THE MISSION | GENE LOVES JEZEBEL – Rio de Janeiro (RJ)

Por Claudio Borges
Fotos: Alexandre Cavalcanti

Em noite de rock semigótico, o The Mission mostrou por que é uma banda melhor sobre o palco, onde soube dosar hits com seu lado mais obscuro. A banda dos ex-The Sisters of Mercy Wayne Hussey e Craig Adams, com o também membro original Simon Hinkler, mostrou intensidade sem sentir o peso da idade, em cerca de duas horas de show.

A abertura ficou por conta de uma das versões do Gene Loves Jezebel. Originalmente formado pelos gêmeos Michael e Jay Aston, o grupo se dividiu, no fim da década de 1990, em duas versões, com cada irmão a confundir os fãs ao utilizarem o mesmo nome. Nada de Inc, Ritual ou coisas do tipo: Jay lançou álbuns melhores (“Kiss of Life”, de 1990, e “Heavenly Bodies”, 1993) e manteve dois integrantes da formação de maior sucesso: Peter Rizzo (baixo) e James Stevenson (guitarras, ex-Chelsea, The Cult e The Alarm).

Michael Aston (Gene Loves Jezebel)

Porém, foi Michael que, pela terceira vez após o fim da parceria com o irmão, se apresentou no Rio. E parecendo um filho bastardo do K.K. Downing com Xuxa Meneghel, ele liderou seus três músicos com um ar de decadência rock’n’roll. “Heartache” foi um bom cartão de visitas, mas que ficou perdido no meio de um show nitidamente pouco ensaiado.

Apoiado em seu carisma, Michael encarnou sua porção Xuxa e brincou com a plateia, ensaiou coros e na derradeira “Desire”, seu maior hit, foi até o fosso que separa público do palco e interagiu tête-à-tête com quem estava colado à grade. Destaque para as ótimas “Bruises”, “Twenty Killer Hurts” e “Gorgeous”. Tivesse escolhido um set melhor (um erro deixar “The Motion of Love” fora) e ensaiado mais, poderia ter animado o público com música.

Michael Aston (Gene Loves Jezebel)

Fazia oito anos desde a última apresentação do The Mission na cidade. Naquela ocasião, tocando para uma audiência bem menor e prejudicada por vários problemas técnicos, a banda fez um show apenas correto. Desta vez, foi diferente.

Mesmo com a abertura teve e descontraída do Gene Loves Jezevel, havia um clima tenso no ar. Em um país marcado pela polarização, coros em prol de um candidato foram vaiados, e parecia que o acirramento político havia saído dos comícios e adentrado a pista da Sacadura 154. A tarefa de entreter, em meio a crescente e palpável animosidade política, não parecia ser fácil.

Mas a banda não sentiu o clima e, com a experiência acumulada em 36 anos de estrada, dissipou a tensão atacando com a triunfante “Beyond the Pale”. Melódica e de refrão potente, ela deu início a uma bem balanceada alternância de andamentos e climas, deixando a estupenda performance dos quatro manter a unidade.

The Mission

Com um invejável currículo dentro do pós-punk britânico, Craig Adams (The Sisters of Mercy, The Cult, The Alarm, Theatre of Hate, Spear of Destiny) é um dos baixistas mais criativos da sua geração. É o seu baixo que sinaliza e entrega a ótima cover de “Tomorrow Never Knows”, dos Beatles, que injetou tintas psicodélicas à apresentação e, depois, se transformou na monocromia impactante de “Into the Blue”.

Começando a alternância, a climática “Within the Deepest Darkness (Fearful)” foi anunciada como “música nova”, mesmo sendo do último álbum de estúdio, “Another Fall From Grace” (2016). A junção de ritmo mais lento e clima um tanto misterioso acabou por diminuir o júbilo do público, que ficou assistindo em respeito. Se é verdade que a calmaria precede uma tempestade, esta veio com as clássicas “Garden of Delight” e “Severina”, a primeira a provocar uma reação mais acalorada. Provocou, também, uma enxurrada de celulares para o alto em prol da gravação de vídeos a serem esquecidos.

Craig Adams (The Mission)

Esse jogo de luz e sombras musicais, já que a iluminação era bem vibrante e acalorada, acabou por exercer uma espécie de torpor naqueles não muito afeitos ao repertório da banda. Não ajudou a opção pela cadenciada e sensual “Afterglow” (inédita, da coletânea “Sum and Substance”, e  regravada para o pouquíssimo conhecido “Neverland”) e “The Grip of Disease” (lado B reunido na compilação de sobras “Grains of Sand”), que fizeram a alegria apenas dos ‘connoisseurs’.

