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CONVERGE: GÊNIOS INCOMPREENDIDOS

Após ter sua turnê cancelada e adiada, os nativos de Massachussetts finalmente chegam no Brasil para um show único no Cine Joia (SP), no dia 10 de novembro, promovido pela Powerline Music & Books

Por Daniel Agapito

Dentro da “bolha” do core, seja hardcore ou metalcore, poucas bandas têm um som tão distinto quanto o Converge. Formado em 1990, o grupo vem instaurando o caos em forma de música há quase 35 anos, se tornando facilmente uma das bandas mais respeitadas do underground mundial. Há anos, o público brasileiro pede um show deles por terras tupiniquins, mas nunca rolou, até março de 2020, quando estavam com data marcada para a capital paulista. Sabemos bem o que acabou acontecendo nesta época, o que fez com que eles cancelassem sua vinda e eventualmente remarcassem para abril deste ano. Novamente, não conseguiram vir, por conta de problemas do guitarrista, Kurt Ballou. Agora, está tudo certo para finalmente aparecerem por aqui,no dia 10 de novembro. Em antecipação ao show, tivemos a chance de conversar com Jacob Bannon, a lendária voz por trás do grupo e dono da Death Inc. Records. Falamos sobre o que podemos esperar do show, o impacto de Jane Doe, disco incompreensivelmente influente e muito, muito mais. Confira.

 

Não resta dúvida de que Jane Doe, disco que vocês lançaram em 2001, é completamente revolucionário, abrindo as portas para um som jamais visto antes no metalcore. Como diria que ele tem envelhecido nos mais de 20 anos desde seu lançamento? 

Jacob Bannon: O álbum certamente envelheceu, mas nós não olhamos para nossa música por essa lente histórica. Para nós, ele não carrega mais peso – artística ou criativamente – do que qualquer um de nossos outros álbuns. Em muitos aspectos, ele agiu como um ‘ponto de ignição’ para o subgênero do qual fazemos parte. O disco saiu em um momento em que houve uma mudança geracional na forma como o punk rock, o hardcore e o metal ‘de base’ eram entendidos, e esses mundos estavam se misturando mais. Essa mistura já estava acontecendo há um tempo, mas a imprensa de música pesada e do mainstream da época majoritariamente deixava passar batido, focando no heavy metal estereotipado, no death e no thrash. Simplesmente não havia muita atenção no início. Me lembro de quando Jane Doe foi lançado, ainda tenho um fichário com mais de 300 resenhas daquela época. Eram majoritariamente negativas. A imprensa não gostou do disco, do que estávamos fazendo, não entendiam o gênero do qual fazíamos parte. Até mesmo os jovens do hardcore nem sempre sacavam o que estávamos fazendo, pois procuravam grupos de hardcore tradicionais nos estilos clássicos de Boston ou Nova York. Bandas como nós, Cave In, Botch, The Dillinger Escape Plan e até Coalesce não se encaixavam em nenhum molde pré-determinado, e fomos ou largamente ignorados ou vistos como artisticamente irrelevantes. Mas tudo bem, a música é subjetiva, e cada um pode gostar do que ressoa consigo. Do meu ponto de vista, houve apenas uma falta de compreensão geral do que estávamos tentando fazer. Muitas pessoas simplesmente não nos entendiam, alguns fãs de heavy metal da velha guarda ouviram o que estávamos fazendo e simplesmente não sabiam o que pensar. Com o tempo, as coisas mudaram. O tempo traz uma perspectiva diferente, e agora algumas pessoas olham para trás e veem o disco como um clássico. Mas na época, esse não era o caso.

 

Levando em conta que vocês são uma banda tão orgânica e visceral, o que você acha da Inteligência Artificial, que agora é capaz de criar músicas em uma questão de segundos? 

Bannon: O que a IA cria não é música. Não é o que eu gosto, e não vejo isso como uma ameaça ou algo do tipo. Você conhece alguém que seja um grande fã de uma banda de IA? Exatamente. Você pode até emular coisas com a tecnologia o quanto quiser, e com o correr do tempo acho que essas tecnologias conseguirão alcançar alguns resultados interessantes, mas no fundo, no fundo, você ainda precisa de uma alma criativa, de um pouco do toque humano, e isso não pode ser ‘clonado’ com a IA, e nunca será. Não vejo a IA fazendo nada que valha a pena ouvir ou tentar experimentar; vejo-a mais como uma versão avançada de um navegador da web ou mecanismo de busca, um sistema informacional.

Jacob Bannon | Foto: @hillariejason

You Fail Me, quinto disco da banda, completou 20 anos agora em setembro. Podemos esperar algo especial para celebrar esse acontecimento, seja em estúdio ou ao vivo? 

Bannon: Ainda tocamos muitas músicas desse disco nos shows. Gostamos muito dele e de como soa ao vivo. De muitas maneiras, ele pode ser considerado o primeiro disco moderno do Converge. Foi aquele em que os quatro integrantes principais estavam compondo e fazendo turnê juntos, despendendo tempo, muito trabalho criativo, determinação e energia. Ele se conecta conosco tanto hoje quanto na época do lançamento, e algumas músicas dele sempre parecem acabar dentro do nosso repertório.

 

Seguindo nesta linha dos lançamentos mais modernos do Converge, seu último disco foi o aclamado Bloodmoon: I (2021), feito em colaboração com Chelsea Wolfe. Você chegou a dar algumas informações sobre a sequência, Bloodmoon: II, mas nada muito concreto. Até o momento, como que tudo isso está fluindo? 

