Não há como negar: poucas coisas servem tão bem ao espírito desbravador do metal quanto a garra dos novatos. Por outro lado, a maturidade sempre ajuda na hora de transformar boas ideias em belas canções. Mas, e se pudéssemos unir o melhor dos dois mundos? Pois bem, é mais ou menos isso que acontece com o Friends of Hell. Criada em 2021, essa é uma das mais novas sensações do doom metal, mas a “novata” já nasce clássica, uma vez que é liderada pelo multi-instrumentista cipriota Tas Danazoglou. Sim, este é um nome comum aos fãs de metal extremo por seu trabalho com Diavolos e Satan’s Wrath, além do heavy tradicional do Mirror e mais notoriamente por sua passagem de quatro anos pelo clássico ato doom britânico Electric Wizard. Com passagens por várias outras formações de doom e stoner, Tas já vinha fazendo falta ao estilo. Então, é com euforia que o mundo recebeu Friends of Hell, debut homônimo da banda que é completa por Albert Witchfinder (vocal, ex-Reverend Bizarre, Lord Vicar e Spiritus Mortis), Jondix (guitarra, Mercury Gates) e Taneli Jarva (baixo, ex-Impaled Nazarene e Sentenced).
Sua carreira sempre chamou a minha atenção pois, ao longo das décadas, você participou de várias bandas de gêneros variados, seja tocando bateria, baixo e guitarra ou como vocalista. Desde que exista uma banda, existe um lugar para Tas Danazoglou, certo?
Tas Danazoglou: Pois é, acho que é mais ou menos por aí, mas tem que ser uma banda pesada (risos gerais). Bem, desde muito jovem, criança mesmo, minha primeira paixão sempre foi a música. Então, de certa modo foi natural que eu começasse a me interessar pelos instrumentos que são usados para fazer a música que eu amava. O problema é que nunca consegui escolher entre eles (risos). Claro que existe um ponto de conforto e, para mim, a coisa mais fácil que posso fazer em qualquer banda é tocar bateria, pois gosto da sensação de estar trabalhando com o corpo todo e esbanjando energia para todos os lados, e a bateria permite isso. O tipo de música que gosto de tocar e de ouvir não exige demais de mim, ou seja, não exige que eu seja um robô atrás da bateria por conta de uma técnica absolutamente bizarra que deva dominar. Por favor, parem de transformar um instrumento de pura diversão e energia em algo chato e travado (risos gerais). Voltando a falar sério, tocar vários instrumentos sempre me pareceu mais divertido porque desde cedo percebi que isso me dava mais possibilidades. Eu poderia alcançar mais se conseguisse me adaptar a situações diferentes.
Podemos considerar o Friends of Hell como um bom exemplo disso que está dizendo.
Tas: Com certeza. Veja, Taneli Jarva é um grande amigo e uma das pessoas que mais admiro em todo o mundo da música, pois curto tudo o que ele fez. Sempre quis ter uma banda com ele. Bem, tenho duas… (risos) Mas onde quero chegar é que a maior parte das pessoas costuma me ver como baixista, pois acho que é o posto que ocupei na maior parte das bandas de que participei. A questão é que Taneli é baixista, então, se eu só soubesse tocar baixo, quais seriam as chances reais de ambos tocarmos juntos em uma banda? O Friends of Hell só é possível por conta desse tipo de ajustes, pois queria Taneli no baixo e, então, simplesmente assumi a bateria.
Eu estou entre as pessoas que sempre o viu mais como baixista do que baterista…
Tas: Ah, sim, acontece muito e, sendo bem honesto, acho que se tivesse que escolher, eu seria baixista. Veja, a bateria é o que acho mais fácil de tocar, pois é algo mais físico, mais energético. Porém, quando estou com o baixo, estou na frente do palco, estou sob os holofotes, mais perto dos fãs e recebo mais energia deles, então me sinto melhor. O mais fácil nem sempre é o que gostamos mais (risos).
Sempre foi assim?
Tas: Sim. Meus heróis sempre foram baixistas desde que comecei a ouvir música pesada. Você sabe, Steve Harris, Lemmy Kilmister, Phil Lynott, Leif Edling, Cliff Burton, todos esses caras incríveis pareciam gigantescos no palco… E todos eles empunhavam contrabaixos! Quando penso em uma banda incrível de metal, a imagem de um baixista sempre vem primeiro à minha memória.
Com esses exemplos que deu, fica difícil contestar.
