ROTTING CHRIST – SÃO PAULO (SP)

8 de fevereiro de 2025 – Carioca Club

Por Daniel Agapito

Fotos: Belmilson Santos

Todos nós conhecemos aquelas bandas que dizem ser internacionais, mas verdadeiramente, já podiam se naturalizar brasileiros: Tarja Turunen, Brujeria, Iron Maiden e Bruce Dickinson (cidadão curitibano honorário), Scorpions e o finado Paul Di’Anno, que até morou aqui. Os exemplos são numerosos. Nome já bastante conhecido no black metal, especialmente por seu som diferenciado em relação aos contemporâneos, os gregos do Rotting Christ têm chegado perto desse status nos últimos anos, somando 10 passagens por terras tupiniquins, sendo a última (antes dessa atual) há menos de um ano. Desta vez, viriam ao país promovendo seu novo álbum, o aclamado Pro Xristou, com mais 10 datas, incluindo grandes pontos da rota de shows que não foram considerados na última turnê – Curitiba e Rio de Janeiro – e cidades do Norte e Nordeste que geralmente são ignoradas pelas bandas gringas, como Belém, Manaus, Recife e Fortaleza.

Diferente de boa parte dos shows de rock e metal hoje em dia, os horários de abertura da casa e das bandas eram decentes, favoráveis para o uso de transporte público: portas às 17h, primeira banda às 18h e Rotting Christ no palco lá pelas 19h20. Nada daqueles shows com 6 bandas de abertura, terminando de madrugada. As produtoras de evento já deveriam anotar e fazer mais shows assim.

Para iniciar os serviços, foi escolhida uma das maiores bandas do metal extremo nacional, a Miasthenia, instituição do black metal brasiliense. Assim como os headliners, ficaram conhecidos por sua abordagem diferenciada do gênero, fazendo um pagan black metal único, abordando temáticas de povos pré-coloniais com um som cheio de camadas ricas, realmente um espetáculo.

Esta performance deles seria a primeira divulgando seu mais novo trabalho, o aclamado Espíritos Rupestres, lançado pela Mutilation no final do ano passado. Subindo no palco pontualmente às 18h, começaram sua performance com a poderosa Evocação, faixa que também dá início ao novo álbum. A casa ainda estava relativamente vazia, certamente por conta do horário, mas apesar daquela falta de energia do público característica dos shows de black metal, era claro que quem chegou cedo para prestigiar a abertura se impressionou, pois começaram com os dois pés na porta e não deixaram a peteca cair um segundo.

Hécate, a vocalista, disse que aquele seria um show bastante especial para a banda, pois tocariam 5 “capítulos” do novo álbum, e agradeceu profundamente a presença de todos os fãs. Deram sequência à apresentação com Bruxa Xamã, que leva o nome da protagonista da história de Espíritos e conta sua origem: nascida em meio à guerra dos bárbaros, levada e torturada pela inquisição, realmente um marco de resistência de seu povo.

Na ativa há mais de 30 anos, a banda é um dos nomes de metal extremo mais profissionais do Brasil, seja em relação aos seus trabalhos impecáveis em estúdio ou às performances redondas ao vivo. A qualidade do som estava praticamente perfeita para uma banda de abertura e a atitude deles no palco dispensa comentários, sempre agradecendo a todos, sempre inserindo alguns momentos breves de interação após cada música. Um destes veio logo após a faixa-título, quando Hécate falou do contexto da obra – a guerra dos bárbaros e a resistência tapuia – e perguntou se algum dos presentes havia estudado o assunto nos tempos de escola, relembrando que estes episódios acabam sendo partes negligenciadas de nossa história. Hécate é doutora e professora de História, então os shows do Miasthenia acabam sendo aulas, mas sem aquele clima chato e maçante.