Wayne Hussey mora em São Paulo há cerca de 20 anos, mas ainda não parece familiarizado com a língua pátria. Quando se dirige ao público, o faz com um “zuzo beim” típico de quem acaba de chegar ao Brasil. Mas quando o idioma é o musical, ele e Simon Hinkler formam uma excelente dupla de guitarras de estilos distintos e complementares.

Wayne Hussey (The Mission)

Simon e sua indefectível Zemaitis – a mesma usada no longínquo 1988, num antológico show no saudoso Canecão – e Wayne com sua Aria de 12 cordas – dos tempos do The Sisters of Mercy – criam universos sonoros bem particulares e belas melodias, como a ingenuidade pop de “Like a Child Again” e da belíssima “Butterfly on a Wheel”. A dupla enredou os românticos de plantão e elevou o volume da cantoria, introduzindo alguma leveza em meio a, por ora, esquecida tensão.

Tensão não mais existente no novato Alex Baum (Theatre of Hate e Feather Trade). Junto ao trio original desde março de 2022, o baterista está totalmente integrado ao The Mission. Com personalidade, vigor e técnica, ele imprimiu intensidade a uma primorosa versão das clássicas “Wasteland” – com direito a citações de “Hello I Love” (The Doors) e “Rock and Roll” (Led Zeppelin) – e “Deliverance”, na qual Wayne finaliza a primeira parte da apresentação entoando sozinho os versos “Brother, sister, give me, give me deliverance, deliver me” (“Irmão, irmã, dê-me, dê-me libertação, livre-me”).

Simon Hinkler (The Mission)

Rápido intervalo e chega o primeiro bis com mais preciosidades. Escondida no fabuloso “God´s Own Medicine” (1986), a climática e envolvente “Dance on Glass” não merecia ser atrapalhada por uma altercação ocorrida junto à grade, que culminou em agressão e chamou a atenção de Wayne. Com a pessoa ejetada pelos seguranças, os fãs mais fiéis receberam outro presente com “Like a Hurricane” (Neil Young) – trocada na hora, pois no setlist constava “Evangeline”. Para fechar, “The Crystal Ocean” levantou o clima com sua batida mais acelerada e as guitarras personalíssimas da dupla Hussey e Hinkler.

Seja por saber que ainda haveria um retorno ou para evitar um clima tenso, a plateia permaneceu silenciosa. Foi necessário um membro da equipe técnica incentivar os pedidos de retorno. Como se fosse necessário esse clamor, a banda voltou com mais uma alteração no setlist: entra “Belief”, sai “Tiranny of Secrets”. A climática e eloquente faixa de “Carved in Sand” (1990), que foi apresentada ainda em estágio prematuro no já mencionado show do Canecão, fez a ligação necessária para apoteose grandiloquente de “Tower of Strength”.

Alex Baum (The Mission)

A canção registrada no emblemático “Children” (1988) encerrou o show com Wayne ajoelhado, à beira do palco, cantando versos de “You’ll Never Walk Alone” (Gerry and the Pacemakers) – a música virou hino do seu clube do coração, o Liverpool, cuja bandeira emoldurava seu amplificador –, enquanto Simon adorna os versos com feedbacks. Versos esses que deixam mensagem de esperança e força: “Walk on, walk on with hope in your heart, and you’ll never walk alone” (“Caminhe, caminhe com esperança em seu coração, e você nunca caminhará sozinho”).

Em tempos duros, onde o ódio parece ser uma constante para muitos, foi reconfortante ir para casa com esses versos reverberando e a vibrante emoção de um vigoroso show feito para os fãs. Que o próximo não demore tanto.

Wayne Hussey (The Mission)

 

Simon Hinkler (The Mission)
Compartilhe:
Follow by Email
Facebook
Twitter
Youtube
Youtube
Instagram
Whatsapp
LinkedIn
Telegram

MATÉRIAS RELACIONADAS

DESTAQUES

ROADIE CREW #284
Janeiro/Fevereiro

SIGA-NOS

50,2k

57k

17,2k

980

23,5k

Escute todos os PodCats no

PODCAST

Cadastre-se em nossa NewsLetter

Receba nossas novidades e promoções no seu e-mail

Copyright 2025 © All rights Reserved. Design by Diego Lopes

plugins premium WordPress