Mork, Goatburner, Test, NervoChaos, Funeratus e Sodoma
Por Daniel Agapito
Fotos: Roberto Sant’Anna
Dia 5 de novembro, segunda-feira, House of Legends, três dias após uma das maiores tempestades e vendavais da história recente da cidade de São Paulo. Este foi o cenário para uma das noites com mais metal extremo do ano inteiro. O “Monday Extreme” foi uma “colisão” de duas turnês, o último show da “Blizzard of Darkness Over Brazil Tour” com Mork (NOR), NervoChaos e Funeratus que passou pelo sul e sudeste do país e o primeiro show da “Eureka Fatal Brazil Tour” com Goatburner (FIN), NervoChaos Test e Sodoma, que passará pelo Sudeste e Nordeste.
A cidade de São Paulo continuava em um estado um tanto caótico por conta das tempestades que aconteceram na sexta-feira (03), fazendo com que a locomoção fosse bastante dificultada. Mesmo com isso, uma horda de headbangers ainda conseguiu achar tempo em sua segunda-feira para ir ao House of Legends prestigiar alguns dos maiores nomes do underground nacional e europeu.
Devido ao momento caótico pelo qual a cidade estava passando e pelo fato de todos os shows terem começado de 10 a 15 minutos adiantados, poucos estavam lá para ver o Sodoma, uma das mais tradicionais bandas de black metal do Nordeste. O grupo teve seu início em meados de 2003, na cidade de João Pessoa, capital paraibana, com sua primeira demo, “Sadomazocristo”, sendo lançada em 2005. Desde então, lançou mais uma demo (“Renascida em Trevas”, 2005) e 3 LPs, “Sempiterno Agressor” em 2011, “Mutapestaminação” em 2016 e “AnimalignA” em setembro de 2022. O grupo incluiu em seu repertório faixas de diversas eras, como “Renascida em Trevas”, “Svprema Ave Negra” e outras de “AnimalignA”.
Com a subida do Funeratus ao palco, a casa já foi se enchendo aos poucos. O power trio de death metal, natural de Mococa (SP), está na ativa há 30 anos. O set também consistiu em mostrar diversas eras da banda, contendo desde “Storm of Vengeance”, faixa-título do debut de 2003, até a nova “Soldier’s Death”. O público aparentava estar bastante animado, batendo cabeça e constantemente cantando junto com a banda. Por conta da House of Legends ser pequena comparada a outras casas, todos os shows acabam tendo um clima intimista, pois todos estão perto do palco, independentemente de sua posição no local. Isto fez com que a interação da banda com o público fosse facilitada, visto que era quase possível ter uma conversa normal com a banda entre músicas, graças à distância.
Este aspecto da conversa com as bandas foi amplificado depois dos shows, tendo em vista que a maioria dos integrantes de todas as bandas desceram do palco e ficaram em meio ao público. Esta acessibilidade dos integrantes da banda é algo que acaba sempre marcando os shows do “underground”. O tópico do “underground” foi algo bastante ponderado durante o show do Funeratus, que de tempos em tempos agradecia o público veementemente por ter tirado tempo de suas segundas-feiras pós-feriado para estar em um show desta escala, “fortalecendo” a cena e a “irmandade do metal”.
Na sequência veio uma das maiores forças do underground nacional, o NervoChaos. Em postagem às suas redes sociais, disseram que “Após Europa, América Latina e Ásia, o Metal Underground não para! Está chegando a hora de celebrarmos juntos a força do verdadeiro Metal nacional, vocês estão prontos? For passion not fashion!” e este sentimento de “for passion not fashion” (por paixão, não vaidade) foi algo que prevaleceu bastante em seu show. Para brevemente contextualizar, a banda está ativamente em turnê promovendo “Chthonic Wrath” desde 18 de maio, que marcou o começo da turnê europeia, que consistia de 59 shows em 23 países. Finalizaram esta perna da turnê no final de julho, e em setembro já estavam de volta com uma turnê latino-americana com Demonical, Holocausto Canibal e Lucifer’s Child. No dia 5 de outubro já estavam tocando na Ásia com o Mork e no dia 19 de outubro começaram a “Blizzard of Darkness”, que se encerrou (após 17 paradas) neste show no Legends, que marcou o começo da “Eureka Fatal Tour” – serão mais 20 shows pelo sudeste e nordeste. A turnê (Eureka Fatal) irá emendar em mais uma turnê latino-americana que vai literalmente de norte à sul do país, sendo concluída apenas no dia 17 de dezembro.