Bannon: Desde então, muita coisa aconteceu. Quando esse lançamento saiu, ou melhor, quando estávamos fazendo o álbum, a pandemia da covid-19 surgiu, o que desacelerou grande parte do nosso ímpeto criativo. Vale lembrar, a banda foi composta por sete integrantes, com convidados adicionais se juntando de tempos em tempos conforme criamos. Logisticamente, é um pesadelo fazer com que todos estejam no mesmo espaço mental e físico. Temos muito material – embora a maior parte esteja inacabada. Esperamos concluí-lo em algum momento. Quando os lockdowns começaram, estávamos prestes a fazer uma turnê na América Latina com o Sick of it All, e Chelsea e Ben estavam indo para a Europa como Chelsea Wolfe para fazer uma tour de um álbum acústico. Após essas turnês, íamos passar um tempo no estúdio trabalhando no material que já tínhamos começado, mas os lockdowns mudaram tudo, forçando-nos a trabalhar remotamente por quase um ano, o que atrasou as coisas. Agora, todos nós estamos recuperando nossos próprios cronogramas, e isso fez com que entrar na mentalidade para continuar esse material fosse um desafio logístico hercúleo. Como disse, temos muito material, e pretendemos terminá-lo. No entanto, agora, nosso foco principal é um novo álbum do Converge (sozinho) em que estamos trabalhando há algum tempo.

 

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 Em relação aos shows de vocês por aqui na América Latina, o que os fãs podem esperar do setlist? 

Bannon: Provavelmente, um pouco de tudo. Nossos shows são bastante extensos. Somos uma banda que continuará tocando enquanto houver um público e enquanto a produção e a casa deixarem. Normalmente, tocamos pelo menos duas dúzias de músicas ou mais, então ficamos no palco por um bom tempo, cobrindo material de todos os nossos discos. Quem sabe? Talvez até toquemos algo inédito. Ainda não tenho certeza de qual será o setlist, mas vamos garantir que haja algo para todos aqueles que se conectam com algum disco específico. Um pouquinho para cada tipo de fã.

 

Queria perguntar rapidamente também sobre a ausência de vocês da América Latina. Fora as dificuldades com logística, o que causou esse hiato prolongado em terras latinas? 

Bannon: Ninguém nunca me perguntou sobre nossas oportunidades no exterior. Todos pensam que somos constantemente questionados sobre isso, mas geralmente as oportunidades nos são apresentadas conforme surgem. Como uma banda dos Estados Unidos, é difícil conhecer todos os produtores locais e os melhores lugares para tocar e alcançar o público certo em países que não são a nossa própria terra natal. Às vezes, leva tempo para descobrir as pessoas certas com quem trabalhar e estabelecer relações, aquelas que sejam adequadas para uma banda de punk hardcore como a nossa. Operamos com uma abordagem simples, autogerida, o que é bem diferente de muitos outros artistas que têm equipes de gerenciamento maiores e conexões estabelecidas com produtores do mundo inteiro. Então, leva tempo para entender o território, mas estamos em um bom lugar com a América Latina agora. Estamos trabalhando com ótimas pessoas, e acho que vai ser uma boa combinação.

 

Vamos dizer que tem alguém que nunca ouviu falar de vocês, mas começou a ler esta entrevista, ou viu um lambe-lambe divulgando seu show na rua. Como você descreveria para ela a experiência ao vivo do Converge? 

Bannon: Quanto aos nossos shows, eu não posso descrever de fora – estou sempre do lado de dentro. Somos uma banda agressiva, não no sentido de atacar alguém, mas se você está procurando uma experiência física positiva, agressiva e quer se conectar com algo diferente, talvez sejamos para você, especialmente se você for fã de música independente ou alternativa. Acho que há algo no que fazemos para muitas pessoas.

Foto: Reid Haithcock

Nesses mais de 30 anos em que vocês têm estado na estrada, como diria que evoluíram? Não necessariamente só musicalmente, mas também pessoalmente, tecnicamente, mentalmente. 

Bannon: Com o tempo, você naturalmente se torna mais proficiente no que faz – vai lapidando sua arte. Todos nós ficamos melhores como artistas e nos comunicamos criativamente de uma forma mais eficaz. Quando éramos mais jovens, ainda estávamos descobrindo muita coisa, tentando fazer muita coisa; algumas funcionam, outras não. Algumas coisas você lança com orgulho, enquanto outras, bem, simplesmente são o que são. Mas é tudo um trabalho em andamento, e é assim que vemos a banda. É uma grande linha do tempo histórica, um corpo de trabalho, e estamos apenas em algum lugar ao longo dessa linha. Todos nós evoluímos como pessoas, assim como o mundo evoluiu. Se não tivéssemos evoluído, estaríamos presos ao passado, como ludistas, monarquistas. Estamos tentando fazer o melhor com as ferramentas e habilidades que desenvolvemos, e aqui estamos.

 

Tem alguma banda aqui do Brasil que você ouviu e curtiu? Alguma que tenha te feito pensar “nossa, os caras são bons mesmo”.

Bannon: Não conheço muitas bandas novas do Brasil. O Deafkids foi a última banda que realmente chamou minha, no ano passado, quando eu estava nos Estados Unidos. Eles não estavam apenas na minha frente, foi algo que descobri por conta própria. Isso não quer dizer que não existam artistas relevantes por aí, eu só ainda não os conheço. Tenho certeza de que, quando estivermos aí em uma ou duas semanas, vou ouvir muita música interessante e ver algumas coisas legais. É geralmente assim que funciona.

 

Para fechar, tem alguma mensagem final, algumas palavras que gostaria de dedicar aos leitores da ROADIE CREW?

Bannon: Obrigado pela paciência! Estamos super animados para chegar aí e tocar para vocês. Nos vemos lá!

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