É impressionante a quantidade de bandas atuais que espelham sua música diretamente no rock dos anos 70. E faço a constatação de forma positiva, pois essa nova geração de artistas tem aproveitado a oportunidade para homenagear uma cena artística que há 50 anos marcou profundamente a história da música.
A questão é: como se destacar em meio a grandes nomes na cena? Afinal, imagino que não deva ser fácil quando o artista, tentando conquistar seu espaço, olha para o lado e vê ótimos álbuns sendo lançados por bandas como Blues Pills (“Holy Moly!”), Lucifer (“Lucifer III”), Buffalo Summer (“Desolation Blue”) e Rival Sons (“Feral Roots”), sem contar o Graveyard, que está em estúdio preparando algo para 2021. A concorrência é desleal.
Ou o grupo mostra muita competência na execução do trabalho, ou ele vai em busca de algo bem original, o que, convenhamos, não é a premissa deste estilo musical.
O Jack Slamer optou pelo mais seguro, mas não necessariamente o mais fácil: fazer um rock and roll mesclando blues e clima “vintage” com muita qualidade.
Diretamente da mesma Suíça de Eluveitie (folk metal) e Gotthard (hard rock), o quinteto formado por Florian Ganz (vocal), Cyrill Vollenweider e Marco Hostettler (guitarras), Hendrik Ruhwinkel (baixo) e Adrian Böckli (bateria), chegou ao seu terceiro disco, “Keep Your Love Loud”, esbanjando talento e, especialmente, técnica mais refinada em relação ao álbum antecessor (“Jack Slamer”, de 2016 – posteriormente relançado em 2019).
Caso você nunca tenha ouvido falar do Jack Slamer e resolva tirar uma primeira impressão pela capa, é provável que fique confuso. O pássaro em movimento de alçar voo, ainda que ilustrado em tonalidades mais escuras, lembra a arte gráfica do álbum “Shadows” (2015), dos norte-americanos do Valkyrie (heavy/doom metal), enquanto o título do álbum – “Keep Your Love Loud” – lembra o segundo álbum do Soundgarden, “Louder Than Love” (1989).
Sem contar que logo na primeira audição é possível notar uma estreita semelhança entre o vocal de Florian Ganz e o de Andrew Stockdale, líder do Wolfmother. Sugestão: depois de ouvir qualquer música do Jack Slamer, faça o exercício mental de encaixar o vocal do suíço na música “Woman”, um dos maiores hits do Wolfmother, e você vai entender o que estou falando.
Mas as aparências enganam, pois o Jack Slamer trilha o seu caminho distanciando-se de todas essas referências apontadas. O objetivo do grupo é incorporar no som as influências do blues rock de bandas clássicas como Free e Cream, por exemplo, mas sem soar como algo ultrapassado ou uma simples cópia do que os “Pauls” (Rodger e Kossoff) fizeram no fim dos anos 60 e começo dos anos 70.
Também podemos ouvir clara referência ao Led Zeppelin, como, por exemplo, na excelente “Bouquet of Decibels” que encerra o disco. Já deixo aqui minha opinião: esta é a melhor e mais forte canção de “Keep Your Love Loud”. Nela, é possível perceber que as guitarras se inspiraram nos riff de Jimmy Page em “Moby Dick”, enquanto o vocalista, meio cantando, meio falando, pega emprestado os “babys” característicos de Robert Plant.
Falando um pouco do trabalho dos integrantes, a bateria de Adrian tem um som encorpado e dá o tom cadenciado que permeia todo o álbum (confira “Brother e “Memories”, bem semelhantes em suas respectivas aberturas), enquanto as linhas do baixo de Hendrik são facilmente perceptíveis em faixas como “Favorite Enemy” e a psicodélica “Sun Soul Healing”, o que ajuda a dar peso às canções. Em resumo: a cozinha é boa e não decepciona.
