Por Leandro Nogueira Coppi
Fotos: Andre Santos
Algo lastimável que acontece no rock/metal da América do Sul é o ralo intercâmbio entre os países do Mercosul. Olhando especificamente para o nosso próprio umbigo, enquanto o Brasil sempre recebe de braços abertos bandas dos Estados Unidos e da Europa, por exemplo, há pouca abertura – diria até uma tremenda falta de interesse – quanto aos trabalhos de “nuestros hermanos sudamericanos”. E isso vale para produtores de shows e também para o próprio público, que parecem não valorizar o que rola nos países vizinhos. Veja, por exemplo, o caso do Rata Blanca, banda histórica da Argentina e talvez a maior do continente se desconsiderarmos alguns dos grandes nomes do Brasil. Em setembro de 1995, o grupo fez um show ótimo e bastante elogiado na segunda edição do festival Monsters of Rock, porém, meses antes, em show próprio, tocou para um público pífio no extinto Olympia, em São Paulo. Resultado? Nos últimos quase 30 anos nunca mais a banda portenha passou por aqui. Isso é fruto também da fraca divulgação que costuma haver quando essas bandas nos visitam. Ao longo dos anos, pude prestigiar no Brasil não apenas o Rata Blanca, como também seus conterrâneos do Climatic Terra, Kefren e Watchmen, os uruguaios do Reytoro e os chilenos do Tabernários, por exemplo. No entanto, a sentença é sempre a mesma: pouca divulgação = pouco público. E não foi diferente com uma das boas bandas do Chile, o Exxocet, que fez sua estreia em solo brasileiro neste mês de fevereiro, antes de se despedir da América do Sul e embarcar em definitivo para a Europa ainda no primeiro semestre de 2024. E o que a princípio era para ser apenas este show no Manifesto Bar, se tornou uma mini-turnê paulistana para a banda de hard rock, que dias antes fez uma apresentação acústica no Malta Rock Bar (leia aqui) e depois tocou ainda no Hellraiser Rock Bar.
No Manifesto, o Exxocet fez parte do evento “Quinta Glam”, junto das bandas paulistanas Wolfpire, Inluzt e Spine Shiver. Como o nome do evento entrega, essa reunião hard rocker chilena/brasileira rolou em uma quinta-feira (15 de fevereiro), e é aí que vem outra questão que não dá para ficar isento de falar. Sabemos que São Paulo é uma cidade violenta, que não dispõe de metrô e de ônibus (exceto algumas linhas) 24 horas. Fora isso, nem sempre as pessoas estão aptas a utilizar carros de aplicativo para retornar para suas residências. Posto isso, é inaceitável que um bar ou uma casa de shows continue extrapolando no horário de início/término de seus eventos, ainda mais em um dia de semana como esse em questão. Mesmo com quatro bandas no line-up, a “Quinta Glam” começou às 21h e terminou no esdrúxulo horário das 2h30 do dia seguinte – horário esse que, certamente, corrobora para afastar público e que prejudica as próprias bandas. E aí deixo duas perguntas: quem não tem veículo próprio e/ou não utiliza carro de aplicativo volta como para casa, ainda mais tendo que acordar cedo para ir trabalhar? Quem se responsabiliza pela segurança de quem tiver que ficar esperando na rua o horário de retorno das atividades dos transportes públicos? Já passou da hora dessas casas de shows recuarem nesses pensamentos elitistas e se preocuparem mais com a integridade e conforto do “povão”. Agora, vamos aos shows…
Representando o rock and roll brazuca, a “Quinta Glam” contou com as bandas Spine Shiver, Inluzt e Wolfpire. O clima era de camaradagem total, ainda mais que semanas antes as três bandas já haviam dividido palco no evento “Vila Elétrica Festival”, que rolou no Instituto Cultural Bolívia Rock, na zona leste de São Paulo. No Manifesto, a abertura da noite ficou a cargo da Spine Shiver, que entrou em ação pontualmente às 21h, mandando Bad Story, música que faz parte de seu álbum de estreia, The Road, de 2020.
