Por Claudio Borges
Fotos: Alexandre Cavalcanti
A estreia do Rio Montreux Jazz Festival – primeira edição fora da Suíça, seu país de origem – não poderia ser melhor para os amantes da guitarra: Steve Vai foi o escolhido para encerrar a primeira noite, que também contou com Al Di Meola. Introduzido por um curto vídeo, o guitarrista deu a largada com “Racing the World” e, sem pit stop, emendou em “Velorum”, música que não tocava ao vivo havia quase quatro anos. O ritmo acelerado e o impacto de músicas menos sinuosas causaram empolgação em quem esperou pelo show iniciado às 23h40 de uma outonal quinta-feira.
Vai é a perfeita junção de técnica fora do comum com magnetismo animal, o que cria um forte elo com sua audiência. Cada gesto e expressão ampliam suas emoções, traduzidas em notas musicais, uma vez que a guitarra age mais como um membro do seu esguio corpo. “The Animal”, a primeira do clássico “Passion and Warfare” (1990), exemplificou tal simbiose ao abrir espaço para “conversas” musicais entre o maestro e sua afiada banda – formada pelos fiéis escudeiros Dave Weiner (guitarra e teclado), Philip Bynoe (baixo) e Jeremy Colson (bateria). Cada detalhe é preciso, e nenhuma nota é desperdiçada. Weiner dobra alguns solos e fornece o colorido necessário para os voos do chefe, enquanto Bynoe segura o ritmo desenhando andamentos robustos para Colson, com sua pegada forte, cimentar as composições e até brincar quando solicitado a “conversar” com a guitarra.
Em sua primeira intervenção ao microfone, o guitarrista mostrou-se lisonjeado por fazer parte do festival. Lê um cartaz bem a sua frente com os dizeres “Feliz aniversário, Mr. Steve. Deus te abençoe. Você pode me dar uma palheta?” e, ato contínuo, fez o artefato voar em direção ao felizardo. E ele prossegue: “Sim, é meu aniversário! Faço 59 anos e costumava pensar que isso é tão velho e nada sexy, mas querem saber? Estou bem pra cacete!”. Gritos e aplausos se sobrepõem à base mantida pelos músicos, e ele continua a falar e falar. Faz piada com exame de próstata, apresenta a banda e pede para que todos gritem “You rock, John!” enquanto liga para o guitarrista do Dream Theater, John Petrucci, que estava na Holanda recebendo um prêmio. Ligação feita, enaltece o amigo e rege o público, que o atende a plenos pulmões.
Sua simpatia é tanta que os mais de cinco minutos de fala parecem voar até, finalmente, começar a belíssima “Tender Surrender”, com seus maneirismos à la Hendrix. A emoção brotou pela primeira vez. Na era onde virtuosismo, isso pode ser considerado ultrapassado, mas Vai domina o palco como poucos e consegue segurar a atenção de um exigente público, no qual músicos e aspirantes a guitarrista cantam as melodias e fazem “air guitar”. A quase suingada “Answers” trouxe a primeira interação com vídeo pré-gravado e um cômico Joe Satriani duelando virtualmente com seu ex-aluno. Utilizado pela primeira vez quando Vai excursionou em comemoração ao vigésimo quinto aniversário de “Passion and Warfare”, o vídeo – o mesmo utilizado quando da sua última passagem pela cidade, há dois anos – recebeu uma atualização brincalhona: “Hey, Joe! ‘Passion and Warfare’ está quase completando 30 anos. Se não fosse por você, não haveria esse álbum”.
Ao contrário de Satriani, Vai possui performance desenvolta, utilizando o palco por completo para extrair exatamente todo e qualquer som almejado. Sua genialidade é abrilhantada pela simpatia e carisma ímpares no mundo das seis (ou sete) cordas, onde os egos dominam, e problemas de relacionamento sobram. Sem troca de roupas, guitarra de três braços ou explosões de papel picado, o show transcorreu focado nas composições muito bem escolhidas. Se em “Yankee Rose” – de “Eat ‘Em and Smile” (1986), primeiro álbum solo de David Lee Roth – ele promoveu um diálogo da guitarra com o então ex-vocalista do Van Halen, na emotiva “Whispering a Prayer” o instrumento foi utilizado para um jogo de chamada e resposta como o saudoso Freddie Mercury costumava fazer.
A “satrianesca” “Crying Machine” confirmou que a escolha de um repertório mais melódico e direto, sem as composições mais tortas, foi certeira e deixou a apresentação mais animada. E com direito a um belo duelo entre Vai e Weiner. “Audience is Listening” acelerou o ritmo e trouxe outra interação com vídeo pré-gravado, desta vez com o anteriormente homenageado John Petrucci. Mas nem só de participações virtuais foi feito o show: Andreas Kisser, escalado para a segunda noite do festival, surgiu para uma jam em “The Murder”. A troca de solos funcionou bem, e o guitarrista do Sepultura saiu ovacionado do palco.
Uma discreta “Liberty” antecedeu o momento pelo qual muitos esperavam: “For the Love of God”. Tocado com paixão, o hino foi recebido com muita emoção. E poderia ter sido o fim apoteótico do espetáculo, mas ainda houve tempo para um bis com “Taurus Bulba”, a parte IV da suíte de “Fire Garden”. E como era dia de aniversário, nada mais merecido que uma festa no palco, com direito a bolo e “parabéns para você”, em inglês, puxado pelo filho mais novo do guitarrista, Fire. Um merecido ‘grand finale’. Um show de Steve Vai responde à pergunta que muitos podem fazer: show de guitarrista virtuoso é chato? Outros podem ser, mas Vai tem o poder e o dom de cativar com cada nota de sua Ibanez em perfeita harmonia com sua simpatia. Se a guitarra “fala”, “sorri” ou simplesmente se cala, está tudo dentro da linguagem desenvolvida e aprimorada pelo mestre da guitarra moderna. Parabéns, Steve!
Setlist
1. Racing the World
2. Velorum
3. The Animal
4. Tender Surrender
5. Answers
6. Whispering a Prayer
7. The Crying Machine
8. The Audience is Listening
9. Sisters
10. The Murder
11. Liberty
12. For the Love of God
13. Fire Garden Suite IV – Taurus Bulba