A dupla Cyrill e Marco estava inspirada nas guitarras, pois soube equilibrar os momentos de mais peso (“Bouquet of Decibels” e a segunda parte de “Favorite Enemy”) com outros de suavidade (“Ocean”), sem contar as boas passagens de solos em “War of Words” e “Memories”. Fazendo jus à aura setentista do álbum, “Lost” contou com um tímido momento Thin Lizzy de guitarras gêmeas, no melhor estilo Brian Robertson/Scott Gorham.
A voz de Florian atinge notas altas, às vezes agudas demais para as músicas, e o excesso de sua performance pode causar um certo desconforto no início. Assim, minha adaptação ao vocal não foi imediata, pois em alguns momentos senti que ele poderia ter insistido em tons mais baixos.
As músicas de “Keep Your Love Loud” proporcionam uma audição bem uniforme, ou seja, elas não destoam muito umas das outras, mas, para a sorte do ouvinte, isto não implica em um álbum repetitivo. A linha condutora do processo criativo é composta de riffs inspirados, faixas cadenciadas em decorrência da forte influência do blues, além de bons refrões.
O ótimo início cheio de groove e soul de “Brother” já mostra a diferença de rumo tomado pela banda, que no álbum anterior abriu com a agitada “Turn Down the Lights”. O refrão é muito bom e a banda traz uma mensagem propícia para o complicado ano de 2020 quando Florian canta: “Keep your faith and confidence in all your plans” (Mantenha sua fé e confiança em todos os seus planos). Se você está com espírito positivo neste começo de ano, acho que vale a pena cantar junto e fazer coro à mensagem da banda!
“Favorite Enemy”, como já dito, tem uma excelente linha de baixo, mas o destaque vem ao final com a inesperada quebra de ritmo, deixando a música mais pesada graças às guitarras. Algo similar ocorre em “War of Words”, mas neste caso a banda se valeu de uma segunda mudança de ritmo para retornar à melodia inicial da canção. É muito entrosamento envolvido! E ainda, esta é a faixa com a ponte mais marcante para o refrão, algo como um ritmo marcial e propício à temática da música: guerra (de palavras).
Os riffs iniciais da guitarra em “Sun Soul Healing”, cuja letra envolve as criações da natureza, lembram o Monster Truck, e aqui a banda mostra como uma música aparentemente simples pode ser tão cativante. Por sua vez, “Magic Woman” retrata os perigos de se envolver como amante da mulher do demônio. Analisando o álbum como um todo fica claro que esta faixa, em termos de conteúdo da letra, se destoa (demais) do panorama geral do álbum, que fala sobre situações cotidianas, relacionamentos e emoções.
O disco também possui momentos de suavidade, como é o caso do ótimo refrão de “Lost”. Na primeira parte da música, Florian canta de forma contida, mas, ao final, solta a voz – neste caso, a impressão que fica é muito boa! Por sua vez, “Ocean” se destaca por ser uma das músicas mais diferentes do álbum, pois ela não carrega o característico blues/retro rock que dita o clima do trabalho, mas sim um ritmo bem calmo inicialmente guiado apenas por voz e guitarra, para depois ganhar energia em um momento tipicamente rock and roll, com batidas mais diretas. Infelizmente, o momento é passageiro, e a canção logo chega ao fim.
Não custa ressaltar: “Bouquet of Decibels”, com sua clara influência de Led Zeppelin, é a melhor faixa de “Keep Your Love Loud”, e conta também com o melhor refrão. Parece proposital: a banda escolhe a dedo a música para encerrar o álbum em grande estilo e nos deixa ansiosos para os trabalhos futuros.
No geral, é perceptível que o grupo se comprometeu a trazer composições diretas, simples, com muita energia e atitude para chamar a atenção do ouvinte, e eles conseguiram atingir o objetivo. Não tenho dúvida que essa conjunção de fatores, em médio prazo, poderá destacar o quinteto suíço em meio às diversas bandas que hasteiam a bandeira do retro rock.
“Keep Your Love Loud” é um álbum que respira o blues e o rock dos anos 60/70 e agrega mais valor à discografia do Jack Slamer. Expectativas foram criadas. Que venha o próximo disco!