Quase dois anos após o sucesso inquestionável de “Lotus” (2019), o Soen está de volta para nos apresentar seu mais novo trabalho, o qual tem um nome bem sugestivo: “Imperial”.
Na verdade, ele é mais assertivo do que sugestivo. O grupo, que atualmente é um dos maiores expoentes do metal progressivo, construiu uma identidade musical (ou império, se preferir) baseada em dois fatores muito claros: a luta contra injustiças sociais (“Tabula Rasa” e “Antagonist” não me deixam mentir); e o talento individual de seus membros, o que resultou em um som complexo, progressivo e melancólico.
A busca pela singularidade rendeu bons frutos, pois agora a crítica não perde mais tempo fazendo comparações com o Tool, fato que era muito frequente à época do debut “Cognitive” (2009). Além disso, a banda não é mais vista como “aquela do ex baterista do Opeth” ou “aquela que contou com Steve DiGiorgio no primeiro álbum”.
Analisando o histórico do grupo, é possível perceber que “Imperial”, o quinto álbum da discografia, é reflexo da orientação musical seguida a partir de “Lykaia” (2017). Desde então, a banda conseguiu se desgarrar de vez das rotulações e comparações para ter liberdade de criar um som próprio que é pesado, e ao mesmo tempo, muito melodioso e acessível, especialmente nos refrões encorpados com o vocal grave de Joel Ekelöf.
O sucessor, “Lotus” (2019), deu indícios de ser imbatível, porém, não há nada melhor do que uma banda disposta a se superar em cada lançamento.
A bela capa de “Imperial” segue o “passeio no zoológico” guiado pelo grupo sueco e agora conta com uma cobra em tons metálicos, lembrando que as artes gráficas anteriores mostraram um curioso rinoceronte (“Tellurian” – 2014) e um lobo (“Lykaia”). Só que desta vez a banda optou por um conceito mais simplista, o fundo totalmente preto ajuda a dar o tom do trabalho: temas mais pessimistas sobre as relações humanas, como em “Modesty” e “Deceiver”, e um som bem mais pesado em relação aos outros álbuns.
Muito desse peso vem da bateria de Martin Lopez, que tomou os holofotes e apresentou, sem a menor sombra de dúvida, a sua melhor performance desde as gravações de “Ghost Reveries” (2005), época que ainda integrava o Opeth. Lopez não poupou esforço no pedal duplo (“Lumerian”; Monarch”, e “Antagonist”) e ajudou a estabelecer uma característica que a banda vem apresentando desde o álbum anterior, que é conduzir a música de uma passagem intrincada para uma ponte suave antes do refrão.
Para entender melhor, ouça a primeira parte de “Monarch” e você entenderá o que estou dizendo. Na verdade, sugiro que você escute esta música até o fim, pois seu ritmo cadenciado, que evoca um clima de guerra, é uma das melhores faixas do disco. Seu final é emocionante e pela primeira vez o Soen incorporou em sua música uma tímida passagem de violino, fato que também se repetiu em “Modesty” e “Fortune”.
Isso mostra que aos poucos a banda vai moldando seu próprio som para experimentar novas possiblidades, dentre elas, uma maior utilização dos teclados a cargo de Lars Åhlund. É nítido que ele vem ganhando cada vez mais espaço, especialmente nos serenos interlúdios de faixas como “Lumerian” e “Antagonist”, momento em que o instrumento dá o tom melancólico da canção.
Um dos grandes destaques deste álbum é o trabalho de Joel Ekelöf nos vocais. É impressionante sua performance e amadurecimento, especialmente em relação aos dois primeiros trabalhos do Soen. Se antes sua voz apresentava um timbre mais suave que acabava por não acompanhar o peso da canção, agora ele mostra uma nova faceta ao cantar com muito mais vontade e, especialmente, raiva. Transparecer esse sentimento em sua voz foi uma verdadeira surpresa e ajudou a dar ainda mais intensidade às músicas. Faixas como “Lumerian” (com um grito rasgado impressionante) e “Antagonist” mostraram que essa nova técnica se encaixou muito bem ao som da banda.