Terminaram seu show impressionante com Tapuia Marcha, um hino em forma de black metal, e a absolutamente épica Transmutação, que além de vocais limpos inesperados, porém lindos, conta também com um solo estrondoso de Thormianak. Vale destacar a performance de Riti Santiago, baterista que substituiu Lith, que gravou o álbum, e segurou o cargo especialmente bem. O único “a” que dá para reclamar deste show é que foi curto demais. Podiam ter tido tempo para ao menos executarem o álbum na íntegra, já que ele é praticamente conceitual por natureza, e vale muito ser escutado de cabo a rabo. Por serem das terras distantes de Brasília e fazerem poucos shows por ano, não dá para saber exatamente quando a Bruxa Xamã voltará às terras paulistas, mas pode ter certeza de que darão aulas de metal extremo por onde quer que passem.

Quase uma hora após a primeira banda descer do palco e ao som de uma introdução épica, os gregos mais brasileiros do mundo do Rotting Christ assumiram o Carioca Clube, e com um “um, dois, três, quatro” à lá Derrick Green, se jogaram de cabeça em Aealo. Estava falando com um colega antes do show começar e ele disse algo que mudou minha percepção da banda ali em diante: “O que o power metal fez com o heavy, o Rotting Christ faz com o black metal. São black metal espadinha.” Essa abordagem mais power metal ficou evidente logo de cara. Sakis Tolis, o vocalista, puxava palmas do público, fazia aquela conhecida sequência de “hey, hey, hey” e o som deles no geral não transmitia aquele frio, aquela sensação de morte do black metal norueguês, mas sim algo mais motivador e grandioso; não era um som para se matar e apodrecer em uma caverna, mas algo para matar os outros de maneira brutal em uma grande e sangrenta batalha pela destruição do mundo.

Deram sequência com a primeira faixa de Pro Xristou da noite, Pretty World, Pretty Dies, que, para uma música nova, conseguiu gerar uma reação um tanto estrondosa. Mantendo a alternância entre faixas de Aealo e Pro Xristou, jogaram a energia do povo lá em cima com a estranhamente motivadora Demonon Vrosis, em que Sakis conseguiu até ocasionar as famosas palminhas no ar dos fãs. Pode soar bastante estranho para um show de black metal, mas a iluminação estava incrivelmente bem feita. Não só dava para ver todos os integrantes da banda claramente, como as luzes seguiam perfeitamente as mudanças de ritmo do baterista. A cada marretada na caixa, ou a cada “hey, hey, hey” que o vocalista puxava, as luzes mudavam. O técnico de luz era praticamente um quinto integrante da banda.

Voltando para um black metal mais tradicional, seguiram com Kata Ton Daimona Eaytoy, que, com sua letra em grego repetida como se fosse um grito de batalha de algum povo antigo, faze você se sentir como se estivesse defendendo o submundo em nome de Hades. A essa altura, o público já estava completamente envolvido, e embora não houvesse rodas, moshs, stagedives e gente saindo na mão, o bate-cabeça e as mãos de fogo (e outros gestos “black metálicos”) já eram comuns quando começou Like Father, Like Son, segunda (e última) música do novo álbum que seria tocada naquela noite. Tolis e companhia demonstraram estar em casa, tocando claramente soltos, descontraídos e constantemente agradecendo os fãs, às vezes inserindo algumas palavras em português (muito bem pronunciadas, por sinal) no meio das frases.

Nesta mesma linha sonora, veio Elthe Kyrie, única representante do álbum Rituals, que em sua versão gravada traz uma abordagem que beira uma grandiosidade teatral e gritos desesperados da atriz grega Danai Katsameni, e mesmo com o minimalismo involuntário de sua execução ao vivo, manteve o peso. Uma música que sofreu algumas alterações no show foi King of a Stellar War, de seu terceiro álbum de mesmo nome, que já conta com alguns flertes com um som mais heavy metal, e foi completamente para esse lado, mas sem perder o peso. Com um pouco de incentivo do vocalista, os fãs até fizeram um daqueles coros bem Iron Maiden, aquele “ooooo, ooooo, ooooo” que certamente não é a primeira coisa que vem à cabeça quando pensamos no Rotting Christ e em seus fãs.