Mesmo com uma agenda tão frenética, demonstraram muita animação, e deram 110% de si no palco. Vale lembrar que uma parcela destas turnês está sendo produzida pela Tumba Produções, propriedade de Edu Lane, baterista da banda. Com 11 álbuns de estúdio, a falta de repertório estava longe de ser um problema. Como as bandas que os antecederam, tocaram músicas de diversas eras da banda, tocando também algumas de seu mais novo projeto. Nesta hora o casa começava a encher mais e mais, tudo em antecipação dos “headliners”, Mork, que seriam os próximos a assumirem o local.
Por conta de ser segunda-feira, a ordem dos shows refletiu isso, mostrando uma escolha sensata das produtoras Caveira Velha e Tumba. Quem quisesse ver apenas NervoChaos e Mork, poderia teoricamente sair da casa por volta das 21h40 (mais cedo na realidade).
Como já era esperado, o show dos noruegueses do Mork foi o destaque da noite. Foi uma coisa quase que de outro mundo. Presença de palco e controle do público impecáveis desde o começo, o público interagia sempre, muito bate cabeça, mãos de fogo e todos os outros devidos gestos de apoio. O palco da banda em si foi marcante, notavelmente por conta do pedestal de microfone do vocalista Thomas Eriksen, que tinha um formato pouco convencional, tendo em vista o equipamento das bandas antecessoras. Seu pedestal era feito de algumas partes de metal, que dependendo do ângulo que olhasse pareciam galhos, talvez até chifres.
A estética do Mork é algo que tem que ser tratado à parte. Como muitos dos expoentes do black metal norueguês mais adjacente à segunda onda, eles usam o tradicional corpse paint. Mesmo com esta pintura não sendo algo incrivelmente fora do comum no black metal, ainda se torna algo notável quando a grande maioria das outras bandas da noite (todas, com exceção do Sodoma) não a usavam.
Os integrantes falaram algumas vezes durante o show que gostavam bastante de tocar em terras brasileiras, um gesto que o público curtiu bastante. A banda é uma queridinha do underground brasileiro desde sua performance forte na edição de 2022 do Setembro Negro. Mesmo com esta sua turnê atual sendo apenas sua segunda passagem pelo país os fãs demonstraram grande afeto e engajamento com os escandinavos. Semelhantemente ao NervoChaos, estão tocando praticamente sem parar, há pouco mais de um mês atrás, estavam na Ásia acompanhando os brasileiros, passando pelo Japão, Filipinas Taiwan, Tailândia, Nepal e Índia. Depois desta passagem, vieram pra o Brasil (novamente acompanhados do NervoChaos) e fizeram 17 shows no sul e sudeste, com este sendo o último.
Em relação à qualidade de som, foi consistentemente muito boa, com todos os instrumentos estando claros e audíveis. Até tiveram uns probleminhas com o som, guitarra e voz sumiam às vezes e voltavam muito alto, mas não foram abalados e conseguiram seguir o show sem problemas.
Não existe nenhuma banda no mundo que seja igual ao Test. A trajetória do Test é pouco convencional, começaram se apresentando nas portas de grandes shows da capital paulista com uma bateria, uma guitarra e um gerador a bordo de uma Kombi. Desde então, têm crescido e se apresentado (dentro de casas de show) com grandes nomes do metal mundial como Napalm Death, Carcass, Cannibal Corpse e Brujeria. Shane Embury, baixista tanto do Napalm Death quanto do Brujeria, já disse publicamente ser fã do Test. Outro grande nome do metal que declarou ser fã da dupla foi o Iggor Cavalera, que elegeu o Barata, baterista do Test, como um dos 9 melhores bateristas de todos os tempos em entrevista para a No Echo.