Ainda, a técnica vocal no refrão de “Modesty” o ajudou a atingir gradativamente notas mais graves sem perder o fôlego. Quem diria que esse é o mesmo Joel Ekelöf que cantou com tanta suavidade em “Kuraman” e “Lucidity”. Se no álbum anterior ele surpreendeu a crítica e os fãs ao cantar em falsete (“Martyrs”), agora ele optou por uma abordagem mais furiosa. Já que estamos falando em explorar novos territórios, um gutural no próximo álbum não seria má ideia…
“Imperial” confirmou a escolha acertada da banda em apostar no canadense Cody Ford para substituir Marcus Jidell, pois ele é um guitarrista muito técnico, mas que, sempre que possível, traz toques mais simples e clássicos em seus solos, como se pode ouvir nas faixas mais calmas do álbum, “Illusion” e “Fortune”.
Um contraponto neste trabalho é que há muitas referências ao álbum passado, como os interlúdios de teclado, e a forte semelhança entre o ritmo de “Illusion” e “Lotus”, sem contar que o começo de “Deceiver” também lembra o começo de “Martyrs”. Neste último caso, é interessante notar que isso também aconteceu com as faixas “Opponent” (“Lotus” – 2019) e “Sectarian” (“Lykaia” – 2017).
Mas não faz mal, pois os pontos positivos se sobressaem com facilidade, seja em razão da técnica afinada dos integrantes e do peso das canções (o timbre da guitarra no início de “Lumerian” parece vir do Gojira), seja pelo empenho do grupo em trazer muita melodia e emoção aos refrões.
A ousadia da banda em explorar outros ritmos culminou em “Deceiver”, faixa com uma forte orientação pop do Soen. Posso dizer com tranquilidade que aqui temos um dos melhores, senão o melhor, refrão de “Imperial”. Eu não me impressionaria se algum dia Papa Emeritus IV e seus Nameless Ghouls resolvessem gravar um cover dessa música.
Já caminhando para o fim deste texto, eu quero ressaltar duas músicas ao leitor. Coincidência ou não, estão entre os maiores destaques de “Imperial”.
A primeira delas é “Antagonist”, não apenas por ser o primeiro single e mostrar lutas sociais (na mesma linha de “Martyrs”), mas também por representar o cartão de visita do novo baixista do grupo, o ucraniano Oleksii ‘Zlatoyar’ Kobel.
O Soen desde seu início foi servido por ótimos baixistas, como Steve DiGiorgio e Stefan Stenberg, portanto, Zlatoyar entrou no grupo sabendo de sua responsabilidade, que felizmente foi assumida com muita maestria pelo novo integrante. Seu trabalho foi fenomenal e o baixo deu muita dinâmica e profundidade à canção. Fique tranquilo, o posto de baixista continua muito bem representado.
A segunda e não menos importante, “Illusion”, é a típica canção que está obrigatoriamente presente em todo lançamento do Soen: mais calma e emotiva. Nesse quesito, trata-se da melhor música que a banda já escreveu ao longo de seus cinco álbuns, superando outras de alto nível como “Last Light”, “The Words”, “Lucidity” e até mesmo as ótimas “River” e “Lotus”. Não é exagero, ouça e tire suas próprias conclusões.
O período de rótulos e comparações ficou no passado, e hoje o Soen ocupa facilmente o posto de uma das melhores bandas de metal progressivo da atualidade.
“Imperial” potencializa a boa fase do grupo e é muito mais do que uma evolução natural do trabalho até então feito, pois desta vez foi estabelecido um novo padrão de qualidade a ser atingido.
A disputa pelo melhor disco do ano já tem um forte candidato, e desbancar esse império sueco não será nada fácil.