Na próxima música, foi convidado um amigo da banda e uma das maiores figuras do gênero aqui no Brasil, Armando Beelzeebubth, guitarrista do Mystifier. Com os gregos, assumiu as quatro cordas, algo que já fez nos primeiros anos de sua banda, e juntos tocaram Sign of Evil Existence, faixa que também já contou com o talento de Nergal (Behemoth) no baixo em outros shows. Emendando uma música de peso com outra, veio Non Serviam, título do segundo álbum e marca registrada dos shows, sendo a faixa que mais fez parte do repertório do Rotting Christ. Passando para outros projetos do ‘rottingverso’, foi contemplada Societas Satanas, que originalmente é de Thou Art Lord, projeto de Sakis Tolis com George Zacharopoulos, que outrora integrou o Rotting Christ como tecladista. Foi daí para a frente que o ânimo do público realmente se tornou algo incontrolável. Neste último bloco do show, havia até uma ideia de roda, com alguns gatos pingados andando em círculos com seus chifres ao ar no meio da pista.

Depois das luzes do palco se apagarem e uma música sinistra passar pelo PA, veio a trinca que fecharia a performance: In Yumen-Xibalba, Grandis Spiritus Diavolos e The Raven. A primeira foi aquele black metal pé na porta, bem porrada e sem muita “invenção de moda”, contando com backing vocals poderosos de Kostas Spades e Kostis Foukarakis. Grandis Spiritus Diavolos teve seu refrão ecoado a plenos pulmões pelos fãs, enquanto The Raven demonstrou perfeitamente a versatilidade sonora da banda, começando como mais uma faixa de metal extremo, mas caindo na grandiosidade e nas melodias do metal espadinha na parte final.

Com aqueles que estavam presentes absolutamente desesperados por mais uma música, o quarteto saiu do palco e ficou fora por alguns minutos. Não foi aquele bis “vou sair aqui para beber uma água rapidão e já volto”, deu tempo de beber uma água e até lavar o rosto. Sakis se aproximou da ponta do palco e perguntou “mais uma?” Recebido calorosamente, voltaram com Noctis Era, que desta vez realmente fecharia a noite. Passados os agradecimentos finais, palhetas jogadas etc., muitos permaneceram na casa, pois a banda prometeu fazer um meet & greet completamente gratuito – outra atitude que deveria ser comum na música ao vivo – e foi conversar com os espectadores na parte de fora do Carioca.

Em um ano que contará com diversas apresentações do estilo, o Rotting Christ foi a primeira banda internacional do tamanho deles a pousar em terras latinas, e mostrou exatamente porque é uma das mais adoradas do estilo. Não só fizeram um show curto, mas objetivo, com um setlist muito bem escolhido (faltaram algumas do disco novo, mas fora isso, mais nada) e qualidade de som com poucas reclamações a serem feitas (o microfone de Sakis estava bem baixo, mas intencionalmente, ele estava doente), como também esbanjam carisma. Em relação ao Miasthenia, realmente fica difícil fazer jus ao seu trabalho com poucas palavras, mas já são um dos maiores nomes do metal extremo nacional, e com Espíritos Rupestres, devem alçar voos mais altos ainda. Quem não foi perdeu um show de qualidade. Porém, conhecendo a banda, não deve demorar muito para voltarem.

Setlist Miasthenia:

Evocação

Bruxa Xamã

Espíritos Rupestres

Tapuia Marcha

Transmutação

 

Setlist Rotting Christ:

Aealo

Pretty World, Pretty Dies

Demonon Vrosis

Kata Ton Daimona Eaytoy

Like Father, Like Son

Elthe Kyrie

King of a Stellar War

The Sign of Evil Existence (com Armando, do Mystifier)

Non Serviam

Societas Satanas

In Yumen-Xibalba 

Grandis Spiritus Diavolos

The Raven

 

Bis

Noctis Era

 

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