Até essa apresentação, a Spine Shiver ainda não tinha um baterista fixo – segundo o grupo nos antecipou, o futuro dono das baquetas deverá ser anunciado no final de março -, então Eli Colt (vocal e guitarra) e Guss Kbello (guitarra solo) estavam acompanhados de Rick Koba. Além disso, a Spine Shiver estava desfalcada de seu baixista, MD Rock, e aí coube a (com o perdão do trocadilho) Graveto quebrar um galho para a banda paulista de Itupeva. Embora o som da Spine Shiver tenha alguns flertes com o hard rock, o southern rock é seu principal viés. Particularmente, ao vivo a sonoridade da Spine remeteu-me à de bandas veteranas do gênero no cenário americano, como o Cry of Love, da Carolina do Norte, e o The Georgia Satellites, de Atlanta, Georgia.
Quem chegou cedo e conferiu a apresentação da Spine Shiver se deparou com um repertório recheado de músicas do mencionado álbum The Road, dentre as quais The One, na qual Kbello mandou um solo bacana, Steel Rider – essa em clima de ‘western movie’ -, Boomerang e a própria balada The Road – as duas últimas com destaque para a voz de Eli, bem como para construção vocal das músicas – soaram bem legais ao vivo.
Entre músicas de seu primeiro álbum, o grupo tinha na manga também alguns singles lançados posteriormente, mais precisamente em 2023: a ótima e pesada The Council e a acelerada Nightsong. Ainda que a formação do grupo estivesse desfigurada, a Spine Shiver fez, assim como no “Vila Elétrica Festival”, uma apresentação coesa e entrosada. Fique de olho nessa rapaziada, que pouco a pouco vem se destacado no cenário paulistano como grande promessa do southern rock.
Às 22h, foi a vez de o Inluzt tomar o palco de assalto. Se alguém ali não conhecia a banda, o visual deixava claro que era chegada a hora de o hard/glam rock comandar a festa. Coincidentemente, esse estava sendo o terceiro evento consecutivo que este repórter prestigiava e em todos eles – esse em questão, o mencionado “Vila Elétrica Festival” e o show dos suecos do Hardcore Superstar – o Inluzt integrava o cartaz. Após a longa introdução Echoes rolar no som mecânico, o quarteto formado por Fabz (vocal), Jr Roxx (guitarra), Mexx (baixo) e Lexxi (bateria) surgiu tocando Revolution, música com um início que soa como um ‘blend’ de trecho de Still of the Night, do Whitesnake, com algo do hard rock sueco de bandas como Crashdïet, Crazy Lixx e afins, até se desenrolar em peso e adrenalina. No decorrer dessa, que faz parte do álbum de estreia do Inluzt, Echoes of Revolution (2020), o carismático e comunicativo Fabz desceu para cantar com o público na pista.
Depois desse início agitado, a banda manteve a energia com a empolgante All She Wants. Depois de Alpha, Fabz pediu aplausos para as demais bandas e apresentou Lexxi, típico batera de hard rock, que chamava a atenção por seu ‘playing’ e também por seu visual Sunset Strip/anos 80, ao melhor estilo Mötley Crüe, W.A.S.P. e L.A. Guns. E Lexxi puxou a ‘hardona’ Inluzt Boyz, essa com um dos riffs mais legais tocados por Jr Roxx, que, aliás, empunhava uma bela Ibanez modelo Paul Stanley.
Entre outras músicas de Echoes of Revolution, o Inluzt apresentou também os singles Untamed, de 2021, na qual tanto Fabz quanto Mexx tiveram alguns problemas com o microfone e com o baixo, respectivamente, e também a nova, Temptation, de 2023 – nessa última, Fabz novamente desceu para a pista e dessa vez cantou e agitou com integrantes do Exxocet, que estavam por ali prestigiando o show dos paulistanos. O Inluzt finalizou sua apresentação com Follow the Leader – música que tem videoclipe -, e outra vez deixou uma boa impressão para o público presente, principalmente pelo mencionado carisma de Fabz, que independente se esteja tocando para muitas ou poucas pessoas, tem tino para entreter o público com a mesma paixão.
Encerrando a parte nacional da “Quinta Glam”, veio o Wolfpire, grupo que foi escalado na véspera do evento para o lugar de uma banda tributo ao Whitesnake. E, cá entre nós? Com todo respeito às bandas covers, mas é sempre mais enriquecedor prestigiar o trabalho de uma autoral, ainda mais quando a mesma demonstra qualidade, como foi o caso dos paulistanos do Wolfpire.
