Com o cancelamento da turnê sul-americana ao lado do Heathen, o Rio de Janeiro ficou com o privilégio de ser o único estado brasileiro a receber o Raven. E foi um privilégio para poucos. Enquanto uma fila quilométrica se fazia em frente à Fundição Progresso, a algumas centenas de metros do Teatro Odisseia, um público que não chegou a cem pessoas compareceu para prestigiar o trio inglês. E não dá para culpar a coincidência de data com o show de Slash e banda, afinal, os horários não bateria (e não bateram). Seria(e foi) possível sair tranquilamente de um e rumar para o outro. Enfim, azar de quem ficou em casa ou preferiu não arriscar, porque foi uma belíssima tarde de música de alta qualidade.
A começar pela Statik Majik. Thiago Velasquez (baixo e vocal), Leonardo Cintra (guitarra) e Luis “Carlinhos” Carlos (bateria) mandaram ver num set curto, porém avassalador, e concentrado basicamente em seu último álbum, o ótimo “Wrath Of Mind” (2013). A combinação de Doom com Stoner Metal ganhar cores especiais com as passagens mais aceleradas, caso de “God In The Mirror”, ou mesmo com toques contemporâneos de nomes como Black Label Society – impossível dissociar os harmônicos em “Between 4 Walls” ou o riff inicial de “Slaves Of Greed”, que por um breve momento remete a “All For You” – originalmente estaúltima é da demo “Be Magic!”, de 2003, três anos depois de o BLS ter lançado “Stronger Than Death”. De uma maneira ou de outra, valea menção especial a Cintra, que tomou para seu com competência – e sem perder as influências – os trabalhos de seus antecessores.
O refrão convidativo de “Drowning In Despair” e o groove de “Paradox Of Self-Existence” ressaltam o bom trabalho de Velasquez ao microfone a cozinha correta e afiada ao lado do batalhador Carlinhos, quem segura a peteca do Statik Majik em mais de uma década de estrada – de volta ao túnel do tempo, “Paradox Of Self-Existence” é outra das antigas, da demo “Utopia Sunrise” (2004). Única de “Stoned On Musik” (2010), “Shadows Of Hope” encaixou-se bem, mas aqui eu aciono a corneta particular: poderia ter dado lugar à faixa-título do CD de estreia. Para fechar, um cover de um nome óbvio para a Statik Majik. A escolha da banda é compreensível, e “War Pigs” foi bem executada e, claro, muito bem recebida, mas é possível pinçar algo menos óbvio do Black Sabbath. Nada, no entanto, que abalasse a estrutura de uma bela apresentação.
Se o aperitivo já foi mais do que suficiente para lamentar o pequeno público presente, o que dizer do que veio a seguir? John Gallagher (baixo e vocal), Mark Gallagher (guitarra) e Joe Hasselvander (banda) deram uma verdadeira aula de Heavy Metal em 80 minutos que valeram por 40 anos de história. E se não tocaram para milhares de pessoas como em março de 2014, quando abriram para o Metallica no Morumbi, trataram com o mesmo respeito aquelas dezenas de fãs no acanhado Teatro Odisseia. O retorno, então, foi sincero e emocionante, mesmo para quem, como este que vos escreve, não deu muita atenção ao grupo a partir dos anos 90. E minha autopenitência foi imediata. “Hard Ride”, “Live At The Inferno” e “All For One” foram de chorar! Que covardia começar com uma pérola de cada um dos três primeiros discos, as maravilhas “Rock Until You Drop” (1981), “Wiped Out” (1982) e “All For One” (1983). E que vergonha deparar-me com o tempo perdido ao ouvir ao vivo a primeira das duas músicas do novo álbum, o excelente “ExtermiNation” (2015). “Destroy All Monsters” trouxe à tona o quilate de quem tem os instrumentos fincados no alicerce da New Wave Of British Heavy Metal.
Alucinados, os irmãos Gallagher comandavam uma festa tão particular que era comum a todo instante ver fãs se abraçando, como se não acreditassem no que estavam presenciando – e lá trás, com um sorriso no rosto, Hasselvander se divertia enquanto espancava peles e pratos. Aconteceu aos primeiros acordes de “Rock Until You Drop” e “Stay Hard”, que trouxeram respeito e referência a “It’s Not What You Got”, a outra do trabalho que está saindo do forno. Um Hard Rock de primeira grandeza, com um daqueles refrãos de rara inspiração.
Em tempo: Mark merecia ser mais bem reconhecido, afinal, está no rol dos guitarristas que são uma usina de riffs, daqueles cuja mão direita vale ouro. E se John não chega a ser um baixista subestimado, apesar de suas grandes linhas brilharem menos do que deveriam, merece os holofotes à disposição. É um senhor ‘frontman’, além de um vocalista único com seus agudos. “Faster Than The Speed Of Light”, “Mind Over Metal” e “Fire Power” foram prova definitiva de todos esses predicados, e a dobradinha que encerrou a apresentação foi capaz de fazer até garçom bater pé e balançar a cabeça atrás do balcão. Porque os fãs se esgoelaram nos hinos “On And On” e “Break The Chains” – que contou com interseções de AC/DC (“Dog Eat Dog”), Black Sabbath (“Symptom Of The Universe”) e The Who (“Won’t Get Fooled Again”), num medley já tradicional. Mas não eram necessários clássicos de terceiros num dia já memorável, porque o Raven ajudou a escrever a história do Heavy Metal. E continua adicionando capítulos de agradável leitura. Ou melhor, de excelente audição.
Setlist Raven
1. Hard Ride
2. Live At The Inferno
3. All For One
4. Destroy All Monsters
5. Rock Until You Drop
6. Mark Gallagher Guitar Solo
7. Stay Hard
8. It’s Not What You Got
9. Faster Than The Speed Of Light
10. Mind Over Metal
11. Fire Power
12. On And On
13. John Gallagher Bass solo
14. Break The Chains
Setlist Statik Majik
1. God In The Mirror
2. Between 4 Walls
3. Drowning In Despair
4. Slaves Of Greed
5. Shadows Of Hope
6. Paradox Of Self-Existence
7. War Pigs