Mesmo que algumas pessoas possam considerar o estilo de grindcore experimental do Test como “só barulho”, as habilidades técnicas da dupla de João (guitarra, vocais) e Barata (bateria) são inegáveis. Barata, especificamente, consegue tocar bateria em uma velocidade absolutamente vertiginosa, e é capaz de produzir uma vasta gama de sons usando um setup minimalista. João consegue usar uma guitarra e pedaleira pouco convencionais e criar uma experiência sonora completamente diferente de tudo que está no mainstream musical atual. Quando subiram ao palco, a casa já tinha esvaziado bastante, por conta do horário, mas uma parcela significativa do público que ficou para presenciar sua performance estava fissurada no show. Um show do Test pode ser comparado com um acidente de carro com muitos carros, mesmo sem entender muita coisa é extremamente difícil de parar de olhar. Mesmo com interação mínima com o público, conseguiram engajar grande parte das pessoas presentes e mesmo sem um setlist definido conseguiram fazer um show que demonstrou muito bem suas habilidades e dinâmica como banda.
Mesmo com aquela noite tendo sido a primeira passagem dos finlandeses do Goatburner, conseguiram fazer um show de qualidade. Antes mesmo de o show começar, o vocalista e guitarrista Keijo Niinimaa (Rotten Sound) demorou um pouco para achar os ajustes certos para o sistema de PA, mas isto acabou virando um grande benefício, pois a qualidade do som estava incrível durante o show inteiro. Seu repertório foi curto, mas continha músicas de todas as eras da banda, inclusive do LP mais recente deles, o “Fatal”, lançado em outubro deste ano. Tiveram uma recepção do público um tanto morna, mas foram esquentando à medida que o tempo passava. Isto pode ter se dado por uma variedade de razões, seja pelo horário e cansaço geral do público, seja pelo pouco conhecimento da banda, mas de qualquer jeito, o público acabou gostando.
O que realmente “ganhou” o público foi quando Niinimaa mencionou que gostaria da volta do Slayer, deste momento para frente os que estavam presentes ficaram mais dispostos a apreciar o som da dupla de death metal. Em relação ao engajamento do público, até havia alguns que estavam mais ativos, batendo cabeça, mas depois de 5 outras bandas de metal extremo em uma segunda-feira realmente se viu um grande cansaço do público. Os temas abordados pelo Goatburner são um pouco mais leves por natureza e até de caráter cômico, como em músicas como “Morbid Angle” (ao invés de Morbid Angel) e “Revolving Reaper”, que trata sobre os perigos dos cortadores de grama. A gratidão e felicidade da banda eram palpáveis. O vocalista expressava alguns “obrigados” após cada música e estava sempre sorrindo, mantendo o astral alto. No final de seu set, mais pessoas já balançavam a cabeça, mas nada muito extremo. O show encerrou por volta das 22h50, 10 minutos após o horário de início previsto pela produtora.
Contudo, mesmo com os shows de cada banda sendo de menor duração, o Monday Extreme serviu bem para destacar nomes já estabelecidos e respeitados do underground nacional e para trazer ao público nacional nomes emergentes do underground europeu. Além disso, funcionou como um ótimo ponto de transição entre duas turnês que, juntas, percorreram praticamente todo o país.
Setlist Sodoma:
1. AnimalignA
2. Infausto
3. Factotum
4. Renascida Em Trevas
5. Svprema Ave Negra
6. O Que Habita Em SÍ
7. Furiosa
Setlist Funeratus:
1. Storm of Vengeance
2. Accept the Death
3. Soldier’s Death
4. Echoes in Eternity
5. Indian Healing
6. Asphalt Eaters
Setlist NervoChaos:
1. Whisperer in Darkness
2. For Passion Not Fashion
3. I Hate Your God
4. Moloch Rise
5. Feast of Cain
6. Lullaby of Obliteration
7. Pazuzu is Here
8. Total Satan
9. Dragged To Hell
10. Demonomania
11. Pure Hemp
Setlist Mork:
1. Arv
2. Eremittens Dal
3. Tilbake Til Opprinnelsen
4. På Tvers Av Tidene
5. Da Himmelen Falt
Setlist Goatburner:
1. Vortex of Chaos
2. Drowned Alive
3. Danger!
4. Disaster
5. Scorched
6. Get Sick and Die
7. Revolving Reaper
8. Morbid Angle
9. Time to Burn