutamente devastado.

Para finalizar, o que pode nos dizer sobre a música A Second Chance?

Gareth: Essa música foi inspirada por um filme dos anos 20, não consigo lembrar o título original, mas em inglês é The Phantom Carriage (N.R.: Körkarlen, filme mudo sueco de 1921, um dos precursores da fantasia sombria; com direção de Victor Sjöström, ele é baseado na obra de mesmo nome da escritora sueca Selma Lagerlöf). Kimi me pediu para escrever uma letra baseada naquele filme, então foi isso que fiz. Porém, a história da música é diferente do roteiro do filme, já que aqui eu foquei mais na emoção dos personagens do que na história, do que na narrativa, por assim dizer. Basicamente, o personagem vive a sua vida de uma maneira não muito saudável e machuca muitas pessoas ao seu redor, especialmente a sua família. No fim da vida, ele tem uma chance de se redimir de tudo isso, mas essa chance não vem sem uma nota de desespero: a segunda chance pode ser a única chance.

Rich Jones, Kimi Kärki, Gareth Millsted e Chritus (à frente) – formação para o quarto álbum completo do Lord Vicar
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