Composto atualmente por Doug Muratore (vocal), Luiz Casadio e Furuken (guitarras), Hall Mayan (baixo) e Rod Selmo (bateria), o Wolfpire chegou munido de um repertório recheado de músicas de seu álbum de estreia, Naughty and Hungry, de 2017, e também de algumas surpresas no set. Ao contrário do Inluzt, que tem um viés mais puxado para o sleaze glam, o Wolfpire faz um hard rock com uma roupagem mais classuda, na qual os riffs e melodias vocais lembram muito do que surgiu no gênero entre os anos de 1990 a 1992 – diga-se de passagem, período esse que foi ótimo para o hard rock em termos de qualidade e de lançamentos, e que mesmo tendo sido os últimos anos do auge do estilo, ainda deu tempo de nos revelarem ótimas bandas e discos.
Com direito à coreografia (que remetia as do Judas Priest), o Wolfpire deu início à sua apresentação com Chains, uma de suas músicas mais cativantes. Outra com ótimo riff veio na sequência, The Race, que abre o álbum Naughty and Hungry. Depois da acelerada Waiting, o carismático Doug apresentou a banda e anunciou o primeiro cover da noite, para o clássico Hysteria, do Def Leppard – aliás, taí uma banda que cai muito bem na voz de Doug. Falando em voz, cabe destacar também os backing vocals de Rod Selmo, que além de mandar muito bem na batera, se alinha com destaque com Doug no ‘mic’. Por sua vez, o guitarrista Casadio não só despeja riffs (junto de Furuken) e solos bem legais, como também tem uma performance diferenciada.
Prosseguindo, se o Inluzt tem Inluzt Boyz, o Wolfpire também tem sua música homônima – muito boa, por sinal -, que foi a próxima do set. Outra das mais legais foi Spiders, música que fecha Naughty and Hungry. E quem achou que não teria cover do Whitesnake na noite, visto que a banda tributo à banda de David Coverdale que participaria do evento deu lugar ao Wolfpire, o próprio grupo paulistano se incumbiu de inserir ao set a contagiante Still of the Night, do clássico álbum 1987.
Apesar de a banda pensar que não haveria tempo para mais uma, houve sim, e aí o Wolfpire se despediu com a hardona Shadows (minha favorita do grupo), outra que dispõe de um ótimo ‘main riff’ da dupla Casadio/Furuken, que remete ao Winger, especialmente no hit Seventeen, do homônimo primeiro álbum da banda americana de hard rock.
Encerrado em alto nível o bloco brazuca, a expectativa agora era para o show de estreia dos chilenos do Exxocet. Atualmente, o grupo promove o seu terceiro álbum de estúdio, Dagger Constellations, que foi lançado em novembro último. A banda está de volta aos palcos após três anos longe do público, e agora com nova formação. Sob a introdução mecânica Enter the Jungle, o Exxocet, formado hoje por Richie Love (guitarra), Danny Crow (baixo) e pelos estreantes Rob Thone (guitarra), Alonxxo Landerso (bateria) e pela vocalista Bengala, surgiu no palco com suas características maquiagens coloridas. Agitando o público para chegar mais próximo do palco, o grupo foi atendido de imediato, logo nos primeiros instantes de sua música de abertura. E a escolha veio à calhar, pois se o Brasil estava vivendo dias de Carnaval, nada mais apropriado do que estrear em nossos territórios com a visceral Cannibal Carnival, música do penúltimo álbum, Mighty Jungle (2019), que tem uma das mais belas capas do hard rock.
Para a sequência, a escolhida foi a ótima Show Me What You Got, música do novo disco, Dagger Constellations. Nessa, de refrão viciante, a vocalista Bengala mostrou que a banda acertou em cheio ao convidá-la para a vaga deixada por Chris Lion. A garota canta demais, tem uma voz forte e um alcance impressionante. No caso de você ainda não ter procurado a banda em alguma plataforma de streaming enquanto lê essa resenha, a voz de Bengala pode ser comparada à de cantoras como Janet Gardner (ex-Vixen) e da canadense Chrissy Steele. Ótima aquisição para o Exxocet, inclusive em termos de carisma – apesar de certa timidez. Prosseguindo, o riff seguinte, parecido com o de You’re Really Got Me do The Kinks, só que na versão do Van Halen, entregou a própria Mighty Jungle.
