O trabalho do grupo sueco Therion não se resume somente a boa música, já que também traz todo um plano conceitual filosófico e ocultista. Assim, sua temática é sobre ocultismo em geral e Magia Draconiana em particular, especificamente no que diz respeito à Ordem Dragon Rouge, da qual fazem parte Christofer Johnsson – criador da banda – e Thomas Karlsson – fundador da Dragon Rouge e letrista do Therion.
Neste pequeno artigo vamos buscar desvendar um pouco do que envolve o álbum Sitra Ahra e pincelar levemente outras referências que aparecem em alguns dos discos anteriores.
O álbum abre com a faixa título (o foco desta matéria), que fala sobre o outro mundo, o “Outro Lado”, ou seja, Sitra Ahra (em hebraico). Mas esse Outro Lado não é simplesmente o Além, o mundo dos espíritos dos mortos, mas sim um universo primordial que antecede a existência do universo conhecido, representado pela Árvore da Vida cabalística ou Árvore Sephirótica (aquele conhecido diagrama cabalístico com dez círculos “visíveis” e um “invisível” e suas interligações). Por outro lado, Sitra Ahra tem sua representação na Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, chamada de Árvore Qliphótica (há uma referência a essa árvore também na música Lepaca Kliffoth, do álbum homônimo). É essa Árvore do Conhecimento que é mencionada na letra da música e cujo diagrama com onze círculos qliphóticos e uma concha na extremidade aparece na capa de Sitra Ahra.
Considerando-se a temática “theriônica”, o leitor já deve ter percebido que Sitra Ahra é um mundo sinistro… Mas não necessariamente maléfico, como se poderia imaginar. Sitra Ahra, o “Outro Lado”, o “Lado Sinistro”, é o Reino das Trevas que precedem a Luz da Criação, é o Reino de Lilith, citada na letra da música como a “Rainha das Qelipot”, sendo o mundo dos poderes femininos que criam, que gestam a vida na escuridão; é o útero de toda multiplicidade do universo manifestado, a fonte de toda a existência.
Em Sitra Ahra, a “deusa” Lilith, o lado noturno ou sinistro da eterna Sofia (outros nomes correspondentes são Shekinah, Shakti, Vênus e Diana, também mencionados ao longo das obras do Therion) se une à Luz de seu filho e esposo Lúcifer por meio do fruto proibido (fruto também mencionado na letra da música) para criar e para expandir a vida múltipla em todos os planos de existência. Sitra Ahra é, portanto, o plano primevo, o caos primordial (o “pandemônio” citado na letra) que precede todos os outros planos do universo (esses planos são representados pelos círculos da Árvore da Vida pós-Sitra Ahra e pela estrela de onze pontas que também aparece em todos os álbuns do Therion desde o Theli).
Em nível humano, Sitra Ahra é reino do subconsciente no qual a sabedoria secreta (Sofia etc.) vem à consciência do indivíduo que atingiu a iluminação do Eu Superior (Daemon, ou Lúcifer, referido na música Emerald Crown, do álbum Deggial). Isso é mencionado na letra de Sitra Ahra como os “segredos revelados”. Essa iluminação só é possível com a “entrada” do “Ungido” no mundo de Sitra Ahra para “resgatar” a sabedoria lá oculta nas trevas, no “Lado Noturno do Paraíso” (conforme a letra também nos diz). Quer dizer, quando Lúcifer resgata sua esposa Lilith (Diana, Sofia, Shekinah etc.) lá no “Outro Lado”, em Sitra Ahra.
Mas o que é ser “ungido”, no contexto da Magia Draconiana que permeia o Therion? “Ungido” é todo aquele que desperta o Dragão-Serpente de Sabedoria, Leviathan, Kundalini, Theli, este último também referido no álbum de mesmo nome. Esse Dragão serpentino é a energia psicossexual que sobe até a cabeça e ilumina com Sabedoria a consciência, despertando o Logos Draconiano (a “voz da serpente”, conforme nos diz novamente a letra de Sitra Ahra). A unção serpentina e draconiana então purifica o corpo de Adam Belial, ou seja, o corpo do ser humano encarnado se transforma física e fisiologicamente. Assim, o indivíduo se transforma no iniciado, torna-se Ophis-Christos, Nachash-Messiah, ou, em outras palavras, “Serpente Ungida” – do grego/hebraico ophis/nachash (“serpente”) e christos/messiah (“ungido”). A Serpente Ungida é, portanto, o Dragão (Vovin, em língua enochiana, novamente referido em outro álbum do Therion). O iniciado então se converte no filho e amante de Sofia-Lilith, o verdadeiro Filósofo, Amante da Sabedoria (a Perennial Sophia do álbum Gothic Kabbalah).
Pelo que precede, o leitor pode supor então que Sitra Ahra é também o reino da Besta (To Mega Therion, outra música da banda), filho e consorte de Sofia. É a Besta iniciadora, o Dragão mestre dos Mistérios das Trevas, Trevas onde a Sabedoria está oculta. Em Sitra Ahra o conhecimento “proibido” e inacessível (o “fruto proibido” da música Sitra Ahra) pode ser buscado e é onde a Árvore do Conhecimento cresce. Simbolicamente, é essa árvore do Éden que possui os onze frutos pertencentes a cada um dos Reis de Edom (outra música do álbum Sitra Ahra), os reis que governam cada uma das qliphoth de Sitra Ahra sob o poder de Shekinah, ou Sofia, a Sabedoria da Serpente do Éden, ou o Dragão-Serpente Lúcifer-Vênus (Abzu-Tiamat, Samael-Lilith). Nesse ponto, é facilmente notável a aproximação linguística entre Eden e Edom, e entre os onze frutos da Árvore do Paraíso e os onze reis de Sitra Ahra, o mundo da Magia Draconiana (cujo número também é 11).
A esta altura, o leitor já pode ter tido um breve vislumbre de toda a temática abordada nas letras do Therion, que para muitos são obscuras, incompreensíveis e misteriosas… Mas saiba que a luz não é o bem absoluto e nem as trevas são o mal absoluto; essa dicotomia absurda não existe na “vida prática” da natureza e do universo. A luz somente pode ser perceptível sobre o fundo negro das trevas essenciais das quais surge a própria luz como manifestação do universo visível e da vida multifacetada em tons gradativos de luz e escuridão. E, como uma moeda, um lado não pode existir sem o “outro lado” (Sitra Ahra)…
Up the Therions!
Adriano Camargo Monteiro: escritor de Filosofia Oculta e de simbologia e mitologia comparadas, membro de diversas Ordens e um sincero apreciador de Heavy/Rock.
Contatos com o autor: sitraahra11@gmail.com