Texto e fotos: Diego Redel
Na primeira semana de maio, a cidade de Memphis recebeu o aguardado Beale Street Music Festival 2023. Durante três dias, a Beale Street se transformou em um cenário vibrante e repleto de música, atraindo fãs de todos os cinquenta estados norte-americanos e outras dezenas de países. Memphis tem uma história profundamente ligada à música. Conhecido como o berço do blues, foi o lar de grandes lendas como BB King, Muddy Waters e Louis Armstrong. A Beale Street, em particular, desempenhou um papel crucial no desenvolvimento do blues e se tornou um marco cultural importante.
Desde o início do século XX, ela tem sido o epicentro da música afro-americana em Memphis, abrigando casas de shows que receberam performances lendárias dos maiores nomes do estilo. O Beale Street Music Festival faz parte desse cenário, reunindo artistas de diferentes estilos e gêneros musicais em um só lugar. É uma oportunidade para os amantes da música desfrutarem de shows ao vivo e se conectarem com uma comunidade apaixonada. Realizado no Tom Lee Park, às margens do Rio Mississipi, o festival ofereceu aos participantes uma experiência visualmente interessante. O parque, que é inserido em um cenário natural e pitoresco, permitia que os fãs aproveitassem a música enquanto contemplavam a beleza do rio durante o pôr do sol e do entorno sentados em toalhas ou simplesmente deitados na grama.
Como meu objetivo era a cobertura fotográfica do festival e as quase sessenta apresentações estavam divididas em quatro palcos super bem dispostos de maneira que o som de um não atingisse o público do outro, escolhi algumas bandas para fotografar. Tomei a decisão avaliando que apresentações aconteceriam ao mesmo tempo e também que a organização do festival limitou a presença da imprensa às três primeiras músicas de cada show.
No primeiro dia, 5 de maio, concentrei nas apresentações do Blues Stage, que fica bem no coração da Beale Street, enquanto os outros três ficavam a beira do Rio Mississipi. Lá pude conferir as apresentações completas do guitarrista e cantor de blues Keb’ Mo’ e da também guitarrista e cantora do mesmo estilo, Ana Popovic. Keb’ Mo’ é três vezes ganhador do Grammy entregou um blues pós-moderno cheio de influências de folk, country, pop e rock. Elegância e um sorriso largo estão sempre presentes com ele, mesmo enquanto passa o slide nas cordas do seu violão durante “Am I Wrong”.
A sérvia Ana Popovic, que já morou em Memphis, logo depois de alcançar o primeiro lugar da Billboard com dois álbuns consecutivos, “Blind for Love” (2009) e “Unconditional” (2011), tocou na sequência. Com saltos altos em uma bota tigrada e dominando sua Stratocast, mandou um blues lento e melódico com “Johnnie Ray” e “Slow Dance”, embalando a trilha sonora do berço do blues americano.
Depois de esbarrar com Ana e Keb no backstage peguei um carrinho de golfe para tentar fotografar a atração que fechava o primeiro dia no South Stage, The Lumineers. Consegui fazer algumas fotos de longe já que o PIT, local onde fazemos as fotos no início das apresentações, já estava fechado.
The Lumineers é uma banda muito bem-vista de folk rock norte-americano, estilo que ganha mais e mais bons representantes a cada ano. Consegui fotografar as quatro últimas músicas do show que encerrou com “Stubborn Love”, quando a banda toda toca no meio do público. É bem interessante ver a cumplicidade dos músicos com os seus fãs.
Entre os artistas que brilharam no segundo dia, 6 de Maio, destacam-se Gov’t Mule, Halestorm, Living Colour e Gary Clark Jr. Encerrando com Greta Van Fleet. As apresentações aconteceram quase que simultaneamente, então voltamos ao modus operandi: fotografa três músicas e corre para o próximo.
Warren Haynes liderou o Gov’t Mule que trouxe seu blues rock característico, cativando a plateia com uma série de músicas do The Allman Brothers no setlist, incluindo o sucesso “Soulshine”.
Correria até o North Stage para pegar o início de Living Colour. A quase quarentona banda conhecida pela sua fusão de rock, metal e elementos de música negra, mostrou a sua excelência musical numa apresentação enérgica e envolvente. O vocalista Corey Glover é uma atração a parte com os dreadlocks gigantes e coloridos. Todos os grandes sucessos da carreira da banda estavam lá: “Open Letter”, “Cult of Personality” e “Type”, encerrando com um medley matador de “Time’s Up / Get Up (I Feel Like Being a) Sex Machine / What’s Your Favorite Color? (Theme Song)”.