Depois da trinca inicial, o Exxocet emendou uma sequência repleta de músicas de Dagger Constellations, com destaque para All My Love (How Far Can We Go) – dedicada por Bengala e Richie Love no show a este que vos escreve – e para a igualmente eletrizante Sun & Sand – posteriormente, essa ganhou videoclipe com imagens da passagem da banda pelo Brasil (assista aqui). Depois de Sun & Sand, o grupo apresentou o jovem Alonxxo Landerso, que correspondeu com um belo solo de bateria. Com apenas 18 anos, Alonxxo – fã assumido de Angra – é um baterista técnico que toca com muito ‘punch’. Após a sequência imersiva no álbum Dagger Constellation, o Exxocet mandou M.B.S.S., revisitando com ela o seu álbum de estreia, Rock & Roll Under Attack, de 2016.
O Exxocet foi muito bem recebido pelo público, que curtiu sua mistura de hard rock com algo de AOR (principalmente no novo álbum) e algumas referências de heavy tradicional. Sentindo-se em casa – especialmente o exímio guitarrista e principal compositor da banda, Richie Love, que já morou no Rio de Janeiro, fala bem o nosso idioma e estava com uma bandana do Brasil amarrada em seu braço -, o grupo conquistou o público pela qualidade das músicas, pela simpatia e pela energia de seu show.
Na sequência seguinte do set, a banda mesclou bem o repertório com músicas de seus três álbuns, sendo que no saldo total, Dagger Constellations foi tocado na íntegra. Dos outros álbuns, os grandes destaques nessa sequência do show foram Heavy Metal Angels, que abre o debut Rock & Roll Under Attack, Night & Day e a estonteante Screams From the South, ambas de Mighty Jungle.
No extenso repertório do Exxocet, estava programada também Mulher de Fases, do Raimundos – banda adorada por Love -, porém acabou ficando de fora. Falando em Love, ele acabou sendo prejudicado na segunda metade do show por alguns percalços, como a corda de sua guitarra que estourou e depois o mau contato na transmissão da entrada do amplificador para o cabo da guitarra, algo que surgiu no final do show e teimava em não se estabilizar – o jeito foi o técnico de som da casa descer ao palco e segurar o cabo para que o guitarrista conseguisse concluir a última música do show, que foi a citada Screams From the South. No mais, aparentemente tudo correu muito bem e tanto banda quanto público saíram felizes dessa noite de muito hard rock e também de southern rock – estilos que sempre andaram lado à lado, principalmente na terra do Tio Sam.
Seria muito legal se esse show fosse o indício de novos tempos para bandas de outros países sul-americanos virem tocar no Brasil mais constantemente – embora eu não acredite que isso vá aconteçar à curto prazo. Aliás, cabe a você que está lendo, que tem interesse em descobrir ou que já curte o som feito por bandas de outros países do continente, sugerir a algum produtor local nomes que curta para que ele tenha confiança em trazê-los ao Brasil. No mais – embora eu também não acredite -, seria ótimo que, como reclamado no início desta matéria, tanto o Manifesto Bar quanto outras casas de shows repensassem o que estão fazendo com o horário de suas programações, inclusive para que todas as bandas de um mesmo evento tenham a chance de tocar para bons públicos em termos de números. Fica a dica…
Spine Shiver – Setlist
- Bad Story
- The One
- Boomerang
- The Road
- Steel Rider
- The Council
- Nightsong
- Deep Inside Your Heart
Inluzt – Setlist
- Echoes (Intro)
- Revolution
- All She Wants
- Colorful
- Alpha
- Inluzt Boyz
- One More Night
- Untamed
- Temptation
- Follow the Leader
Wolfpire – Setlist
- Chains
- The Race
- Waiting
- Hysteria (cover do Def Leppard)
- Wolfpire
- Spiders
- Still of the Night (cover do Whitesnake)
- Shadows
Exxocet – Setlist
- Intro
- Cannibal Carnival
- Show Me What You Got
- Mighty Jungle
- Wild Lust
- On Your Knees
- Lights in the Night
- All My Love (How Far Can We Go)
- Sun & Sand
- If You Dare
- MBSS
- Oasis
- Night and Day
- Elektrocet
- Heavy Metal Angels
- Spyders Nest
- Rock & Roll
- Party Tonite
- Screams From the South
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