Tas: Pois é (risos gerais). Comecei a ouvir música pesada quando tinha uns 6 anos de idade, por volta de 1977. Lembro que costumava ficar revirando a coleção de discos do meu irmão, que é cerca de dez anos mais velho que eu, então tinha 16 na época. Lembro que ele tinha uma coleção eclética, com um monte de discos normais, tipo aquele pop que você ouvia na rádio, mas também havia a seção de hard rock, e era daquilo que eu gostava mais. Tinha discos de Black Sabbath, Deep Purple, Uriah Heep, e tudo era incrível naqueles discos. As capas eram visualmente atrativas o suficiente para você querer ouvir e quando colocava para rolar… Ah, cara, que coisa incrível saía dos alto-falantes, a música te transportava para outro mundo. E todas essas bandas tinham baixistas incríveis, o som do baixo não era nem um pouco abafado naqueles álbuns. Claro, um garoto como eu não queria outra coisa da vida do que aprender a tocar e viver de música (risos).
Com o que disse, é fácil deduzir que não só o peso da música, mas também o universo das letras acabou exercendo grande influência sobre você.
Tas: Sim, as coisas sempre estiveram juntas. Sendo sincero, acho que essa é uma das características mais legais do mundo do metal, você tinha o melhor dos dois mundos misturado em um único e incrível pacote! Especialmente no hard rock e no metal, você tinha muito mais exposição ao mundo da fantasia e das grandes lendas, do místico e do sobrenatural. Você começa a prestar atenção nas letras dos artistas pop e o que escuta? Uma canção sobre uma festa da qual você não fez e nunca fará parte, alguém que perdeu seu grande amor e hoje chora ou ainda sobre o quanto esse cara é apaixonado por aquela mulher que ama outro homem… Ah, cara (risos gerais). Não consigo lidar com isso, acho que até funciona quando a banda está tocando ao vivo, mas como ter paciência para ouvir algo tão bobo em casa, dedicando atenção de verdade? Gosto de música que me prenda por inteiro, que demande toda minha atenção e meu foco. O rock é ótimo para isso, pois é muito mais profundo, os caras se inspiram em histórias, analisam, alteram, é incrível! Minhas influências vêm de todo esse universo.
Ótimo ouvir isso do líder de uma banda cujo nome foi tirado de um grande clássico do metal underground (Friends of Hell é o nome do segundo álbum da britânica Witchfinder General, lançado em 1983).
Tas: Que legal que percebeu, obrigado (risos). Esse nome foi ideia do Albert. Ele chegou um dia e disse: ‘Acho que deveríamos chamar nossa banda de Friends of Hell.’ Pensei que era uma ótima ideia. Soava bem legal, é um ótimo nome para uma banda, pois remete a muitas coisas, de gangue de motoqueiros até a algo mais místico e profano. Na hora, nem me liguei que era o nome do álbum do Witchfinder General (risos). E, foi bizarro, pois Albert é o maior fã dessa banda no planeta, ele simplesmente usa o apelido ‘Albert Witchfinder’ para se apresentar (risos). Quando lembrei do disco, gostei ainda mais do nome!
E achei interessante essa coisa de mesclar a sonoridade clássica dos anos 70 com algo dos anos 80.
Tas: Trabalhamos de uma maneira muito específica nesse álbum, pois tínhamos algo claro quando começamos: hoje existem muitas bandas, então, se você não deixar uma mensagem clara logo de cara, ninguém vai querer ouvi-lo. Com isso em mente, eu e Jondix pensamos: ‘Quais são nossas bandas favoritas?’ Lembramos de Pentagram, Saint Vitus, Cathedral, Candlemass, e todas elas buscam uma sonoridade mais setentista. Porém, ao mesmo tempo, não conseguimos deixar de lado Mercyful Fate, Venom, Hellhammer e Bathory, que são puro anos 80. Então, aí está a chave para aquilo que você percebeu na nossa música, pois foi isso que buscamos. Apenas fomos jogando todas essas referências em um mesmo caldeirão e vendo o que saía. Porém, uma coisa estava clara: não queríamos nada muito rápido. Doom precisa ser lento, arrastado e pesado! Mesmo quando pegamos referências claras de bandas como Venom, procuramos deixar o ritmo mais lento.
Isso é perceptível em Into My Coffin, que parece mesclar riffs de Saint Vitus com vocais de King Diamond, mas sem os tons mais altos.
Tas: Sim, faz sentido! Quando Jondix a trouxe, a única coisa em que conseguia pensar era no Mercyful Fate. Foi instantâneo, eu ouvi a música e lá estava a imagem do King Diamond (risos). Então, nem preciso dizer que o título veio de Into the Coven (N.R: faixa do debut do Mercyful Fate, Melissa, de 1983). Ao mesmo tempo, o refrão dela me faz pensar em Come to the Sabbat, do Black Widow. É uma grande mistura, essa é a verdade, mas foi divertido trabalhar nas músicas e nas letras desse álbum.