Voltando ao South Stage, a turma do Halestorm, com a poderosa vocalista Lzzy Hale à frente, entregou um show explosivo com guitarras pesadas e sem maneirar nas distorções. Um som bem diferente do que havia tocado até então, abrindo e incendiando com “I Miss The Misery”, emendando em “Love Bites (So Do I)”.
O último show da noite de Sábado no North Stage foi do Greta Van Fleet. Eu tinha uma expectativa bastante grande em relação a essa apresentação mediante a toda a polêmica de comparações com Led Zeppelin e tudo mais. Ouvi e gostei dos álbuns gravados. E se estão copiando Led, pelo menos estão mirando em um alvo de respeito, certo? Mas realmente não sei o que me incomodou, acredito que foi um conjunto de coisas.
O set de festival com dez músicas poderia ser maior se não fossem os improvisos intermináveis de guitarra que chegavam a durar cinco ou seis minutos. Convenhamos que Jake Kiszka não é um Jimmy Page tocando, a quem poderia observar a noite toda apenas segurando a sua Les Paul 59. Ou a iluminação, mas aí é papo de fotógrafo. Basta dizer que o aparato é de uma banda enorme mas foi super mal usado. Não gera uma atmosfera que algumas bandas conseguem fazer com bem menos recurso.
Os gêmeos Kiszka, Jake (guitarra) e Josh (vocal) comandam o quarteto que conta ainda com o irmão Sam (baixo) e Danny Wagner (bateria). Entre as músicas estavam todos os sucessos dos dois primeiros álbuns incluindo “Black Smoke Rising”, “Safari Song” e “Heat Above”, e também o single “Meet The Master”, do novo álbum, “Starcatcher”, que será lançado em 21 de julho acompanhado de nova tour.
No último dia de festival, 7 de maio, acompanhei apenas dois shows. Gary Clark Jr., um dos grandes nomes do blues contemporâneo, impressionou com sua habilidade na guitarra e sua presença magnética de palco. Magnético mesmo, o cara quase não se mexe ou sorri. Mas a música fala por si e “When My Train Pull In”, “Feed The Barbies”, “I Walk Alone” e “Our Stay” fizeram parte do set.
E o mais esperado, falo por mim, mas acredito que muita gente dividiu esse sentimento, foi a apresentação de Robert Plant e Alisson Krauss. Em cima da hora soubemos que os artistas não autorizaram fotos no PIT. Mas logo esse show? Fui pra frente do palco com a câmera e ali fiquei para não só fotografar, mas também para ter a experiência de ver um Zeppelin ao vivo.
Plant encantou a jovem e a velha guarda com uma performance perfeita. Para os fãs, assistir Robert Plant ao vivo foi uma experiência quase indescritível. Sua presença lendária e a nostalgia evocada por suas músicas transportaram todos para uma época de ouro da música. A voz única criou um ambiente de êxtase e conexão entre o público e o artista. Foi um momento mágico que deve ter ficar gravado na memória de todos os presentes.
Clássicos de sua carreira solo, algumas músicas do álbum “Raising Sand” e do recém-lançado “Rise The Roof”, gravadas em colaboração com Alison Krauss, e um gostinho de Led com a versão pra lá de country de “Rock and Roll”, onde o público cantou junto cada palavra. E teve também a lindíssima “The Battle of Evermore”. Foi um show e tanto! Alisson Krauss e Robert Plant formam uma bela e entrosada dupla que ganhou Grammy de melhor álbum country logo no primeiro CD. Plant sempre diz que busca fazer música que o desafie e que não seja igual ao que ele já fez. E ele encontrou essa inspiração no fértil mundo do country americano, com faixas cheias de toques suaves de violino, banjo, pedal steel e bandolin.
Mais do que um evento musical, o Beale Street Music Festival 2023 foi uma celebração da música, da cultura e da história de Memphis. Com uma programação repleta de artistas talentosos, a energia contagiante do festival ecoou pelas ruas da cidade e reafirmou sua importância no cenário musical mundial. Os espectadores tiveram a oportunidade de vivenciar momentos únicos, mergulhando em uma atmosfera musical intensa e emocionante. Os shows foram pontuais e o tempo que previa chuva colaborou com muito sol e calor. Esse é apenas um festival dos inúmeros que acontecem todas as semanas. O Brasil já faz ótimos e grandes festivais, minha única comparação com o que acontece no exterior seria em relação à quantidade. Que tenhamos muitos mais.